Neymar e as duas lágrimas

Na última quarta feira à noite assisti ao jogo entre as seleções de futebol do Brasil e da Argentina. Os cartolas das duas seleções, num momento de rara felicidade, reeditaram a antiga Copa Roca, que tanto furor e mitos criaram por duas décadas, após as quais cessaram, posto que os melhores jogadores dos dois países revoassem para a Europa, Ásia e Leste europeu. Bateu uma saudade de quando eu tinha dezenove anos de idade; e isso faz muito tempo, quando em partidas memoráveis, a seleção brasileira se apresentava e nosso prognóstico era apenas saber de quanto íamos ganhar. Lá, na cancha, Pelé, Garrincha, Nilton e Djalma Santos (nem eram irmãos, nem eram da mesma etnia, mas eram craques); davam o show que os franceses batizaram em 1958 de “os reis do futebol”.

É verdade que o Brasil, até 1958 era considerado pelos europeus e americanos do norte, um país pobre, ignorante, sem nenhum prestígio. Que bom que o futebol tenha conseguido dar um pouco de patriotismo par ao povo, cujo comportamento indolente, relapso e preguiçoso eram creditados à herança étnica dos índios brasucas. Mas, na quarta feira o povo de Belém do Pará deu mostras de que a alegria e o patriotismo do “país de chuteiras”, como disse o Nelson Rodrigues certa vez. Como é praxe nas atividades esportivas, em jogos internacionais, tocam-se os hinos dos dois países e por tradição, primeiro é a vez do visitante, depois o do time da casa. E quando a gravação do Hino Nacional Brasileiro terminou, ainda sem completar a primeira parte de Nosso Hino, a torcida paraense, continuou entoando o Hino, num coral de quarenta e cinco mil vozes. Notei que os jogadores da Argentina mostraram-se surpresos e os nossos jogadores ficaram embargados de emoção. A TV Globo mostrou na tela o jogador Neymar chorando!

Incrível, depois de todas as macaquices que na penúltima Copa do Mundo, os jogadores que atuavam fora do Brasil, ricos senhores que se mostravam muito à vontade diante das câmeras da “Vênus Platinada do Jardim Botânico” e muito pouco esforçada dentro do campo. Lembro que na copa da Coréia/Japão, atletas como Ronaldo Fenômeno, Roberto Carlos e Robinho, ficavam acordados até as oito horas da noite (no Brasil)-oito da manhã lá, para dar entrevista ao Jornal Nacional. Depois, quero crer, não tinham disposição de treinar. Daí, quando chegava a hora do jogo: nada!

Creio não haver necessidade de falar de todas as qualidades futebolísticas de Neymar; seus dribles desconcertantes, sua maturidade ainda que cedo, que muitas vezes prefere fazer o passe a arriscar um chute sem ângulo para tal. E a vontade, aquela vontade que sobra nos jogadores argentinos, uruguaios e paraguaios e que nos faltava. Quando o Lucas correu oitenta e seis metros em doze segundos para marcar o primeiro gol brasileiro, eu disse a mim mesmo: – a seleção brasileira ainda tem salvação: tem esse Lucas e tem o Neymar. É o domínio técnico da bola de futebol, esférica como planeta que vivemos (para alguns craques a esfera da bola também é achatada nos pólos…); que transforma simples mortais em gênios. A repetição cria o mestre. Assim como também, o esforço para ser o melhor em qualquer atividade pode criar calos nas mãos, marcas no corpo e na alma. Assim como cria vícios, acomodamentos e dores. Porque há momentos em que o artista, e o Neymar é um artista; necessita se recriar, rolar de novo a pedra montanha acima, tal como fizera Sísifo no Olimpo. Recomeçar. Nunca mais do zero, pois a experiência anterior joga a seu favor.

Neste Brasil, país querido dos trópicos, ainda bem que a vida não se resume ao futebol, nem à tensão masoquista pós-moderna. Ainda resiste entre nós o trabalho lento e metódico, de bordadeiras, de rendeiras, de artesãos, de poetas, de escritores, de cineastas, de pescadores solitários lançando suas redes e de agricultores silenciosos lavrando a terra e lançando sementes ao solo. Existem os meninos da periferia, que vêem no futebol a única maneira de saírem das condições de vida pobre que vivem. Existem rapazes e moças que estudam à noite, custeando seus próprios estudos, num país que, por inversão de valores, os ricos estudam de graça nas faculdades e os pobres pagam por elas. E existem os músicos. Para se chegar ao virtuosismo, o trabalho diário do violonista, sentado horas e horas diante da partitura, violão abraçado ao peito, dedilhando acordes fáceis e complexos, num ritual sagrado de repetição em busca da perfeição, do domínio absoluto do instrumento, do seu violão que vai tocar aquela sonata que irá enlevar a alma dos que o irão ouvir…

Cansei de ver na televisão, até em intervalos de jogos, o Neymar treinando novos dribles, que inclusive eram também executados pelo Robinho, quando ele era pobre, simples e craque; quase tão bom quanto o Neymar. Mas, Neymar chora ao ouvir os paraenses cantarem o Hino Nacional; não me lembro de atitude semelhante, com exceção de Pelé, mas ai vai um interregno de cinqüenta anos. E Pelé é incomparável. Não estou comparando os dois.

Que bom, Neymar, que você ainda que pouco mais que um adolescente, tenha esse orgulho de jogar pelo seu país! E coadjuvado por outros rapazes, também jovens, como o Lucas, Danilo, Cortez, Ganso e outros menos famosos, ainda respeitam o sentimento do povo brasileiro, tão bem demonstrado pelo povo de Belém do Pará. Espero, Neymar, que esse amor pela seleção brasileira não esmaeça quando estiver jogando na Espanha ou Itália, porque isso seria uma consternação para mim. Que o bom Deus te conserve assim.

Suas duas lágrimas me comoveram. Neymar nós, brasileiros, nos orgulhamos de você!

   Antônio Carlos Affonso dos Santos – ACAS. É natural de Cravinhos-SP. É Físico, poeta e contista. Tem textos publicados em 7 livros, sendo 4 “solos e entre eles, o Pequeno Dicionário de Caipirês e o livro infantil “A Sementinha” além de três outros publicados em antologias junto a outros escritores.