“Em lugar dessas reformas parciais, que se sucederam, na sua quase totalidade, na estreiteza crônica de tentativas empíricas, o nosso programa concretiza uma nova política educacional, que nos preparará, por etapas, a grande reforma, em que palpitará, com o ritmo acelerado dos organismos novos, o músculo central da estrutura política e social da nação”
Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, 1932

Como parte de seu programa de estudos e pesquisas, a Fundação Maurício Grabois tem realizado e apoiado – sozinha ou em parceria com outras instituições – uma série de conferências, seminários e debates, como forma de reunir subsídios e sistematizar informações capazes de municiar a militância comunista com uma compreensão mais aprofundada sobre os grandes temas da atualidade. Entre esses temas ganha relevo, no debate político atual, a questão das reformas estruturais democráticas, componente basilar de um novo projeto de desenvolvimento para nosso país.

Em meio às reformas democráticas enumeradas no novo programa socialista do PCdoB, figura com destaque a reforma do sistema educacional. Os comunistas sempre viram na educação um fator estratégico para o desenvolvimento do país. O Partido luta, desde sua fundação, pela educação pública e laica, democrática e de qualidade. Mesmo no sistema capitalista injusto em que vivemos, pensamos ser possível promover mudanças nas estruturas do ensino. Acreditamos que o avanço da luta e das conquistas democráticas do povo brasileiro pode abrir caminho para um projeto avançado também na área de educação.

Infelizmente, apesar de seu caráter estratégico, durante muitos séculos o ensino foi deixado de lado, pois nunca interessou para a elite dominante um povo consciente e capaz de pensar de moto próprio. Essa visão aprofundou-se ainda mais durante os anos neoliberais. Os governos Collor e FHC promoveram um verdadeiro desmonte da educação pública e de qualidade, com a redução dos investimentos e a privatização do ensino. Centraram tudo na ampliação do acesso, e mesmo nisso os resultados ficaram muito aquém das necessidades. A qualidade da educação foi simplesmente deixada de lado. Quando muito se tentaram truques e passes de mágica, como no caso do governo tucano de SP, com suas progressões “continuadas” que só serviram para maquiar dados de evasão e repetência, dissimulando a falta de investimentos.

Diante de tais descalabros, a população brasileira acordou. Não é fácil para a imensa maioria do povo deixar os filhos todo dia na escola e perceber que, após anos de estudo, mal aprenderam a ler, escrever e fazer contas. Mesmo setores das elites empresariais passaram a demonstrar preocupação, pois, com a baixa qualidade da educação pública, também as corporações perdem em produtividade e competitividade.

O clamor pela melhoria da educação se tornou ainda mais forte com a retomada do crescimento econômico e a ampliação das janelas de mobilidade social durante os dois governos de Lula. Para a imensa massa do povo ficou ainda mais clara a possibilidade de ascensão social por meio da educação. Ao mesmo tempo, bastou a economia crescer um pouco mais para surgirem inúmeros gargalos relacionados à formação de mão de obra, principalmente nas diversas áreas das engenharias. O tema emerge, é claro, também, pela força da luta, do trabalho sedimentado de sucessivas gerações que se dedicaram em múltiplos planos à defesa da educação e, ainda, pelo elevado papel da esquerda na vida política brasileira e o fortalecimento dos movimentos sociais. Por tudo isso, o debate sobre a educação se tornou permanente e cresceu de importância na agenda política nacional.

Essa realidade é propícia à construção de uma grande mobilização nacional, que materialize um pacto pela educação. Esse pacto – consubstanciado em um amplo movimento pela transformação das condições de ensino – deve assumir a forma de uma coalizão que, partindo dos setores diretamente envolvidos com a educação, envolva também o conjunto dos movimentos sociais, a base social e política do atual governo e alcance, por fim, o Estado, os partidos e o conjunto da sociedade. Vivemos um momento favorável, de maior abertura e diálogo democrático. Nesse contexto é possível definir consensos e ações comuns, materializando um projeto de Estado para a educação enraizado na sociedade e capaz de atravessar sucessivos governos.

As bases desse projeto foram debatidas, ao longo do ano de 2010, por diversas entidades e movimentos sociais e políticos, muitos deles influenciados por lideranças comunistas. Na Conferência Nacional de Educação (Conae), essas entidades e movimentos delinearam propostas capazes de contribuir para conquistas concretas no setor educacional.

No final do ano passado, o governo Lula, após consulta democrática à população brasileira por meio da Conae, enviou ao Congresso Nacional o novo Plano Nacional de Educação (PNE). Contando com inúmeras diretrizes positivas acompanhadas de estratégias de execução, o novo PNE deve ser visto como um importante primeiro passo no rumo de uma reforma mais abrangente da educação.

A grande virtude dos governos Lula e Dilma tem sido a de trazer o debate educacional para o centro da agenda política do país. A tentativa de fixar metas para escolas e redes de ensino é algo positivo, na medida em que contribui para a otimização dos recursos e favorece o controle social sobre a qualidade do ensino. Também deve ser louvado o notável processo de reestruturação e expansão dos ensinos técnico, tecnológico e superior. Por trás desses avanços há um importante pressuposto: a alteração da lógica, dominante até pouco tempo no poder público, da escolha entre investir no ensino básico ou no superior. O PNE contém de forma implícita a concepção de que é preciso cuidar de todos os níveis da educação – da creche à pós-graduação -, até porque eles se reforçam mutuamente.

