O indiscutível predomínio da economia norte-americana apareceu de forma monolítica logo após a 1ª. Guerra Mundial. E como aconteceu isso? A tendência dos Estados Unidos levado a cabo através da absorção do ouro mundial, como pagamento dos empréstimos de guerra e meios financeiros para bancar a reconstrução da Europa, além do fato que a instabilidade econômica das principais nações industrializadas daquele continente tornava difícil o restabelecimento do padrão-ouro, que exigia a estabilidade do valor da moeda: se o ouro era constantemente transferido para os Estados Unidos, havia uma tendência permanente à queda dos preços nestas nações, que desestimulava os investimentos e a recuperação industrial.

O observador imparcial constatará que estas dificuldades se agravaram ainda mais com a crise de 1929 e a Depressão dos anos 30. Foi neste período, marcado pela instabilidade geral dos preços e da produção, que se tornou impraticável que a adoção de uma referência única e universal para o câmbio das moedas nacionais, de modo que o comércio internacional passou a se realizar através de acordo bi-laterais.

Passados outros vinte anos, sob os escombros e as ruínas geradas na 2ª. Guerra Mundial, boa parte dos países beligerantes contraiu pesadas dívidas com os Estados Unidos, o que deu aos bancos e ao sistema financeiro deste país um papel central na ordem econômica que emergiria depois da guerra. Ademais, o produto nacional norte-americano passou a ter um peso enorme dentro da produção mundial. Esta nova situação exigia que se reorganizasse a estrutura do comércio e das finanças internacionais sobre bases diferentes das de antes da Guerra, realizando-se para isso a famosa Conferência de Bretton Woods, em julho de 1944. Mas, a gênese das desigualdades brutais bem poderia ter ali seu nascedouro: ao invés de estabelecer um sistema mais internacional, arejado, e amplo que o anterior, contudo, a Conferência preocupou-se excessivamente em resguardar a "soberania nacional" dos países participantes, talvez pelo receio do predomínio dos Estados Unidos na economia mundial. O medo do predomínio consolidou o próprio predomínio norte-americano.

A história vem nos mostrar que este predomínio não apenas se manteve, como até mostrou rápido crescimento através do foi respeito quase sacro pela autonomia nacional em assuntos econômicos. Naquele tempo já deveria ter se percebido que o nacionalismo é um daqueles “falsos deuses” aos quais multidões de deserdados da Terra são chamados a prestar contínua reverência, mesmo que o que possa ser apresentado como oferenda não passe da fome e da miséria interrompendo abruptamente o futuro de milhões de seres humanos. Não podemos deixar de dar destaque às legítimas preocupações de alguns dos protagonistas de Bretton Woods, dentre os quais, se sobressai o economista inglês John M. Keynes. Este e outros detectaram claramente o perigo que uma organização excessivamente nacionalista da economia mundial poderia representar no futuro.

Por isso que Keynes sugeriu por que se criasse um dinheiro internacional, chamado "bancor", que seria distribuído por um Banco Mundial aos Bancos nacionais conforme as necessidades e o fluxo do comércio e do crédito internacional, sem favorecer nenhuma nação em particular. Portanto, há quase setenta anos Keynes entregava de bandeja a única solução possível para retardar ou até mesmo deter a corrida da Europa para seu declínio econômico, declínio em uma área há muito endeusada por dar sustento à sua insustentável – vê-se hoje – cultura materialista.

Keynes perdeu. E em Bretton Woods outra proposta foi aprovada: aceitava-se a criação do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional, mas a distribuição dos recursos de financiamento seria feita de acordo com a contribuição de cada país, e não conforme suas necessidades, o que limitava muito a transferência de capital para os países em desenvolvimento fora do âmbito do sistema financeiro privado dos Estados Unidos; além disso, o dólar norte-americano passava a substituir o ouro como padrão internacional do valor das demais moedas nacionais. Dando origem ao imperialismo econômico estadunidense, as autoridades dos Estados Unidos se comprometiam a manter uma relação fixa entre o dólar e o valor do ouro, de modo que os negócios internacionais teriam uma referência estável no valor daquela moeda. Faltava a bola de cristal que arriscasse responder ao mundo à pergunta incontornável: Por quanto tempo?

