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    Árvore prodigiosa

    Árvore prodigiosa Eu sou na floresta a excelentíssima Hevea brasiliensis, árvore que os ingênuos desterrados da seca a caminho do fado nordestino da ocupação do Norte acreditaram, ingenuamente, era pau que dá dinheiro à beça… Qual nada! N verdade, era pau de dar em doido. Servidão de seringal ao largo de rios da Solidão. Mas […]

    POR: Redação

    6 min de leitura

    Árvore prodigiosa

    Eu sou na floresta a excelentíssima Hevea brasiliensis,
    árvore que os ingênuos desterrados da seca
    a caminho do fado nordestino da ocupação do Norte
    acreditaram, ingenuamente, era pau que dá dinheiro à beça…
    Qual nada! N verdade, era pau de dar em doido.
    Servidão de seringal ao largo de rios da Solidão.

    Mas podem me chamar de Seringueira.
    Sou amante cobiçada por muitos homens,
    pra me possuirem
    ricos e pobres mataram e morreram por mim,
    inventaram impérios, invadiram países, tomaram terras…
    Todavia meu esposo tinha nome de Chico Mendes
    Seringueiro destemido de Xapuri, que colocou o Acre
    no mapamúndi
    cuja morte deu vida a muitos desvalidos
    seringueiros no mundo inteiro
    onde meu nobre sangue vegetal foi sustentar a civilização
    Foi Chico quem inventou o empate à Devastação
    botou antigos soldados da borracha
    na primeira linha do exército da salvação
    das Florestas Tropicais.
    A um tal Quixote eu fui Dulcinéia amada de verde cabeleira,
    mulher de sangue alvo braços abertos para o céu
    habitado de estrelas, sonhos e passarinhos…

    Minha família é das Euphorbiaceae e do meu lenho
    Meus irmãos Omaguas índios do rio Solimões
    Tiraram o látex pra fabricar seringa
    Pela primeira vez
    Invento pra aspirar pó de paricá bacana
    Com que podiam eles franquear a fronteira
    da realidade e da encantaria além da terceira margem do rio,
    ir conversar com os espíritos sagrados
    da floresta sempre em festa: o paraíso ao lado do inferno…
    .

    Não sei o que diria um pajé dos bons
    se aquilo seria um bem ou mal
    caso caísse em mãos profanas fora da casa dos Homens:
    só sei que depois do descobrimento do rio das Amazonas
    a descoberta da borracha foi causa da maior agitação
    e desgraça da antiga terra dos Tapuias.
    Da Amazônia me levaram mundo afora
    depois de me aclimatar no jardim botânico de Londres
    de modo que o ciclo da borracha extrativista
    passou às plantations:
    infernos verdes transplantados no mundo.

    Eu fiz a glória da belle époque de Belém e Manaus,
    dei curso à folia amazônica em meio a óperas
    no Teatro Amazonas e no da Paz, no Pará, vertigem de aplausos,
    rios de champanhe e nuvens de fumaça
    de legítimos Havanas acesos em notas de 500milréi$…
    Mas o endiabrado Jurupari sabe que meus parentes seringueiros
    comeram o pão da terra que o diabo amassou
    com farinha d’água e pimenta malagueta…
    Os índios, da terra ancestral despossuídos à bala,
    expropriados de sua supimpa invenção levaram o diabo
    sem outro remédio passaram a vagar de lugar a lugar
    até virar caboclo:
    lupem proletário da selva e da beira do rio
    desde que La Condamine a pirateou e Charles Goodyear
    industrializou a borracha,
    sem pagar um tostão aos primeiros inventores.

    Claro eu sou apenas uma árvore da Fortuna
    Porém sei muitas coisas que o vento e as aves em seus ninhos
    Pelas ramas vêm me contar a respeito das mais seringueiras
    do mundo industrial.
    Foi assim que americanos fizeram Forlândia e Belterra
    vã pretensão de dominar o deus-mercado.
    Deixa estar, disse-me o malino Jurupari; vou empestar a plantation
    Dito e feito!

    Ficaram as ruínas do já teve no rio dos Tapajós
    todavia, ingleses com mentiras costumeiras
    levaram minhas sementes à colônia no Ceilão, agora Sri Lanka;
    assim acabei exilada na Malásia e na África,
    no Brasil cheguei a Bahia e hoje estou em São Paulo
    com todo vigor,
    repeteco da história do café furtado de Caiena
    e plantado no grão Pará em roças de trabalho escravo.
    Mas, o ciclo da borracha da civilização 4 Rodas e da camisinha
    pra não engravidar menina novinha ou aumentar prole adoidada;
    pro seringueiro da sorte, com perdão da palavra,
    continua sendo a merda de sempre
    (descontada malária e acerto de contas na mira do fuzil).

    Andando a par com a indústria do automóvel
    movida a petróleo, o comércio da borracha
    tem dívida enormíssima com a mãe Natureza e a humanidade.
    Eu fico na floresta amazônica pensando
    cá com meus botões em flor,
    quando será que o vasto mundo de Drummond
    vai indenizar esta gente que inventou a seringa?

    Na calma da mata qual uma mansa vaca vegetal
    Eu me deixo ordenhar pelo seringueiro à espera
    D’algum dinheiro pra dar de comer à família.
    E quando o sol está a pino ao meio dia
    tal qual uma granada disparada pelo sol
    eu dou explosão às sementes com as quais,
    em roda do meu tronco,
    outras árvores mais novas nascerão
    e outras histórias hão de continuar
    o ciclo da borracha: desta vez, acho,
    a coisa vai ou racha…

    José Varella, Belém-PA (1937), autor dos ensaios "Novíssima Viagem Filosófica", "Amazônia Latina e a terra sem mal" e "Breve história da amazônia marajoara".

    autor dos ensaios "Novíssima Viagem Filosófica" e "Amazônia latina e a terra sem mal", blog http://gentemarajoara.blogspot.com

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