Recursos Públicos: de onde vêm e de onde não vêm
Para tanto, é necessário que o Estado seja forte, isto é, seja bem aparelhado, com pessoal suficiente e de elevada qualidade técnica, possua equipamentos de alta tecnologia e estabeleça regras que facilitem a utilização do seu aparato de inteligência e arrecadação. Também deve possuir legislação que evite que grandes riquezas e as maiores rendas possam se evadir do país legal ou ilegalmente com o objetivo de se eximir de seu dever contributivo.
Um sistema tributário socialmente justo é aquele que possibilita, também, reduzir as desigualdades de riqueza/renda que são socialmente inaceitáveis, assim como possibilita ao Estado oferecer um sistema de gastos públicos que promova a igualdade de acesso e oportunidades.
No Brasil, se por um lado, os programas sociais de transferência de renda, o pagamento de benefícios da Previdência Social pública, a política de valorização real do salário mínimo e a geração de empregos têm tido um caráter fortemente distributivo; por outro, o sistema tributário brasileiro é injusto e regressivo. Em outras palavras, boa parte do gasto público é distributivo; já o sistema tributário sacrifica mais os “de abaixo” e alivia “os de cima”.
Uma análise da carga tributária por base de incidência revela a estrutura concentradora do sistema tributário brasileiro. Segundo dados da Receita Federal, mais que 47% da carga tributária advêm do “consumo”. E menos que 5% advêm de “transações financeiras” e da “propriedade”. E, da “renda”? Tem-se menos que 20% do total arrecadado. (ver abaixo)
CARGA TRIBUTÁRIA POR BASE DE INCIDÊNCIA, ANO 2009
Tipo de Base…………Participação Relativa na Carga Tributária Total (%)
Consumo……………………………………….47,36
Renda…………………………………………..19,88
Folha de salários…………………………….26,05
Propriedade e Transações Financeiras… 4,91
Fonte: Ministério da Fazenda; Receita Federal.
O imposto sobre o “consumo” é injusto porque trata os diferentes como se fossem iguais. Um bem de consumo adquirido por um rico ou por um pobre possui a mesma carga monetária de impostos. Logo, o esforço tributário do rico para pagar o imposto contido no seu ato de consumo é infinitamente menor que o esforço despendido pelo pobre para realizar o mesmo ato. Veja-se como uma cartilha intitulada “A progressividade na tributação brasileira: por maior justiça tributária e fiscal”(de 2011) lançada pelo Ipea, Dieese e Sindifisco sintetizam o problema:
“Quando um trabalhador assalariado, que ganha um salário mínimo, compra um pãozinho, ele paga os impostos indiretos que estão embutidos no preço do produto. O patrão dele, cuja renda é muito maior, também vai pagar o mesmo imposto! Com a agravante que o trabalhador gasta todo o salário com o consumo dos bens e serviços necessários à sobrevivência – pagando impostos em cada um deles; enquanto o patrão ainda tem dinheiro para investir em diversas modalidades financeiras com tributação baixa, ou mesmo isentas de impostos!”
Cidadãos somente são diferenciados em termos da renda que auferem e do patrimônio que acumularam quando pagam impostos sobre a “renda”, a “propriedade” e as “transações financeiras” que realizam – é exatamente o que não acontece no Brasil. Uma comparação internacional é ilustrativa da injustiça brasileira. Segunda a OCDE, nos Estados Unidos, Suiça e Canadá mais que 50% da carga tributária advêm dos impostos sobre a “renda” e a “propriedade”. No Brasil, a soma da arrecadação sobre a “renda”, a “propriedade” e as “transações financeiras” não ultrapassa 25% do total. Nesses mesmos países, o imposto sobre o “consumo” não alcança sequer 20% da arrecadação total.
É dito que a carga tributária no Brasil é alta e que “é preciso reduzi-la!”. Já inventaram até o impostômetro. Mas, deveriam ter inventado, também, o impostômetro dos pobres [e o jurômetro dos ricos? – para indicar quanto os ricos recebem de juros do Governo – algum milionário quer financiar essa invenção?]. A carga tributária brasileira está em torno de 35% do PIB. É verdade, a carga tributária brasileira não é baixa quando comparada com a carga de países em desenvolvimento. É uma carga assemelhada a dos países desenvolvidos. Entretanto, cabe uma análise mais precisa sobre a distribuição da carga tributária.
Estudo realizado pelo Ipea intitulado “Equidade fiscal no Brasil: impactos distributivos da tributação e do gasto social” (de maio de 2011) mostrou que a carga tributária das famílias mais pobres do Brasil é de 32% da sua renda; enquanto, a carga tributária das famílias mais ricas é de 21%. Os mais pobres pagam (desses 32%) 28% de impostos indiretos quando adquirem bens ou pagam por serviços. Os mais ricos pagam em impostos apenas 10% da sua renda para comprar mercadorias ou contratar serviços.
Para finalizar, valem a pena ser destacados os seguintes pontos (aliás, esquecidos por aqueles que bradam contra a cobrança de impostos no Brasil):
(a) No ano de 2010, do total da receita federal de R$ 826.065 milhões, o Imposto Territorial Rural (ITR) contribuiu com R$ 536 milhões, ou seja, 0,07% do total;
(b) O Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCD), ou seja, o imposto sobre heranças, cobra alíquotas em torno de 4%; nos países desenvolvidos, pode chegar a 40%;
(c) Lanchas, jatinhos e helicópteros são isentos de pagamento de impostos; um carro popular usado paga anualmente Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA).
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Professor-Doutor do Instituto de Economia do Rio de Janeiro.
Fonte: Carta Maior