Um Amanhã
Um Amanhã
Louvada seja a misericórdia
De Quem, completos meus setenta anos
E selados meus olhos,
Salva-me da venerada velhice
E das galerias de precisos espelhos
Desses dias iguais
E dos protocolos, molduras e cátedras
E da assinatura de incansáveis papéis
Para os arquivos do pó
E dos livros, que são simulacros da memória,
E me prodiga o animoso desterro,
Que talvez seja a forma essencial do destino argentino,
E o acaso e a jovem aventura
E a dignidade do perigo,
Conforme opinou Samuel Johnson.
Eu, que sofri a vergonha
De não ter sido aquele Francisco Borges que morreu em 1874
Ou meu pai, que ensinou a seus discípulos
O amor à psicologia e não acreditou nela,
Esquecerei as letras que me deram alguma fama,
Serei homem de Austin, de Edimburgo, da Espanha,
E buscarei a aurora em meu ocidente.
Na ubíqua memória serás minha,
Pátria, e não na fração de cada dia.
Jorge Luis Borges Obras Completas II 1952 – 1972
Editora Gl