Estava claro que a solução de Bretton Woods contornava o problema da tendência americana a absorver o ouro mundial, pois os demais países não precisariam manter estoques deste metal como antes. Mas ficava assegurada a hegemonia econômica dos Estados Unidos, na medida em que o volume do comércio e do crédito mundial dependia da disponibilidade de dólares, dependia do preço deste dinheiro, isto é, da taxa de juros do sistema financeiro americano. Como armadilha a funcionar no futuro, os investimentos na recuperação das nações afetadas pela guerra ou no desenvolvimento dos países menos industrializados não corresponderiam às necessidades destes, mas à rentabilidade que eles proporcionassem ao capital que os realizou. A Ordem econômica do período pós-guerra, portanto, tendia a conservar a situação de predomínio dos países industrializados, sem resolver o grave problema que a desigualdade econômica entre as nações colocava para suas relações comerciais e financeiras, decretando de antemão as poucas nações que seriam ricas e as muitas condenadas à pobreza, quando não à miséria absoluta.

Além disso, as décadas seguintes veriam a confirmação das previsões de Keynes quanto às dificuldades que surgiriam com o uso do dólar como dinheiro mundial. Já a partir do início dos anos 1960, a recuperação econômica do Japão e da Europa Ocidental faz diminuir o peso relativo da América do Norte na economia mundial e as torna fortes competidores no mercado internacional.

O surgimento de novos concorrentes entre as nações industrializadas criou basicamente dois problemas para o sistema instituído em Bretton Woods. Primeiro, foi a necessidade que mesmo os países desenvolvidos tiveram de resguardar seu mercado interno das importações estrangeiras mais baratas, através da imposição de taxas alfandegárias. Esta prática "protecionista", que aumentou nos últimos anos, contraria fundamentalmente o princípio de liberdade para o comércio internacional defendido pelo Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT). E, agora em 2011, as práticas das então prósperas economias são largamente utilizadas pela China: mão de obra barata, produção em grande escala de qualquer produto, de um simples guarda-chuva até o mais espetacular telescópio de que se tem notícia na atualidade. Em certo sentido, os BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) aparecem no cenário como aquelas nações que dominaram economicamente as três últimas décadas do século XX: Estados Unidos, Japão, Alemanha, Inglaterra, França e Itália.

O segundo problema surgiu em 1971 quando o governo dos Estados Unidos abandona o ouro como referência do valor do dólar. É a quebra da espinha dorsal dos acordos assumidos por esse país em Bretton Woods. O resumo da história pode ser facilmente apreendida ante as evidências de que a competição internacional só poderia ser enfrentada pelos Estados Unidos com a maior emissão de sua moeda a fim de sustentar um volume maior de investimentos no exterior; mas a referência ao ouro limitava esta emissão, porque se a quantidade de dólares crescesse mais que a de ouro, a moeda se desvalorizaria e a emissão adicional seria inútil. A estrutura competitiva da economia mundial forçava cada nação a se defender contra as demais, e a posição central do dólar como moeda internacional passou a comprometer a valorização e a competitividade do produto norte-americano.

Acontece, porém, que a conversibilidade do dólar em ouro era fundamental para o funcionamento do sistema de Bretton Woods, pois a variação repentina do valor da moeda internacional “desorientava” o movimento mundial de riquezas, baseado na permanência dos valores intercambiados entre diferentes países. A continuação do uso do dólar como moeda internacional depois de 1971 iniciou um período de flutuação no valor relativo das outras moedas, no qual as valorizações e desvalorizações se determinam em função de fatores que antes tinham importância absolutamente secundária.

