Logo Grabois Logo Grabois

Leia a última edição Logo Grabois

Inscreva-se para receber nossa Newsletter

    Comunicação

    Conversas debaixo da mangueira

    Conversas debaixo da mangueira Ilhargas do forte do Presépio costa-fronteira das ilhas do rio de Guamá debaixo da velha mangueira de pomos carregada presepadas do capitão-mor e Homens Bons matabugres ladeira do Castelo Branco portal da memória do peixe frito ao azeite patauá urubus à guisa de garis com fome descendo à doca e feira […]

    POR: Redação

    4 min de leitura

    Conversas debaixo da mangueira

    Ilhargas do forte do Presépio
    costa-fronteira das ilhas do rio de Guamá
    debaixo da velha mangueira de pomos carregada
    presepadas do capitão-mor e Homens Bons
    matabugres
    ladeira do Castelo Branco
    portal da memória do peixe frito ao azeite patauá
    urubus à guisa de garis com fome
    descendo à doca e feira do Ver O Peso
    face à igreja de Santo Alexandre
    sermão sebastianista do padre-mestre Vieira:
    Quinto império do mundo…
    e a ira sagrada de Cabelo de Velha,
    tremendão Tupinambá morto em vida
    e ressuscitado da morte por artes mágicas
    caboclo Pena Verde santo de terreiro
    Norte nordestino
    Fado português do bom selvagem na casa de Mina
    Guiné do desterro nas beiras do Solar da Beira
    Casa das canoas
    turcos encantados a bordo de caravelões
    e igarités bastardas do Maranhão
    Apocalypso contrabandeado de Porto Caribe
    arco das gerações das Índias acidentais
    traído pelos bons cristãos nas Antilhas
    idem no Grão-Pará
    a atiçar a fúria de setecentos e tontos
    diabos matabrugres do rio das almazonas.

    Fluxo e refluxo da maré
    ar de chuva
    altos vôos de urubu do Ver O Peso
    reino das nuvens papavento
    a ver quem desta feita vai preso
    o tempo paresque que não se vai
    da praça do Relógio
    porém não se mergulha duas vezes
    no barrento Guajará
    espiral evolutiva das raízes da terra
    até o espingarito das ideias
    à riba d’espigão de concreto
    edifícios da periclitante modernidade
    cidade das mangueiras
    sonhadora da ‘belle époque’ que nem escada de Jacó
    Escadinha do caís da Port of Pará.

    Cidade Velha do Pará velho de guerra
    urbe viajante d’além mar
    caminhos das Índias
    parou aqui boca do igarapé do Piry
    bebeu açaí ficou…
    trouxe as mangueiras,
    jaqueiras,
    fruta-pão,
    jambo,
    gado cabo-verdiano,
    zebu
    búfalo,
    casarão, azulejos e arabescos
    sarampo,
    peste de varíola…
    levou drogas do sertão
    e gados do rio em quantidade.

    Pato no tucupi aqui na feira
    do Açaí
    maniçoba só de sobra pro jantar
    crianças de rua sob teto de luar,
    quem pagou o pato
    no mato sem cachorro
    foi índio cativo, negro escravo
    e branco degredado:
    segredos de estado!

    400 anos como quatrocentos janeiros
    mestiçagens à muque:
    estupro civilizacional das amazonas
    caminhos de Belém por mundos
    e fundos de quintais
    a cidade cresceu de costas para o rio,
    subiu aos céus do avião e apartamento
    a prestação
    rio-me de mim sob chão de estrelas
    feliz da vida sem ter eira nem beira
    poeta e profeta de segunda
    passageiro clandestino da terceira margem da história
    à espera de cair do alto
    aquela manga amarelinha matafome
    mais desejada que todo ouro do El-Dorado
    e as minas fundas e escuras de Carajás.

     José Varella, Belém-PA (1937), autor dos ensaios "Novíssima Viagem Filosófica", "Amazônia Latina e a terra sem mal" e "Breve história da amazônia marajoara".

    autor dos ensaios "Novíssima Viagem Filosófica" e "Amazônia latina e a terra sem mal", blog http://gentemarajoara.blogspot.com

    Notícias Relacionadas