Verdade, fraternidade e Arte
Verdade, fraternidade e Arte
O Museu Lasar Segall, em São Paulo, inaugurou dia 20 de novembro uma exposição de obras de artistas representativos do Movimento Expressionista Alemão, uma forma de fazer arte contra o racionalismo burguês anti-humanista. Iniciado no final do século XIX, o Expressionismo Alemão alcançou todas as formas de arte, da música à literatura, do cinema às artes plásticas.
Após 1918, fim da primeira guerra mundial, multidões de alemães foram às ruas, como parte do movimento revolucionário Espartaquista, que derrubou o keiser Guilherme II e instalou uma república democrática. Inspirada na revolução russa de 1917, a revolução alemã era liderada pelos principais líderes do Partido Comunista Alemão Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht. Os comunistas conseguiram controlar a região da Baviera, mas a Revolução Espartaquista acabou sendo sufocada por grupos paramilitares de extrema-direita, os Freikorps, que assassinaram os dois líderes da Liga Espartaquista.
A República instaurada foi transferida para a cidade de Weimar, pois Berlim era um barril de pólvora e o clima naquela cidade beirava o caos. O desemprego era enorme, a fome rondava todas as casas e o medo de sair às ruas era muito grande. Era o período em que a serpente do nazismo estava se formando, como foi muito bem retratado no cinema pelo filme de Ingman Bergman, "O Ovo da Serpente". Eram tempos angustiantes.
Mas mesmo em meio a esse clima, esse foi um período de profunda efervescência cultural. Os artistas buscavam se organizar em movimentos, ligas e associações, com o objetivo de contribuir para uma renovação artística e para uma mudança dos valores da sociedade. Uma desses grupos de artistas ficou conhecido como Secessão de Dresden – Grupo 1919, que reúne artistas que mantinham o mesmo ideal de uma arte interiormente verdadeira e preocupada em expressar os problemas sociais daquele período.
O Estatuto do grupo, fundado em janeiro de 1919, destaca estas palavras de ordem: VERDADE, FRATERNIDADE e ARTE. Esses jovens revolucionários se autoproclamavam “O Futuro”. O grupo inicial foi formado por Peter August Böckstiegel, Otto Dix, Will Heckrott, Otto Lange, Constantin von Mitschke-Collande, Conrad Felixmüller, Otto Schubert, a escultora Gela Forster, o arquiteto e escritor Hugo Zehder, e o alemão que se mudou para o Brasil e teve grande influência no movimento modernista brasileiro, Lasar Segall.
Esse artistas valorizavam muito as artes gráficas, com destaque para a xilogravura e sua função como panfleto de propaganda de suas ideias. Esse Grupo 1919 teve publicações como Menschen (Homens) e Neue Blätter für Kunst und Dichtung (Novas folhas para arte e literatura), onde suas obras são reproduzidas e onde são publicados ensaios críticos sobre arte, sobre cultura e sociedade. Também editaram o álbum com doze gravuras exibidas nesta mostra do Museu Lasar Segall, e promoveram exposições até mesmo de artistas convidados, como Lyonel Feininger, Eugen Hoffmann, George Grosz e Kurt Schwitters, que também estão nesta exposição em São Paulo.
Mas esse grupo também estava aberto à interlocução com artistas de outros países, como o austríaco Egon Schiele e o russo Marc Chagall. Também usavam como referência e estudo obras e idéias de artistas como Max Pechstein, Karl Schmidt-Rottluff, Paul Klee, Wassily Kandinsky e Käthe Kollwitz, a grande gravadora alemã (leia artigo neste Blog). Todos estão nesta mostra do Museu Lasar Segall.
A lista dos artistas dessa exposição dá uma ideia da importância desse evento artístico: Chaim Soutine, Constantin Von Mitschke-Collande, Egon Schiele, Eugen Hoffmann, George Grosz, Karl Schmidt-Rottluff, Kurt Schwitters, Lyonel Feininger, Marc Chagall, Max Beckmann, Max Pechstein, Otto Dix, Otto Lange, Paul Klee, Peter August Böckstiegel, Walter Jacob, Will Heckrott, além de Lasar Segall e Käthe Kollwitz.
O Expressionismo foi um movimento cultural de vanguarda que cresceu em tempos sórdidos na Alemanha pré-nazista. Suas imagens deformadas eram uma expressão da realidade dura que atingia física e subjetivamente o ser humano daquele país naquele período. Deu primazia à expressão dos sentimentos do artista, muito mais do que à descrição objetiva da realidade, como o protesto mais profundo da alma do artista contra uma sociedade que se arruinava. Não havia como idealizar a realidade, pois a fome, a doença, o desemprego e o abandono dominava a vida do povo. Era uma espécie de realismo às avessas, uma vez que diante de realidade tão cruel a visão se tornava áspera, distorcida, agoniada.
As cores das telas eram violentas e a temática era solidão e miséria. O Expressionismo refletia a amargura que se espalhava entre artistas e intelectuais da Alemanha pré-Primeira Guerra e entre-guerras. A arte produzida por eles mostrava um desejo enorme de transformar a vida, de encontrar novos espaços para a expressão artística. Era uma forma trágica de ver um mundo que desmoronava com as guerras imperialistas. Era de fato um movimento que simbolizava o grito de alma do povo e dos artistas e intelectuais alemães. Esse grito que já tinha começado a se expressar no famoso quadro visionário de Edward Munch, O Grito, pintado em 1893. Munch também foi influenciado pelas idéias do dramaturgo norueguês Henrik Ibsen, que considerava a arte como uma forma de luta em defesa dos anseios sociais.
Esta importante exposição, portanto, reflete um pouco de todo um período muito rico da história recente da humanidade. Com curadoria de Vera d’Horta, ela estará aberta ao público até o dia 20 de fevereiro de 2011, no Museu Lasar Segall, na Rua Berta, 111, Vila Mariana. A entrada é franca.
"Mazé Leite é artista plástica, designer gráfica, bacharel em Letras-USP, pesquisadora de História da Arte, membro do Atelier de Arte Realista de Mauricio Takiguthi e da Coordenação Nacional de Cultura do Comitê Central do PCdoB."