Na política educacional brasileira, planos e programas/ações sempre careceram de conexão entre si. Por isso é necessário articular melhor as diversas ações de proposição, materialização e planejamento de políticas. Assim, deve ser saudada no PNE a articulação com instrumentos como o Plano Nacional de Pós-Graduação (PNPG) e o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec). Igualmente louvável é o dispositivo que obriga à elaboração de planos estaduais e municipais em todo o país, sem o que ficam na prática comprometidas as metas e prioridades estabelecidas.

Apesar dos avanços, contudo, é necessário destacar que o novo PNE ainda contém inúmeras lacunas e problemas. Hoje nosso país investe apenas 5% do PIB em educação, menos que a média dos países da OCDE (os quais não possuem a dívida social e educacional que nós possuímos). A estratégia de ampliação dos investimentos em educação contida no PNE é ainda muito tímida, sendo previsto o alcance do patamar de 7% do PIB. É preciso lutar desde já pela elevação dos desembolsos até o patamar de 10% do PIB. O desafio é demonstrar que a bandeira dos 10% é viável. A manifestação da UNE e UBES em Brasília no dia 31 de agosto último, data da reunião do Copom, foi bastante pedagógica nesse sentido. Uma das fontes é a redução dos juros. Nos últimos 16 anos, a despesa com juros representou 7,38% do PIB , enquanto no mundo a média girou em torno de 1,8%. Nos últimos 12 meses até julho atingiu R$ 225 bilhões. A razão disso: o país ostenta por anos a fio a taxa de juros mais alta do Planeta. Daí a importância da redução 0,5 da taxa Selic naquele 31 de agosto. Outra fonte possível é a destinação, para a educação, de parte substancial dos recursos arrecadados com a exploração do pré-sal.

A par da ampliação dos investimentos, um dos mais eficazes caminhos para a superação das atuais estruturas educacionais iníquas é a efetiva construção de um Sistema Nacional de Educação, capaz de centralizar a oferta pública do ensino de qualidade por meio de um regime de colaboração entre as três esferas da União. Uma estrutura como essa, pautada pelo funcionamento solidário, criaria as condições necessárias para a disseminação de políticas comprometidas com um projeto educacional transformador, com financiamento público robusto e contínuo, boas condições de acesso, permanência e aprendizado, gestão democrática, avaliação ampla e multilateral, valorização dos profissionais da educação e controle social do ensino privado.

Em nosso país, a descentralização da educação está assentada sobre bases sistêmicas frágeis. E, infelizmente, o PNE ainda possui como quadro de referência a atual estrutura do sistema educacional, marcada pelo elevado grau de autonomia das esferas da Federação e por uma descentralização muitas vezes predatória das políticas educacionais. Sem sombra de dúvida, o Fundeb e a instituição do Piso Salarial Nacional representaram importantes iniciativas no rumo de uma política de articulação dos entes federados e da descentralização sadia do sistema educacional. Todavia, o PNE precisa avançar mais nesse ponto.

Ainda hoje, em nosso país, a rede particular de ensino não é objeto de controle rigoroso por parte do governo. Por isso pensamos que, além da progressiva ampliação do ensino público, gratuito e de qualidade, a regulamentação e instituição de controles sociais sobre o ensino pago – de forma a evitar abusos – é uma das principais tarefas da luta por uma nova educação.

No mesmo sentido, nenhuma reforma educacional digna desse nome terá qualquer chance de êxito se não encarar com seriedade o problema do magistério. Uma escola efetivamente transformadora vai precisar de professores com boa formação e valorizados em suas condições de trabalho. Por isso formação e valorização dos profissionais da educação são elementos indissociáveis de qualquer política que tenha como foco a elevação da qualidade do ensino.

Como podemos perceber através dessas questões, e também de outras que poderíamos aqui enumerar, ainda estamos muito distantes da educação que desejamos. No capitalismo, com suas agudas contradições de classe, o sistema educacional possui uma dualidade de base: há o ensino para trabalhadores manuais e o ensino para “pensadores”, filhos das elites. Essa dualidade, em última instância, só pode ser abolida com o fim das classes e a construção de uma sociedade radicalmente transformada. Isso equivale a dizer que, em última instância, a efetiva democratização da educação só é possível com a efetiva democratização da sociedade. Por isso os comunistas, mais que por reformas democráticas, lutam por uma grande transformação das estruturas educacionais, como parte de seu projeto de transformação radical da sociedade.

O país que queremos deve ter, como uma de suas principais bases de apoio, uma educação democrática e progressista, crítica e cidadã. Uma educação capaz de promover sólida formação cultural e ética, com base nas ciências e nas humanidades. Uma educação que estimule a reflexão, a criatividade, a curiosidade e o trabalho. Uma educação transformadora em seus conteúdos e em seus métodos, que garanta competência não apenas técnica, mas também social, situando os alunos na sociedade e relacionando-os à vivência em comunidade e ao trabalho. Uma educação, enfim, apta a contribuir com o desenvolvimento sócio-econômico e plenamente comprometida com a construção de um país mais justo, soberano e democrático.

Desejamos a todos um bom seminário, e que ele contribua para lançar novas luzes sobre essa luta de caráter estratégico.

____________

Presidente da Fundação Maurício Grabois

Leia também:

PCdoB debate rumos da educação

http://grabois.org.br/portal/noticia.php?id_sessao=7&id_noticia=6831