Wladimir Pomar fala sobre a luta armada
Buonicore – Dois acontecimentos parecem ter radicalizado as posições no interior do PCB em torno da necessidade da luta armada: o desenvolvimento da revolução cubana e a tentativa de golpe contra a posse de Jango em 1961. A carta dos 100, por exemplo, surge em meio desta crise política. Penso que sem isso dificilmente haveria a cisão e a reorganização de 1962. Essa percepção estaria correta?
Pomar – É preciso ir mais atrás. A radicalização dentro do PCB explode em 1956, em torno das teses do caminho pacífico, expostas por Krushov no 20º. Congresso de Partido Comunista da União Soviética (PCUS). Elas foram importadas para o Brasil no momento em que aqui ocorria um novo surto de crescimento econômico, de forte penetração do capital estrangeiro e de fortalecimento econômico e político da burguesia.
Eu defendo a tese de que caímos numa armadilha, ao transformar a questão do caminho armado, ou da violência revolucionária, no centro da formulação estratégica, deixando de lado a discussão da análise de classes no Brasil, das forças e dos interesses fundamentais e do programa a ser adotado para enfrentar a nova disposição estratégica de forças. Nós impusemos uma discussão que só poderia ser resolvida no processo prático da luta de classes, e ficamos relativamente isolados, deixando que a discussão sobre as verdadeiras questões estratégicas fossem conduzidas pela direita do partido.
Assim, quando ocorreu a revolução cubana, de 1959, e a tentativa contra Jango, em 1961, a discussão em torno da luta armada já era intensa. O paradoxal é que esses acontecimentos pareceram dar razão à esquerda do partido, mas esta já havia perdido a batalha do debate estratégico. A Carta dos 100, tendo como alvo principal o Manifesto Programa de 1957, que formalizava a guinada do partido para a direita, foi apenas a expressão do direito de espernear, que serviu de pretexto para sermos expulsos.
Nessas condições, a cisão era inevitável. Da mesma forma que a fragmentação do PCB se tornou inevitável nos anos posteriores a 1964, porque o golpe militar foi também um golpe profundo na política direitista da maioria do partido. Ao naufragarem todas as ilusões, num contexto em que o direito de divergência era sempre considerado como um ato de fração ou de secessão, a fragmentação tornou-se uma tendência mortal. A questão do direito de divergência sempre foi um dos principais fatores de divisões e cisões no PCB. Na biografia do Pedro Pomar procurei dar um quadro histórico disso. Talvez este fator tenha contribuído mais para a cisão, do que o resto.
Buonicore – Você sabe como se deu o convite dos cubanos para visitar a ilha durante as comemorações de 1º de Maio de 1962? Houve alguma discussão sobre preparação de guerrilheiros quando Amazonas e Grabois estiveram na ilha?
Pomar – O convite veio no bojo das atividades para publicar no Brasil os livros do Fidel e do Che. Mas a coisa não avançou muito por causa das relações dos cubanos com os soviéticos e com o próprio PCB. Além disso, a essa altura os cubanos já estavam empenhados na difusão da teoria do foco, que embora tivesse adeptos no PCdoB, também enfrentava resistências fortes. Nessas condições, se houve alguma discussão sobre a preparação de guerrilheiros na ilha, isso talvez tenha ficado restrito à comissão executiva e jamais foi colocada no Comitê Central ou no grupo da 5ª. Tarefa. Além disso, não prosperou à medida que os cubanos se distanciaram do PCdoB e vive-versa.
Buonicore – Quando foi definida a opção pela luta armada como principal meio para substituição do regime e, de fato, se iniciaram os preparativos para realizá-la?
Pomar – Na prática, a opção e os preparativos para realizar a luta armada tiveram início logo após a reorganização, embora ainda houvesse muita dispersão e também discussão sobre o assunto. Internamente, nós tínhamos quem defendia focos urbanos, focos rurais, guerra popular, insurreição urbana e insurreição rural. Havia também um debate mais profundo sobre a necessidade de ter base política como condição preliminar ou de começar a luta armada como condição para desenvolver a luta política. Num primeiro momento, acabou sendo definido que a luta pela construção partidária seria a 1ª. Tarefa, enquanto a preparação da luta armada foi colocada como 5ª. Tarefa.
