Fim do Mundo
Fim do Mundo
Saudades do Fim do Mundo
lá é o lugar onde o vento faz a curva
do horizonte Ponto Certo do país do sonho
onde tudo começou na estória geral
bairrozinho bucólico do curro municipal
sem rival
na Vila Itaguari: aliás Ponta de Pedras
antes e depois da revolução de 30…
Torrão natal transformado em metáforas
da varja e açaizal do Curralpanema
pedra por pedra, pau por pau,
ripas e pernamancas, tábuas e telhados
canoas igarités à vela, montarias a remo
que viram páginas encantadas
vila que nem vila era, Vilarana
igarapé jitinho que virou rio.
rio que virou mar doce desconforme…
A lição cabal do Fim do Mundo
perdura ao ver chegar pelo rio
canoa de gado do vento
animal brabo pegado a laço no campo
uma única vez na vida e na morte
espetáculo número um da pirralhada
de Vilarana
semana sim, semana não
carne verde da manducação municipal,
variando com peixe e camarão
caldo e pirão da população de baixa extração
na maré cheia rua e rio à mesma altura
barco boieiro amarrado na ilharga do curro
urro de boi brabo arrancado do pasto pelo estropo
Içado a bordo botando fogo pelas ventas
Cascos mal tocavam a terra
levantava poeira face à fúria do miúra
molecada pernas pra que te quero
fugia da beira da cerca do curro
marrada de touro brabo fazia terremoto…
Urubus de longe urubuservando:
Cá te espero meu valentão,
Certo dos despojos da tourada
Magarefe amolando gume de faca na pedra da fome
Dias de sede e jejum faziam carneirinhos
Daqueles bichos marcados para morrer
Já não tem valentia,
Já não tem espetáculo,
Já não tem maré cheia,
Sete vacas gordas vezes sete vacas magras…
Uma criancinha com dó podia
Estender um fiapo de capim
E a rês vinha pegar à mão, docemente…
O bicho não sabia que seu dia era hoje
Saia do curro para o talho no mercado
aos quilos e gritos do açougueiro
cachorros disputando nacos,
fogão aceso na cozinha, comida à mesa
mais tarde virava boi-bumbá
seu olho de vidro espiava
a vila que nem vila era
sob luzes de fogueiras,
o fantasma do boi selado morava na encantaria
Vilarana dormia
a sesta eterna do Fim do Mundo.
José Varella, Belém-PA (1937), autor dos ensaios "Novíssima Viagem Filosófica", "Amazônia Latina e a terra sem mal" e "Breve história da amazônia marajoara".
autor dos ensaios "Novíssima Viagem Filosófica" e "Amazônia latina e a terra sem mal", blog http://gentemarajoara.blogspot.com