A crise e os trabalhadores
A contradição entre capital e trabalho manifesta-se, entre outras formas, no fato de que em geral o capitalista e a ideologia de sua classe só enxergam a possibilidade de prosperidade econômica por meio do aumento incessante do grau de exploração dos trabalhadores. A experiência da Grande Depressão de 1929 demonstra essa constatação.
Em outubro daquele ano fatídico, pouco menos de um milhão de pessoas estavam desempregadas nos Estados Unidos. Em dezembro de 1931, mais de dez milhões estavam sem trabalho. Seis meses depois, o número de desempregados havia pulado para 13 milhões. No auge da Depressão, em março de 1933, 15 milhões de trabalhadores estavam desocupados.
Esse crescimento vertiginoso do desemprego levou a central sindical AFL-CIO a acelerar a campanha pela redução da jornada de trabalho, iniciada nos anos 20. Os dirigentes sindicais norte-americanos argumentavam, basicamente, que essa era uma forma para que todos pudessem ter emprego e poder aquisitivo suficiente para dinamizar a economia.
Dia de trabalho mais curto
O matemático e filósofo inglês Bertrand Russell defendeu a redução da jornada de trabalho com essa frase: "Não deveria haver oito horas diárias para alguns e zero para outros, mas quatro horas diárias para todos." Em julho de 1932, o Conselho Executivo da AFL, reunido em Atlantic City, redigiu um documento pedindo ao presidente da República, Herbert Hoover, uma conferência com líderes empresariais e sindicais para debater a necessidade de uma semana de trabalho de 30 horas. A idéia ganhou simpatia entre poucos empresários que, voluntariamente, cortaram a semana de trabalho para não demitir mais trabalhadores.
Uma das empresas que promoveram a redução da jornada foi a Kellog's. Em 1935, a empresa divulgou um estudo detalhado, mostrando que após cinco anos de semana de seis horas por dia o custo unitário das despesas operacionais fora reduzido em 25% (…), os acidentes reduzidos em 41% (…) e 39% mais pessoas do que em 1929 trabalhavam na Kellog's.
"Para nós, isso não é apenas teoria. Provamos isso com cinco anos de experiência concreta. Descobrimos que, com um dia de trabalho mais curto, a eficiência e o moral de nossos funcionários ficam tão elevados que os acidentes e as taxas de seguro declinaram. E com o custo unitário da produção tão reduzido podemos pagar por seis horas de trabalho o mesmo que costumávamos pagar por oito", diz o estudo.
Jornada semanal de 30 horas
Em dezembro de 1932, o senador Hugo Lafayette Black, do Estado do Alabama, apresentou um projeto de lei requerendo a semana de trabalho de 30 horas. O senador dirigiu-se à nação pelo rádio, conclamando os norte-americanos a apoiarem seu projeto — que, segundo suas previsões, se aprovado levaria à imediata readmissão de mais de 6,5 milhões de desempregados. Black disse ainda que esses empregos e suas rendas estimulariam a geração de milhões de novos assalariados.
O Senado aprovou o projeto no dia 6 de abril de 1933. Sua aprovação entusiasmou o país e estremeceu Wall Street. Enviado imediatamente para a Câmara dos Deputados, ele logo foi aprovado na Comissão do Trabalho e os trabalhadores norte-americanos imaginavam que estavam prestes a serem os primeiros do mundo a ter uma jornada semanal de 30 horas. Mas as horas do projeto estavam contadas.
O presidente Franklin Roosevelt, em conluio com líderes empresariais, imediatamente tomou providências para afundar a idéia. Roosevelt pediu à Comissão de Estudos da Câmara que acabasse com o projeto em troca da sua famosa "Lei de Recuperação da Indústria Nacional". O presidente alegou que a redução da jornada afetaria a capacidade dos Estados Unidos de "competir" internacionalmente.
O grande desafio
Já os empresários não viam com bons olhos uma legislação que institucionalizaria a semana de 30 horas. Mais tarde, em 1937, numa sessão especial no Congresso convocada para tratar do agravamento do desemprego, Roosevelt disse que estava arrependido por não ter apoiado o projeto. "O que o país realmente ganha se encorajarmos o empresariado a ampliar a capacidade de produção da indústria e se não fizermos nada para que os rendimentos da nossa população trabalhadora efetivamente aumentem para criar mercados e absorver a produção gerada?", indagou.
No pós-guerra, a intervenção do Estado na economia garantiu, em muitos países, um bom nível de empregabilidade — empregando diretamente ou irrigando a economia com recursos indiretos (obras públicas e indústria bélica, por exemplo). O Estado foi o agente de equilíbrio que absorveu o impacto das crises econômicas e da automação na iniciativa privada.
Com o Estado transformado em comitê de administração da ciranda financeira pelo neoliberalismo, os efeitos da longa crise iniciada em meados da década de 70 aparecem por toda parte — e o desemprego recorde é uma das suas manifestações mais cruéis. O cassino global, uma máquina predadora da economia real sempre esfomeada, dotou os Estados de uma parafernália que funciona dia e noite a serviço da especulação financeira. Enfrentá-lo é o grande desafio, principalmente para os trabalhadores, nos dias que correm.