Três ciclos do movimento olímpico
Ao final da Segunda Grande Guerra, inaugurou-se um segundo ciclo do movimento olímpico e desportivo, movimentos que não são a mesma coisa apesar de muitas vezes se confundirem, principalmente no século 20. O segundo ciclo do olimpismo teve início na Inglaterra, nos Jogos Olímpicos de Londres, em 1948.
A cidade, que fora devastada pelos bombardeios alemães, recebeu os Jogos da XIV Olimpíada pela segunda vez após um intervalo de doze anos de interrupção devido à II Guerra Mundial. Assim como os Jogos de 1920 tinham acontecido em Antuérpia, como uma homenagem do Comitê Olímpico Internacional ao sofrimento do povo belga durante a Primeira Guerra Mundial, Londres teve a oportunidade de sediá-los em virtude da destruição que a cidade havia sido vítima e que devastaram a capital inglesa.
De qualquer modo, os organizadores conseguiram proporcionar um evento digno, com a restauração do famoso Estádio de Wembley que serviu como palco central dos jogos, contando com a participação de 59 nações e a presença de 4.104 atletas, sendo 370 mulheres, em 19 modalidades; os jogos ainda foram abertos pelo Rei Jorge VI.
Os jogos de Londres foram transmitidos por televisão para residências particulares, a exemplo do que havia sido feito nos de Berlim, em 1936, apesar de poucas pessoas no Reino Unido e Alemanha terem, na época, aparelhos de TV em suas residências. A Alemanha e o Japão não foram convidados aos jogos do pós-guerra.
A holandesa Fanny Blankers-Koen foi o grande nome feminino dos jogos. Aos 30 anos, casada e mãe de dois filhos, Fanny ganhou quatro medalhas de ouro nos 100m, 200m, 80m com barreiras e revezamento 4x100m. Uma regra que na época ainda limitava a participação de mulheres em mais de três provas individuais acabou impedindo-a de conquistar mais medalhas, pois era também a recordista mundial do salto em altura e salto em distância.
O mundo conheceu, em Londres, aquele que seria o sucessor do grande finlandês Paavo Nurmi, no pós-guerra, o tcheco Emil Zatopek, campeão olímpico dos 10 mil metros. Quatro anos depois, em Helsinque, Zatopek, já apelidado de “A Locomotiva Humana” pela sua arrancada impressionante na volta final das provas, surpreenderia o Planeta com seus resultados. O Brasil terminou sua participação em 34º lugar, com duas medalhas.
A partir destes jogos, o movimento olímpico ganhou outro significado no mundo bipolarizado pela chamada Guerra Fria. União Soviética e EUA passaram a transformar as disputas esportivas em cenário simbólico para demonstração de poder. Boicotes e ações políticas marcaram a realização dos Jogos Olímpicos durante o século 20.
O campo esportivo herdou das pesquisas realizadas na Segunda Guerra Mundial, o uso de substâncias que mantinham soldados acordados por mais tempo e aumentavam sua resistência ao cansaço. Da necessidade de recuperação dos prisioneiros desnutridos nos campos de concentração, foi aperfeiçoado o uso dos hormônios anabolizantes.
Seja por motivos políticos ou financeiros, o doping passou a ser utilizado de forma cada vez mais “científica”, inaugurando a Era das Ciências do Esporte. Agora, o que vale é a vitória a qualquer preço, deixando de lado a ideia de Coubertin de que “o importante é competir”.
Nos jogos olímpicos de Roma, em 1960, são descritas três mortes por uso de doping: Knut Enemark Jensen, um ciclista da Dinamarca de 25 anos (quinze tabletes de anfetamina, mais oito tabletes de um vasodilatador coronariano, misturados a uma garrafa de café); Dirck Howard, alemão, medalha de bronze nos 400 metros (por dose excessiva de heroína) e Simpson, um corredor inglês (também por um estimulante). Esta nova situação, nascida com o pós-guerra, obrigou o Comitê Olímpico Internacional a criar mecanismos de controle, surgindo uma comissão médica que passou a atuar nas Olimpíadas, começando pela do México, em 1968.
As técnicas de doping continuam a evoluir da mesma forma que as técnicas de controle em uma briga de gato e rato.
Com o fim do bloco liderado pela União Soviética, no início dos anos 1990, o mundo bipolarizado dá lugar a um novo liberalismo, ou neoliberalismo, liderado pelos EUA e Europa. Tal ideologia finda os dois ciclos anteriores inaugurados pelo Barão de Coubertin, em 1896 e interrompido com a Segunda Grande Guerra, e sua retomada nos jogos de 1948, em Londres.
Os jogos olímpicos realizados em Barcelona, Espanha, cidade do então presidente do Comitê Olímpico Internacional, Juan Antonio Samaranch, em 1992, inauguram um novo ciclo.
Foi a primeira edição desde os jogos olímpicos de verão de 1972, em Munique, em que todos os Comitês Olímpicos Nacionais estiveram presentes, totalizando 169 nações que enviaram 9.356 atletas.
Com o processo de extinção da União Soviética, os doze territórios optaram por formar uma Equipe Unificada, composta pelos então onze países da Comunidade dos Estados Independentes mais a Geórgia. Os três países bálticos formados por Estônia, Letônia e Lituânia optaram por enviar suas próprias equipes.
A África do Sul retornou aos Jogos após a suspensão de 32 anos em função do regime do apartheid. A Alemanha competiu como uma única nação após a reunificação, fato que não ocorria desde a formação da Equipe Alemã Unida entre 1956 e 1964.
O desmembramento da Iugoslávia levou a Croácia, Bósnia e Herzegovina e Eslovênia a participarem com suas próprias equipes nacionais.
A então República Federal da Iugoslávia sob embargo das Nações Unidas, devido à Guerra Civil, teve a autorização de seus atletas autorizada como Participantes Olímpicos Independentes, fazendo com que a Iugoslávia perdesse as respectivas vagas nos esportes coletivos.
Durante a preparação dos Jogos, a cidade de Barcelona experimentou grandes mudanças estruturais. A construção de estradas e infraestrutura de telecomunicações e alterações em boa parte da cidade inauguraram uma nova perspectiva para os jogos: o legado social e de transformações na cidade.
Os jogos ganham outros significados em uma sociedade dominada pelo desenvolvimento dos mass media e o esporte passa a ocupar lugar como negócio de destaque na grade e na pauta dos grandes conglomerados de comunicação planetária. A chamada cadeia produtiva do esporte busca associar sua imagem ao esporte, transferindo para as empresas de marketing o controle sobre atletas de destaque, equipamentos, suplementos alimentares, vestuários e grandes contratos de publicidade.
O espírito de Agon, presente nos jogos da Grécia Antiga foi substituído pelo fairplay e a ideia de que o importante era competir que foi trocada pelo marketing e pelo espetáculo esportivo patrocinado pelas grandes empresas da indústria esportiva.
A realização dos Jogos Olímpicos, no Brasil, em 2016, segue esta lógica atual à qual podemos chamar de “terceiro ciclo do movimento olímpico internacional”.
A ideia de legado social tão alardeada só será efetiva se os movimentos sociais conseguirem enxergar os megaeventos esportivos como uma abertura de oportunidades de transformação urbana, de educação e emprego principalmente para a juventude entre 15 e 29 anos. É possível, mas é necessário escapar da pauta imposta pelo mercado imobiliário, pelos grandes conglomerados de comunicação e pela lógica do lucro.
Leia também a primeira parte desta série:
A modernidade e a trajetória das lutas políticas e ideológicas nas Olimpíadas