Buonicore – Quando foi formado o grupo especial destinado a preparar a luta armada ou a 5ª tarefa? Quem fazia parte dele?
Pomar – O grupo especial para preparar a luta armada foi constituído em 1963. Dele faziam parte o Pomar, Arroyo, Danielli, Dyneas e Wladimir. Porém, já no início de 1964, ocorreram mudanças nessa composição, tendo em vista a ida do Grabois chefiando o primeiro grupo de futuros guerrilheiros para treinamento na China. Na prática, a comissão executiva assumiu a centralização da 5ª. Tarefa, e os membros do grupo que não faziam parte dela passaram a tratar apenas das áreas sobre as quais tinham responsabilidade, embora de vez em quando se reunissem com os membros da executiva.
Buonicore – O grupo encarregado da 5ª tarefa também estudava as experiências revolucionárias brasileiras do passado? Como era isso?
Pomar – Isso era feito de forma dispersa e não como plano organizado, embora houvesse muita troca de informações. As experiências dos Cabanos (Pará e Alagoas), Balaios (Maranhão e Piauí), Canudos (Bahia), Contestado (Paraná-Santa Catarina), Pau de Colher (Ceará), Porecatu (Paraná) e Trombas-Formoso (Goiás) foram as mais estudadas. Havia muito interesse, também, pelas experiências cubana, vietnamita e chinesa, sobre as quais havia alguma literatura no Brasil.
Buonicore – Quando ou em qual documento foi definido que a luta armada seria a 5ª tarefa? Não encontrei nenhuma referência sobre isso. No documento “União dos patriotas” (1966), por exemplo, a “propaganda e preparação da luta armada” estão em sétimo lugar entre as tarefas elencadas.
Pomar – A definição da preparação da luta armada como 5ª Tarefa não fazia parte de qualquer documento. Ela vinha sendo tocada como uma decisão interna e secreta da comissão executiva, sem levar muito em conta o que o conjunto do partido pensava a respeito. No processo de elaboração do documento para a conferência nacional de 1966, vieram à tona tanto as concepções que queriam partir imediatamente para atos revolucionários (que desembocaram na organização da Ala Vermelha logo após a conferência), quanto as que achavam que o partido deveria ter uma tática ampla na luta contra a ditadura (propostas de assembléia constituinte, união dos patriotas etc.), criar uma base política sólida nas cidades e nos campos, dar atenção à classe operária industrial etc. Nessas condições, a propaganda e preparação da luta armada foi elencada em 7º lugar, o que foi lido, pelos que queriam luta armada já, como um abandono da tarefa.
Buonicore – Como foi a discussão no interior do Partido? Alguém se posicionou contra o início da preparação da luta armada? Qual era a opinião majoritária no interior do Partido?
Pomar – A maioria do partido achava que não havia outro caminho para derrotar a ditadura. As divergências não residiam aí. As divergências eram múltiplas. A primeira e que causou a o primeiro racha sério foi sobre começar imediatamente ou preparar-se mais. Começar imediatamente era o mesmo que disputar com as diversas facções que haviam rachado o PCB depois do golpe de 1964 a primazia das ações armadas urbanas, incluindo assaltos a bancos, assaltos a quartéis para a apreensão de armas etc. Havia um senso comum entre os adeptos dessas correntes de que a situação política estava madura para a luta armada e quem saísse primeiro assumiria a hegemonia. Embora a saída da Ala Vermelha tenha resolvido a divergência em torno de sair ou não imediatamente, isso não superou a idéia de que a situação estava madura. A maioria continuava achando que a situação estava madura, mas que era preciso preparar-se melhor. Esse preparar-se melhor dividia-se entre os que achavam que era preciso concentrar no campo e os que achavam que se devia dar atenção prioritária também à classe operária e às massas urbanas. Também dividia-se entre os que achavam que a preparação prioritária era a militar e os que achavam que o preliminar era construir organizações partidárias fortes e ligadas às massas. Ou seja, fazer a preparação política como prioritária. Dividia-se ainda entre os que achavam que o cenário geográfico jogava papel fundamental (florestas e serras) e os que achavam que o cenário social é que devia receber tratamento prioritário. Talvez essas fossem as divergências principais. Posso falar delas de cátedra porque até 1968 eu comungava a idéia de que o campo, a preparação militar e o cenário geográfico eram prioridades. Só mudei de opinião quando participei da luta concreta dos posseiros no norte de Goiás e me dei conta de que essas concepções se chocavam contra a realidade.