O contato comercial entre as nações em diferentes regiões e a diversidade das condições naturais em cada uma estimulou a especialização da sua produção tornou-se fato corriqueiro, fazendo que deixassem gradativamente de produzir aqueles bens que poderiam obter mais facilmente através das importações de outros países. O movimento internacional de riqueza na forma de mercadorias ou de metais preciosos contribuiu, assim, para uma crescente interdependência das várias economias nacionais em contato, ao mesmo tempo em que fornecia os meios para a constante expansão do comércio, com a incorporação de regiões antes inacessíveis ao mercado mundial.

Talvez um dos fenômenos mais notáveis da história mundial nos últimos séculos seja o desenvolvimento do comércio em escala mundial, através da expansão dos mercados e da gigantesca ampliação da capacidade produtiva de certos países que, criando mercadorias em crescente proporção, forçou o ininterrupto crescimento dos mercados consumidores. Mas esta expansão somente foi possível dentro do quadro institucional do "estado nacional" surgindo a partir do colapso da economia medieval.

E quando o “estado nacional” mostra inequívocos sinais de falência? Como se nos dissesse secamente “Já deu”, o quadro institucional mostra-se espantosamente inadequado para tratar com um mínimo de justiça as nações e suas peculiaridades econômicas, sociais e políticas. Agora vemos o verdadeiro teste para o que chamamos de União Européia: haverá coesão legítima e duradoura entre os países? Os nacionalismos arraigados, mal-disfarçados entre alemães e franceses, espanhóis e portugueses, gregos e turcos, ingleses e o resto do continente, poderão ser colocados à margem no momento em que se debatem com crise de tão formidáveis proporções? Uma coisa é a união em torno da riqueza e outra, bastante diferente, é a união em tempos de pobreza. E agora são os tempos de pobreza. Os tempos em que se colherão os frutos de economias baseadas quase que unicamente no consumo pelo consumo, na compra a preço vil de matérias primas para serem revendidas por preços exorbitantes. E também já apresenta-se como um “vazio gritante” a falta de novas guerras que sempre azeitam economias colapsadas, dando-lhes em troca alguns anos mais de sobrevida.

O fato é que a economia mundial foi adquirindo, assim, seu aspecto mais sombrio e desumano: um sistema de relações entre distintas unidades políticas, no qual falta a homogeneidade institucional que cada unidade mantém dentro de seu território, onde cada um protege o que é seu, valoriza apenas o que produz, resguarda suas riquezas naturais, mesmo que tais riquezas estejam de tal forma mescladas que não se pode em sã consciência afirmar que isso preserva o mesmo valor de antes de seu contato com o primado da “interdependência econômica”. A história de várias formas pelas quais passou este sistema de relações internacionais revela os sucessivos arranjos através dos quais realidades institucionais diferentes e independentes se dispuseram para compor uma ordem. Mas a preservação desta independência de cada unidade nacional dentro dos sistemas econômicos mundiais, até hoje, tem sido justamente o elemento que os fragiliza e conduz à sua crise e superação. E assim temos uma ordem lamentavelmente defeituosa, onde o objetivo comum não é o bem-estar do ser humano, independente de sua nacionalidade, e sim, e tão somente, acumular riquezas de origem espúria, contaminadas pelo uso em escala de mão-de-obra “praticamente escrava”, de trabalhadores que, por medo de perder seus empregos, aceitam perder nacos substanciais de sua dignidade humana.

Entendo os dias que correm como sinalizadores dos primórdios de um cataclismo mundial, desenfreando forças que estão perturbando tão gravemente o equilíbrio social, religioso, político e econômica de uma sociedade organizada, levando ao caos e à confusão os sistemas políticos, as doutrinas raciais, os conceitos sociais, os padrões culturais, as associações religiosas e relações comerciais. E é no presente pantanal de interesses mesquinhos e questionáveis em uma perspectiva humanista e moral que se busca fincar os alicerces da construção de um novo ordenamento mundial.

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Washington Araújo é jornalista e escritor. Mestre em Comunicação pela UNB, tem livros sobre mídia, direitos humanos e ética publicados no Brasil, Argentina, Espanha, México. Tem o blog http://www.cidadaodomundo.org Email – [email protected]

Fonte: Carta Maior