1. Como era mais que previsível, o décimo aniversário do atentado terrorista que destruiu as Twin Towers de Nova Iorque foi lembrado intensamente pelos media de todo o Ocidente e, naturalmente, pela televisão portuguesa. Nem sequer há a mínima razão para uma eventual estranheza perante esse facto: que nos Estados Unidos a comoção perante a memória da tragédia se tenha reflectido nos seus órgãos de comunicação social está obviamente na ordem natural das coisas; que os países que estão com os States a todo o momento e em tudo, até no que não deveriam estar, compartilhem essa mágoa é perfeitamente natural. Menos natural e seguramente menos inocente é que a data de 11 de Setembro seja recordada apenas relativamente ao ano de 2001 e não também quanto a 1973 e ao golpe que Pinochet protagonizou no Chile por conta e ordem de Washington. Esta omissão total ou quase total é de facto um crime por cumplicidade que se repete todos os anos e que é preciso registar mesmo que já não nos surpreenda, porque a infâmia não prescreve. Quanto ao atentado de Nova Iorque, justifica-se que se reitere o lamento e a rejeição. Acrescentando-se o desejo de que não tenham razão as vozes, muitas delas impressionantemente apoiadas em argumentos e documentação, que rejeitam a explicação oficial para a tragédia e acusam serviços secretos USA de terem planeado o atentado para dele poderem os Estados Unidos partir, «justificados», para campanhas militares na zona petrolífera do Médio Oriente. Esse teria sido um acto de uma repugnância imensa, capaz de reduzir a uma comparativa pequenez o incêndio de Roma a mandado de Nero e o incêndio do Reichtag pelos nazis para justificar a perseguição de cristãos e de comunistas, respectivamente.

2. Acontece, porém, que este boom mediático acerca do 11 de Setembro de 2001 surgiu em larga medida acompanhado de uma reflexão generalizada: a de que em consequência do atentado «o mundo mudou», ensinamento este que a TV portuguesa divulgou com algum aparente empenho. É certo que o mundo mudou depois de Setembro de 2001, aliás em rigor muda todos os dias embora a diferentes velocidades. Pensando bem, o mundo terá mudado mais em consequência da derrota da URSS na «guerra fria» e os media são pouco discursivos acerca disso. De qualquer modo, aceitando que a mudança desencadeada pelo 11 de Setembro, ou ao abrigo dele, é de rara e radical importância, muito importará decerto averiguar se a mudança havida foi para melhor ou para pior. Muito directamente na linha das consequências do atentado, as populações do Iraque e do Afeganistão sabem que para elas o mundo está pior ainda que já não estivesse muito bom antes de 2001. Mas outras mudanças, não tão dramaticamente espectaculares quanto as consubstanciadas pelas guerras desencadeadas por Washington mas de modo nenhum irrelevantes, é preciso assinalar. De Setembro de 2001 para cá, a hegemonia militar/económica/financeira dos Estados Unidos acentuou-se em todo o planeta graças ao aparente reforço do capitalismo neoliberal expandindo-se com o alibi de uma globalização posta ao seu serviço, mas em consequência dessa expansão há mais fomes, exploração mais intensa e asfixiante, os povos estão mais afundados na miséria até mesmo nos Estados Unidos. Paralelamente, a própria engrenagem capitalista segregou a crise financeira e económica que acentua contradições e animosidades no interior do próprio capitalismo (o caso da Europa e da atitude alemã é exemplaríssimo disso), torna mais evidente e cruel a exploração das classes trabalhadoras e ameaça a sobrevivência do próprio sistema.

3. Por tudo isto, e isto decerto não é tudo, o «mundo mudado» posterior a Setembro é pior, mais desumano e mais perigoso. É preciso entender, porém, que a insistência na «mudança» por parte da grande comunicação social ao serviço de quem bem se sabe tem um objectivo: o de acusar de obsoleto, e por isso recusar, o grande movimento em direcção de sociedades justas que vem de longe no tempo, do fundo dos séculos, e ganhou uma força específica a partir do século XIX quando os trabalhadores sobreexplorados se ergueram e organizaram. Ao dizerem que «o mundo mudou», os arautos de uma suposta modernidade tentam dizer-nos que acabou o projecto de sociedades verdadeiramente humanizadas. Mas como na verdade o mundo está em mudança, como aliás sempre, e piorou desde aquele dia de Setembro, torna-se evidente que o que é preciso é inflecti-lo na direcção certa.

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Fonte: ODiario.info