Buonicore – Você conheceu Calil Chade e Walter Martins? Você sabe porque eles se afastaram do Partido depois do golpe?
Pomar – Conheci o Calil Chade desde 1954. Ele era um dos principais dirigentes do PCB em São Paulo e se tornou depois membro da executiva nacional. Participou da Carta dos 100 e do processo de reorganização do PCdoB. Em 1964, antes do golpe, ele já estava doente e a prisão dele abalou ainda mais seu estado de saúde. Ele também achava que a linha prática de preparação armada não era a mais correta e isso deve ter contribuído, junto com a doença, para ele se afastar.
Buonicore – Num artigo recente você afirmou que os primeiros treinamentos militares com militantes do PCdoB no Rio de Janeiro ocorreram ainda em 1962, na serra do Mendanha. Do que consistiam esses treinamentos? Quais militantes participavam deles e quem era o comandante do grupo?
Pomar – Os treinamentos podem ser catalogados como “sobrevivência na selva”. Dos que participaram lembro-me apenas do italianinho, que morreu no Araguaia (Líbero Giancarlo Castiglia) e do Anaximandro Rattes, que foi preso comigo na Bahia (Iaçu), logo depois do golpe, em 1964, e depois de afastou. Os demais, que somavam uns 8 conosco, não recordo os nomes.
Buonicore – Você também se referiu a uma primeira tentativa de implantação do PCdoB no campo. Ela teria ocorrido em Itaberaba e Iaçu na Chapada Diamantina (Bahia). Isso foi antes do golpe militar? Como se deu esse processo? Quem dele participou e por qual razão foi desarticulado?
Pomar – Eu trabalhei como engenheiro da GE na implantação das locomotivas diesel-elétricas na Leste Brasileira, entre 1962 e 1964. O depósito (isto é, as oficinas de manutenção e reparo) dessas locomotivas era localizado em Iaçu, um entroncamento da ferrovia às margens do Rio Paraguaçu, não muito longe de Itaberaba. Iaçu também não ficava longe da Chapada Diamantina, que começamos a estudar como um dos possíveis cenários favoráveis. Em vista disso, foi deslocado para lá o Sebastião (esqueço o sobrenome), um técnico eletricista que havia militado comigo na CSN-Volta Redonda, o Osvaldo Costa (Osvaldão) e o Italianinho (Libero Giancarlo Castiglia). O Sebastião ficou em Iaçu, mas o Osvaldo e o Italianinho foram para um sítio nas encostas da Chapada. Um grupo do partido em Salvador (uns 5) também começou a ser preparado para participar desse processo de implantação no interior. Isso não teve prosseguimento porque o Osvaldo e o Italianinho (Libero Giancarlo Castiglia) foram convocados para a preparação na China e porque a executiva decidiu que a região não era favorável.
Buonicore – Logo após o golpe militar, você fala da tentativa de resistência ocorrida naquela região. Conte um pouco como foi esse episódio?
Pomar. Na verdade, nós tentamos organizar uma resistência contra o golpe militar, mobilizando ferroviários e deslocando alguns companheiros de Salvador. No processo de mobilização, o engenheiro da Leste responsável pelas oficinas nos denunciou à polícia, que conseguiu prender o pessoal que estava se deslocando de Salvador. Alguns de nós nos refugiamos num morro próximo, em plena caatinga, e chegamos a trocar tiros com os destacamentos da Polícia Militar. Quando soubemos das quedas, tentamos realizar uma retirada, mas acabamos sendo presos ao tentar obter alimentos e água.
