A perigosa instabilidade que de há muito caracteriza o quadro económico e financeiro do capitalismo conheceu nos últimos dias novos desenvolvimentos. Na União Europeia ainda mal tinha secado a tinta da Cimeira de 21 de Julho e já a ofensiva especulativa alastrava em força à Itália e à Espanha e novos pacotes de austeridade eram exigidos a estes e outros países da zona euro. Mas foi dos EUA que chegaram as notícias mais espectaculares com a desvalorização do seu rating pela influente S&P gerando pânico nas praças financeiras e precipitando complicadas movimentações no núcleo duro do sistema capitalista perante a ameaça de uma nova recessão na maior economia do mundo.

Confirma-se assim, sem surpresa, que os EUA constituem o principal factor de instabilidade e incerteza da situação internacional pelo que é necessário acompanhar de perto, para além da sua política externa agressiva, a evolução da sua situação e política interna, procurando discernir a realidade que se esconde por detrás de espessas cortinas de diversão ideológica e manipulação mediática. Vale por isso a pena determo-nos no «suspense» criado, ao longo de meses, em torno dos limites de endividamento dos EUA e da data limite de 2 de Agosto para que os dois ramos do «partido único» do grande capital norte-americano, o Partido Republicano (com maioria no Congresso) e o Partido Democrático (com maioria no Senado) se entendessem para uma vez mais aumentar esse limite e impedir uma bancarrota de imprevisíveis consequências.

Pode dizer-se que a dramatização deste tipo de situações é típica da fachada democrática do sistema capitalista. Na UE não há praticamente Cimeira que até ao último momento não esteja suspensa de algum acordo «decisivo». Só que neste caso pesaram elementos que – como as eleições presidenciais de 2012 e a influência do ultra reaccionário Tea Party no seio do Partido Republicano – poderiam ter criado uma dinâmica que ficasse fora de controle e deitasse tudo a perder. Foi dito que o compromisso a que finalmente se chegou não agradou a ninguém. Tanto o «democrata» Obama (que apareceu na cena política para lavar a imagem internacional dos EUA e alargar a base de apoio da classe dominante) como os líderes «republicanos» mais reaccionários e ambiciosos procuram salvar a face. A verdade porém é que, no mesmo registo do que se passa na UE a pretexto da crise das dívidas soberanas, quem triunfa em toda a linha é o capital financeiro e as grandes fortunas que não são minimamente beliscadas, e são os trabalhadores e as camadas populares que vão sofrer as consequências dos substanciais cortes da despesa pública. Krugman falou em «rendição» de Obama.

Mas mais importante do que saber se Obama se «rendeu» ou se se trata de um arranjo de cavalheiros que servem o mesmo senhor, é ter-se tornado evidente a crise profunda que percorre a economia e a sociedade norte-americanas: estagnação, desemprego em massa, aprofundamento das desigualdades sociais e raciais, alastramento da pobreza e sobretudo esse problema endémico que é o colossal endividamento de um país (superior a 14 milhões de milhões de dólares, cerca de 100% do PIB) que gasta em armas tanto como todos os outros e vive da espoliação dos trabalhadores e dos povos de todo o mundo. Ao ponto de Cristine Lagarde, a nova patroa do FMI, afirmar que «nenhum país pode ter um crescimento sustentável com tais desequilíbrios» ou, bem mais significativo, a China, o principal credor dos EUA, alertar para o perigo de desestabilização internacional que aquele endividamento comporta e a levantar o crucial problema da reforma do sistema monetário e da criação de uma nova divisa de reserva global, que ponha fim à hegemonia do dólar.

Coisa de que os EUA não querem nem ouvir falar mas que é incontornável.

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Fonte: jornal Avante!