A viagem para a morte da zona euro
É possível estar, ao mesmo tempo, aterrorizado e entediado? É como me sinto em relação às negociações em curso sobre a maneira de responder à crise económica na Europa e suspeito que outros observadores partilhem este sentimento.
Por um lado, a situação europeia é muito, muito assustadora: com um conjunto de países que representam um terço da economia da zona euro sob ataque especulativo, a própria existência da moeda única está a ser ameaçada – e o colapso do euro pode causar enormes estragos em todo o mundo.
Por outro lado, os decisores políticos europeus parecem preparados para nos darem mais do mesmo. Provavelmente, encontrarão uma maneira de concederem mais crédito aos países em dificuldades, o que pode ou não evitar o desastre iminente. Mas não parecem dispostos a reconhecer um facto crucial – a saber, sem políticas financeiras e monetárias mais expansionistas dos países mais fortes da Europa, todas as tentativas de resgate estão condenadas a falhar.
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Então, e agora? A resposta da Europa [à crise económica e financeira e à falta de confiança dos investidores nas obrigações de dívida pública das nações periféricas] tem sido exigir mais austeridade financeira, especialmente cortes drásticos nas despesas públicas dos devedores problemáticos, enquanto lhes fornece financiamento paliativo, enquanto a confiança dos investidores privados não regressa. Poderá esta estratégia funcionar?
Não para a Grécia, que nos anos bons foi financeiramente perdulária e deve mais do que plausivelmente pode pagar. Provavelmente não para a Irlanda e para Portugal que, por diferentes razões também têm pesadas dívidas. Mas, dado uma conjuntura externa favorável – especificamente, uma economia europeia globalmente forte e com taxas de inflação moderadas – a Espanha, que até agora tem uma dívida relativamente baixa, e a Itália, que tem uma dívida alta mas, surpreendentemente, deficits pequenos, conseguirão salvar-se assim.
Infelizmente, os decisores europeus parecem determinados a negarem a esses devedores o ambiente de que precisam.
Pense nisso deste modo: a procura privada nos países devedores caiu com o fim do boom da dívida financiada. Entretanto, as despesas do setor público estão a ser drasticamente reduzidas pelos programas de austeridade. Então, de onde podem vir os empregos e o crescimento? A resposta tem de ser as exportações, sobretudo para outros países europeus.
Mas as exportações não podem crescer se os países credores também estiverem a implementar políticas de austeridade, que muito provavelmente empurrarão a Europa novamente para a recessão.
Além disso, os países devedores precisam de cortar preços e custos relativamente aos países credores, como a Alemanha, o que não seria muito difícil se a Alemanha tivesse uma taxa de inflação de 3 ou 4%, permitindo que os devedores ganhassem terreno tendo, simplesmente, uma taxa de inflação mais baixa ou até mesmo zero. Mas o Banco Central Europeu tem uma predisposição deflacionária – cometeu um enorme erro em 2008 ao aumentar as taxas de juro numa altura em que a crise financeira se agravava e mostrou não ter aprendido nada ao repetir o mesmo erro este ano.
Como resultado, o mercado agora espera uma inflação baixa na Alemanha – cerca de 1% nos próximos cinco anos – o que implica uma deflação significativa nos países devedores. O que fará com que as suas quedas sejam maiores e mais alto o peso real das suas dívidas, o que garante mais ou menos o falhanço de todos os esforços de resgate.
E não vejo nenhum sinal de que as elites políticas europeias estejam prontas para repensar o seu estrito dogma de dinheiro-e-austeridade.
Parte do problema pode dever-se ao facto de essas elites políticas terem uma memória histórica seletiva. Adoram falar sobre a inflação alemã do início da década de 1920 – uma história que, tal como aconteceu, não tem qualquer influência na situação atual. No entanto, nunca falam num exemplo muito mais relevante: as políticas de Heinrich Brüning, o chanceler alemão entre 1930 e 1932, cuja insistência no equilíbrio orçamental e na preservação do padrão-ouro fez com que a Grande Depressão fosse mais sentida na Europa do que no resto da Europa – palco daquilo que nós sabemos.
Não espero que nada de tão grave aconteça na Europa do século XXI. Mas existe um grande fosso entre aquilo de que o euro precisa para sobreviver e aquilo que os líderes europeus estão dispostos a fazer, ou até mesmo a falarem sobre fazer. E, por causa desse fosso, é difícil encontrar razões de otimismo.
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Fonte: The New York Times, no Press Europ