Poesia concisa, precisa
Poesia concisa, precisa
Adalto Alves
Joaquim Pedro Barbosa, 50, escreve haicais. O que é raro. No dia 30 de agosto, ele esteve em Goiânia para lançar Caderno Dois pela Editora Kelps. O nome do livro é uma prova concreta da ironia que permeia os versos curtos de Joaquim Pedro. Caderno Dois, para começo de conversa, é o segundo livro do autor mineiro. O primeiro, Caderno Verde: Haicais e Outros Menos, é de 2006. Caderno dois ou segundo caderno é o modo de tratamento dos suplementos de cultura dos jornais brasileiros. O detalhe da máquina de escrever estampado na capa, reprodução de um quadro de Rossana Jardim, ajuda a ligar os pontos com um pouco mais de humor, beleza e leveza.
O humor é mais uma senha para os haicais de Joaquim Pedro. Mas, antes, o que vem a ser haicai? Basicamente, poesia curta, com três versos. Tradicionalmente, poesia criada no Japão para cantar as variações da natureza. A disciplina ordena a contagem das sílabas: cinco no primeiro verso, sete no segundo e mais cinco no terceiro. Joaquim Pedro não segue a orientação ao pé da letra. “Meus haicais são abrasileirados”, diz ele, por telefone, de sua cidade natal, Prata, no Triângulo Mineiro.
Haicai que se preze, por exemplo, não tem título. A não ser o título de poesia concentrada, concisa, não necessariamente literal. Para usar uma imagem cara aos japoneses, digamos que o haicai é uma fecha que, uma vez disparada, vai direto ao ponto e atinge o alvo através de curvas. O maior representante do haicai, Matsuo Bashô, viveu no século 17 e dedicou a vida a esta forma de arte. Ele morreu em 1694 com a idade de Joaquim Pedro. No leito de morte, despediu-se com um haicai: “Doente da viagem,/ meus sonhos perambulam/ pelo campo seco”. No Brasil, Paulo Leminski é o poeta mais conhecido pela sua produção de haicais.
“Millôr Fernandes escreveu haicais diversos para a revista Veja. Mário Quintana era um mestre na poesia curta”, lembra Joaquim Pedro. “Alice Ruiz, que foi casada com Leminski, concentra sua poesia em haicais.” Joaquim Pedro salienta que não fica restrito aos temas da natureza. Fala, muitas vezes, de haicais em seus haicais, num gesto de metalinguagem. E captura o voo da frase no papel estendendo-a por quatro versos ou simplificando a mensagem em uma única palavra. Como “Neolojismo”. O que parece um erro de português sintetiza a tradução do termo. “Pela norma, está errado. Mas é uma palavra nova”, discorre Joaquim Pedro.
Ele sinaliza que a leitura do haicai tem que ser vertical. Ao contrário do fluxo textual da literatura ou do jornalismo, que é horizontal. Até mesmo pela disposição das palavras na página, que remete a certa influência concretista. Vide as experiências contemporâneas de Arnaldo Antunes. “O olhar tem que se deter na palavra. É preciso ler com atenção. Caso contrário, fica a impressão que a gente não quis dizer nada.” Como na singela homenagem ao Cerrado: “Deus escreve certo/ por lenhas tortas”. O olhar avoado não provoca a brisa do entendimento.
Joaquim Pedro não foi ensinado a escrever haicais. “Você lê e começa a escrever”, anuncia. Professor de Geografia na rede estadual de Minas Gerais, ele acredita em dom, no aperfeiçoamento do mesmo e nos acidentes sentimentais. “Os melhores haicais são espontâneos. Mesmo os que merecem lapidação. Aqueles, cerebrais, que demoram a surgir, não são tão eficazes.” Às vezes, ele se admira da maneira como nascem os versos. “Rápido como um raio,/ o haicai/ cheio de luz” Mas Joaquim Pedro afirma que perdeu a ansiedade e não fica assuntando o tempo atrás de inspiração. A distância entre os livros, cinco anos, rendeu-lhe, por outro tanto, o espasmo da mudança, a ideia de que o poema nunca está pronto e tem que ser, no máximo, abandonado para ser publicado.
Os livros são independentes e, com as intempéries que assolam o cenário literário brasileiro, os haicais de Joaquim Pedro são pouco divulgados e conhecidos. “Eles vão abrir seus caminhos, naturalmente.” O trabalho acaba rendendo solidão. “Poesia é o que menos se lê e, dentro da poesia, ninguém lê haicai.” As facilidades virtuais dispersam a visão que pula entre as janelas do texto no computador e deixa de procurar significados ocultos nas entrelinhas do papel. Mas Joaquim Pedro não pensa em mudar de formato ou em fazer outra loucura com as letras. Assim como Manoel de Barros, ele quer seguir reinventando as palavras e as coisas. “Na lembrança,/ a cor do Fusca/ que vivia dando branco” Entre o Movimento Poetrix, que propõe o mínimo como sendo o máximo, e o caráter sedutor e sugestivo dos slogans publicitários, ele singra os mares das metáforas, contradições, trocadilhos e antíteses na tentativa de sugerir leituras em camadas de brincadeiras e cumplicidades.
Nada mal para quem se dedicou à política no fim do regime militar, com tendências ao socialismo, começou o curso de Geografia na Universidade Federal de Goiás/ Campus Catalão para terminá-lo na Universidade Federal de Uberlândia e, entre Carlos Drummond e Maiakovski, descobriu o haicai no livro escrito por um engenheiro que trabalhava com ele no ramo da mineração. Isso é que é atingir o coração da poesia dando voltas. Como diria Leminski, “Distraídos,/ Venceremos
Fonte: jornal O Hoje (Goiânia): http://www.ohoje.com.br/home