O Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), órgão formado por representantes do governo federal, sociedade civil e empresariado, tentará articular um documento único com propostas à Rio+20 – conferência da ONU sobre desenvolvimento sustentável marcada para junho de 2012, no Rio de Janeiro.

Como parte dessa iniciativa, o Conselhão, como o CDES é mais conhecido, promoveu na terça-feira (30), em São Paulo, uma oficina com convidados a fim de levantar posições convergentes e divergentes entre os participantes do grupo.

“O Brasil tem uma oportunidade única de criar uma estratégia de desenvolvimento sustentável para o futuro e o conselho pode gerir essa visão comum, apesar de todas as diferenças entre seus membros”, disse Clemente Ganz Lucio, que, além de conselheiro, é diretor-técnico do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese).

Participaram do encontro, entre outros convidados, o economista e sociólogo Ignacy Sachs, diretor do Centro de Pesquisas do Brasil Contemporâneo na Escola de Altos Estudos de Ciências Sociais em Paris (França), e o presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Márcio Pochmann.

Modelo insustentável
Em sua exposição, Pochmann fez uma análise do atual padrão de desenvolvimento global, o urbano-industrial, classificado por ele como "insustentável". Segundo o economista, esse modelo, que suscedeu o da civilização agrária após a revolução industrial do século 18, depende de enorme consumo de energia, sobretudo de carvão, o que contribui para o aquecimento global.

Segundo ele, o debate sobre a sustentabilidade desse padrão surgiu justamente quando se avaliava a possibilidade de universalizá-lo, levando-o dos países ricos aos mais pobres. Para o presidente do Ipea, a impossibilidade dessa universalização já foi detectada há décadas pelos países ricos, por exemplo nas reuniões do Clube de Paris nos anos setenta.

A única saída, portanto, passaria a ser a perpetuação da desigualdade entre as nações. “Os países desenvolvidos sustentam 70% da dinâmica econômica mundial e os 37 mais ricos concentram a maior parte da renda”, disse. “Esse padrão só é sustentável se quisermos incluir nele apenas um terço da população mundial”.

Pochmann dimensionou ainda o papel das grandes corporações privadas globais nos rumos do planeta. Segundo ele, “somos cada vez mais governados por 500 grandes corporações, que já representam 47% do PIB mundial”. “Todo setor econômico tem quatro ou cinco grandes empresas que o dominam. Não são mais os países que têm empresas, mas as empresas que têm os países”, afirmou.

Segundo o economista, são essas grandes corporações que sustentam o atual modelo e impõem restrições na contrução democrática de políticas, ao financiarem de partidos a ONGs. “Elas aniquilam o espaço público. Estamos na mais grave crise mundial desde 1929 e a ONU não foi capaz de fazer nenhuma conferência para discutir o assunto”.

O presidente do Ipea lembrou que esse fenômeno também ocorre no Brasil. Hoje, a Petrobras já é responsável por gerar 12% do PIB nacional e, com a exploração do pré-sal, essa parcela pode chegar a 40%. A companhia ainda responde por 40% dos contratos de trabalho com engenheiros registrados no regime da CLT.

Propostas
Durante a oficina do Conselhão, Ignacy Sachs apresentou sugestões aos conselheiros para o debate na Rio+20. Defendeu que os governos devem voltar a fazer planejamento de longo prazo, com foco em duas questões-chave: pegada ecológica e geração de trabalho decente.

Com a pegada ecológica – conceito da ecologia que mensura o passivo ambiental gerado por determinada atividade –, o professor acredita que seria possível estimular cadeias produtivas mais sustentáveis. Com o trabalho decente, a dimensão social ganharia relevo em uma economia verde. “Esses dois conceito devem estar no centro de uma nova metodologia de planejamento”, disse ele.

Sachs defendeu ainda que é necessário criar um fundo de desenvolvimento sustentável para bancar as transformações nos países mais pobres. “Não tem jeito, para que as coisas aconteçam, elas precisam ser financiadas”, apontou.

Esse fundo, de acordo com sua proposta, poderia absorver recursos gerados por um imposto sobre o fluxo financeiro internacional, a taxa Tobin, e outro sobre o uso de carbono. Além disso, os países ricos deveriam destinar a ele 1% de seu PIB, patamar já discutido em diversos fóruns de desenvolvimento realizados nas últimas décadas.

Por fim, recursos poderiam vir de uma nova taxa cobrada pelo uso do ar e do mar por companhias de transporte. “Cada avião que decola pagaria um valor”, disse. “Depois poderíamos sofisticar essa proposta, isentando os países pobres desse pagamento”.

Ignacy Sachs ainda propôs alterações no sistema de cooperação técnica internacional. Segundo ele, os projetos de cooperação das agências multilaterais não devem ocorrer segundo a proximidade geográfica, mas conforme a semelhança de biomas.

Assim, o Brasil deveria se aproximar de nações que possuem biomas tropicais semelhantes ao Amazônico, como a Indonésia, em vez de focar projetos com seus vizinhos. “Quem tem trópico úmido precisa conversar com quem tem trópico úmido, quem tem semi-árido com quem tem semi-árido”, afirmou.

Sachs pediu ainda que o debate se afasta do pessimismo e do catastrofismo. “Não quero ser portador de uma mensagem ufanista, mas os limites podem ser afastados se usarmos conceitos da ciência moderna dos quais já dispomos”, concluiu.

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Fonte: Carta Maior