Buonicore – Logo após o golpe militar, um grupo de comunistas no Rio Grande do Sul rompe com o partido, aderiu ao brizolismo radicalizado e partiu para a luta armada. Uns participaram da intentona do Coronel Cardim e outros de Caparaó. Entre esses militantes estavam Adamastor Bonilha, que havia sido eleito para o Comitê Central em 1962, Gregório Mendonça, Paulo Mello. Você sabe alguma coisa sobre essas cisões gaúchas? Ocorreram em outros lugar naqueles primeiros anos?
Pomar – A essa altura, as informações já eram muito estanques, a maior parte ficando no âmbito da Comissão Executiva. Portanto, tirando o que veio a público posteriormente, não teria outras informações a respeito. A única dúvida é o nome Paulo Mello, que parece ter ido para o Araguaia.
Buonicore – Quando e como surgiu a proposta da ida de um grupo de comunistas brasileiros para um curso político-militar na China no final de março de 1964? Como foi definido os nomes? Em algum momento chegou a ser cogitado seu nome, como membro da comissão responsável pela 5ª tarefa?
Pomar – As decisões ocorreram no âmbito da Comissão Executiva e nunca perguntei se meu nome foi cogitado. De qualquer modo, não teria tido condições de ir, porque tinha uma vida legal e profissional que me permitia ser mais útil aqui.
Buonicore – Por que os treinamentos terminam abruptamente em 1966 com a terceira turma? Teve algo a ver com o racha e as prisões do pessoal da Ala Vermelha? Coincidentemente, depois desse ano, seria o pessoal da AP que passaria fazer o mesmo curso na China.
Pomar – A essa altura, as decisões haviam se concentrado ainda mais na Comissão Executiva. Quanto a mim, estava num dispositivo em Goiás, do qual participavam o Orlando Momente e outro que tinha feito curso na China, e já tinha virado uma pedra no sapato, começando a questionar o que considerava tendências militaristas. Num quadro como esse, a maior parte das informações já não passavam por mim.
Buonicore – O que você sabe sobre a participação do PCdoB no movimento dos sargentos em 1963? Dynéas, que estava lá, afirmou que apenas o Partido, embora pequeno, participou ativamente e, inclusive, mobilizou os ex-integrantes da Ligas Camponesas de Goiás.
Pomar – A informação do Dynéas é correta, mas não tenho os detalhes.
Buonicore – Um fato pouco conhecido foi o assalto ao tiro de guerra de Anápolis, ocorrido em 15 de novembro de 1964. Ele ocorreu em plena crise que levaria a destituição do governador Mauro Borges. Várias pessoas afirmaram que Ângelo Arroyo comandou a ação. O fato é que essa atividade, na época, na foi relacionada com o PCdoB. O que você sabe desse episódio? Foi discutido no Comitê Central ou foi uma atitude isolada de Arroyo?
Pomar – Essa decisão não foi adotada no Comitê Central, nem discutida posteriormente. Mas não acredito que o Arroyo tenha tomado uma atitude isolada. O Arroyo era extremamente disciplinado e não tinha o hábito de tomar decisões sem consultar um coletivo. A decisão pode ter sido da Comissão Executiva, ou de uma parte dela. De qualquer modo, em 1966, durante as quedas em Uruaçu, tivemos que ir buscar essas armas naquela região e levar para Santa Terezinha do Crixás. Foram mais de 30 horas de jeep, sem dormir, por estradas vicinais e pontilhões de toras. Inesquecível. Foi a primeira vez na vida que me vi, no raiar do dia, frente a frente com uma ema enorme de uma agilidade indescritível.
Buonicore – Quando foi assumida definitivamente as teses chinesas da guerra popular prolongada? Houve resistências internas a essa tese? Alguém defendia a via cubana?
Pomar – Eu conto isso em detalhes na biografia do Pedro. Em tese, ninguém mais defendia a via cubana. Em tese, também, ninguém defendia as teses chinesas, mas apenas a utilização de alguns princípios das guerras populares chinesa e vietnamita. Em teses, as cidades deveriam jogar um papel fundamental no processo da “nossa” guerra popular. O problema foi a prática, o critério decisivo da verdade.
Buonicore – Você chegou a participar do processo de incorporação do pessoal do Comitê Regional dos Marítimos (1965) ou do pessoal da maioria revolucionária da Guanabara? Como foram esses processos?
