A ESQUINA

Talvez seu grande amor estive em uma esquina.
E, pensando nisso, ela desceu. Quatro lances de escada até a rua. Seu vestido rodado. Seu olhar presente na ausência. Seu sorriso contido frente ao espelho. Respirou fundo e, mesmo com aquela chuva forte, pôs-se a caminhar, pulando as poças e sorrindo a todos. Na quitanda, duas quadras à frente, parou. Deixou o guarda-chuva à porta e, logo após, saiu com um pequeno pacote de damascos secos, um velho presente a quem se gosta.
Cantou na chuva.
Deu voltas e voltas em torno do próprio eixo, forma de expressar algo, alegria, sutileza. Ouviu uma música de sua cabeça. Dançou consigo mesma, tirando o corpo fora, se molhando. Colheu uma flor – a única em toda aquela cinza cidade.
Em todo tempo, o tempo todo, olhava as esquinas, os rostos ali parados.
Sabia que ele, o amor, estaria ali. A esperar. Com um chocolate, ou um outro pacote de damascos. Sabia perceber a hora certa, quando o visse, quando o encontrasse, quando o sorriso expressasse algo não efêmero.
Correu quando pôde.
Na última esquina da cidade, parou. Ele não estava ali.
Não esteve até ali e não estava ali.
E não havia mais esquinas.
Mas havia um banquinho. Sentada, no banquinho. Por horas.
Ela pegou o pano de dentro da bolsa, e secou o rosto. O relógio indicava estar tarde e ela voltou para casa. Agora sem correr, sem dançar, sem colher flores. Voltou, caminhando, comportada, sentindo a chuva a rasgar o ar.
Em frente de casa, colocou o pacote, molhado, de damascos no lixo, olhou a caixa de correios e desapareceu para o mundo.
Amanhã, talvez, quem sabe, chova novamente.

* Luiz Henrique Dias é dramaturgo, diretor da Cia Experiencial O Teatro do Excluído e estudante de Arquitetura e Urbanismo e Gestão Pública. Siga ele lá no twitter: @LuizHD