A presidenta Dilma Rousseff tenta, desde que assumiu, enfatizar o protagonismo da nova classe média nas ações do governo, com menções frequentes ao segmento em discursos. Pelo peso que adquiriu, com mais de 100 milhões de pessoas, o grupo impõe-se às agendas administrativa eleitoral do Planalto, que nesta segunda-feira (08/08) fez, pela primeira vez, um seminário para tentar conhecer melhor aquele público.

O que se viu foi um debate tecnocrático, que deu voz apenas a autoridades e acadêmicos – inclusive intelectuais de linhagem contrária à política econômica do governo Lula que produziu a nova classe média. E que, na maior parte do tempo, limitou-se a discutir consumo e crescimento, sem entrar em temas culturais ou comportamentais, por exemplo.

Este perfil do seminário acabou ilustrando algo que um dos participantes, o presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Marcio Pochmann, apontou como sendo – na visão dele – um problema da nova classe média, a despolitização.

Para Pochmann, a ascensão social da última década foi “individualista”. A maioria dos empregos novos está no setor de serviços e nas cidades médias. Essa característica daria vazão ao consumo reprimido. Mas não despertaria nas pessoas interesse em participar da vida pública via partidos, sindicatos ou ONGs, por exemplo, como ocorreu nos anos 70, com a indústria nas grandes cidades puxando o desenvolvimento. “O consumismo não permite identificar valores”, disse o economista, que acha importante aumentar a “visão democrática” da classe média.

“A classe média não é necessariamente democrática”, afirmou no seminário o economista Mario Pezzini, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Ele deu como exemplo o país de origem dele, a Itália, onde a classe média foi a base do fascismo.

Segundo Pezzini, mesmo que ainda esteja a consolidar sua classe média, o Brasil já conta com uma vantagem para lidar com as consequências do peso dela: o nível da carga tributária. O economista considera que a carga brasileira não é alta, mas adequada para o Estado prestar serviços públicos, a exemplo do que se vê nos países mais avançados. “O avanço da classe média demanda mudanças na política fiscal, mas não necessariamente aqui no Brasil”, afirmou.

Oposição ao governo
A carga tributária, na casa de 37% do tamanho da economia, foi um dos pontos atacados por um dos participantes do seminário que diverge do modelo de desenvolvimento que engordou a classe média em 30 milhões de pessoas nos últimos anos. Para o economista Eduardo Gianetti da Fonseca, que foi assessor econômico de Marina Silva na eleição do ano passado, o Estado não deveria arrecadar o tanto que arrecada e investir – para ele – tão pouco.

Para ele, o crescimento da classe média deveria obrigar o Estado a investir mais em áreas como aeroportos, geração de energia, estradas, moradia e educação. E nada disso estaria ocorrendo.

Gianetti teve como companheiro de mau-humor no seminário outro economista de visão liberal, André Urani, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), expoente do neoliberalismo brasileiro nos anos 90. No debate, ele expôs uma visão crítica das ações da dupla Lula-Dilma e pregou, por exemplo, que o governo faça reformas trabalhista e previdenciária.

A proposta ficou sem resposta pela falta, no seminário, de represantantes de movimentos sociais, como as centrais sindicais, em geral contrários às reformas defendidas por Urani.

Já o empresariado tinha ao menos um representante no seminário, o economista Marcos Lisboa, que comanda a área de seguros do banco Itaú. Secretário de Política Econômica de Antonio Palocci no ministério da Fazenda, no primeiro mandato de Lula, Lisboa é oriundo também da PUC-RJ.

A tentativa de vocalizar a nova classe média no seminário – que não tinha nenhuma representante puro do grupo para falar de si mesmo – coube a um instituto de pesquisas chamado Data Popular, que nos últimos anos vem ganhando a vida ensinando clientes a chegar até o novo consumidor brasileiro.

Segundo o presidente do instituto, Renato Meirelles, a nova classe média sobe na vida mas tem postura própria e bem diferente da velha elite. Relaciona-se mais com os vizinhos, tem mais orgulho de ser brasileira, dá mais valor aos estudos, pesquisa preços primeiro, é mais empreendedora. “A elite tem sua forma de pensar pautada na exclusividade. A nova classe média se sente parte de uma rede de relações”, disse Meirelles.

A principal manifestação dessa sociabilidade seriam as redes sociais na internet. A internet tornou-se a fonte de informação mais importante para o grupo, sobretudo dos jovens, os “protagonistas” da classe, ao lado das mulheres. Nos cálculos de Meirelles, a juventude da classe C será, na eleição de 2014, mais numerosa do que as classes A e B inteiras e juntas.

Eis uma duas explicações para a preocupação da gestão Dilma com o “ativo político” que, nas palavras do ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência, Moreira Franco, responsável por organizar o seminário, a classe média se tornou. “É uma questão político-administrativo para o governo”, afirmou o ministro, ao abrir o seminário.

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Fonte: Carta Maior