Pomar – Não, não participei do processo. Apenas participei das discussões a respeito no CC. Na ocasião me coloquei contra a incorporação do Jover Telles na Comissão Executiva, por que tinha tido conhecimento da discussão dele com os chineses a respeito das relações destes com o PCdoB. Mas perdi, lógico.
Buonicore – Em 1965, Vitória Grabóis e seu marido Gilberto Olimpio Maria foram para município de Guiratinga, próximo de Rondonópolis no oeste de Mato Grosso. Antes do final do ano foram, desmobilizaram e voltaram para São Paulo. Você soube desse fato?
Pomar – É possível que isso tenha ocorrido em 1965, mas não foi do meu conhecimento. Mas tarde, já em 1966-67, soube que eles haviam sido enviados para a região de Estreito-Imperatriz (na época, Goiás e Maranhão), já no curso de localização no entorno do sul do Pará. Depois, só tive notícias do Gilberto já como membro da comissão militar da região do Araguaia.
Buonicore – No mesmo ano, em 1965, pelo menos dois grupos de comunistas foram enviados ao interior de Goiás. Um ficou em Santa Teresinha e outro em Uruaçu. Você estava no primeiro grupo. Qual era o objetivo dessa operação? Quem estava com você na região? O que você sabe sobre Tagore Maia?
Pomar – Santa Terezinha fica na região do São Patrício-Ceres, no centro do então Goiás. Era uma forma de aproximação de “áreas favoráveis”, tomadas principalmente como áreas de matas e serras. Comigo estavam o Orlando Momente e mais dois outros companheiros que depois se desligaram do trabalho. Mais adiante, acabamos nos encontrando com o Tagore e o Dynéas, que estavam separados em outras localidades da região (Crixás e Itapaci). O Tagore, mais adiante, teve que ser desligado do trabalho por questões de saúde. Teve um câncer no rosto que o matou.
Buonicore – (Em Uruaçu estavam o jornalista Armando Gimenez, que era o líder do grupo, o jovem Paulo Marcomini, o técnico de rádio Jonas Grisoto e um camponês vindo do nordeste, do qual ainda não sabemos o nome. Mas, no dia 1º de maio, Armando e Paulo foram presos pela Polícia Federal numa operação para pegar José Porfírio. Paulo Marcomini, depois de solto, e Jonas Grisoto vão para a China).
Pomar – O grupo liderado pelo Gimenez caiu em Uruaçu, principalmente porque não montou uma boa cobertura econômica e social que justificasse a presença deles. Foi a queda deles que nos obrigou a ir buscar os rifles que estavam na área rural de Uruaçu e corriam o risco de ser descobertos.
Buonicore – Você conheceu Armando Gimenez e Jonas Grisoto de Piracicaba? Eles eram ligados ao Pedro Pomar?
Pomar – Tive apenas um contato rápido com o Gimenez. Nessa época, o responsável pelo trabalho militar em Goiás era Pedro Pomar. Todos os que fomos para a região do São Patrício e, depois, para Colinas, ainda estávamos sob a orientação do Pedro. As mudanças na Comissão Militar ocorreram logo depois.
Buonicore – Quando e como você recebeu a notícia da queda do pessoal de Uruaçu? Qual foi sua atitude do grupo que estava com você?
Pomar – A notícia da queda do pessoal de Uruaçu nos foi transmitida pelo Arroyo, que passara a ser nosso contato com a Comissão Militar. E foi ele que nos deu a incumbência de recolher os fuzis que estavam guardados na mesma região, embora não fossem de conhecimento do pessoal que estava com o Gimenez. As armas foram levada e guardadas em Santa Terezinha.
Buonicore – Depois da queda no esquema de Santa Terezinha/Uruaçu você foi para a região de Colinas, mais ao norte do Estado. Qual era a nova missão e quem, dessa vez, foi com você?
Pomar – Não houve queda do esquema Santa Terezinha/Uruaçu. Santa Terezinha continuou segura. A mudança do grupo de Santa Terezinha para Colinas, hoje parte do estado de Tocantins, ocorreu em função da orientação de concentrar os grupos na região do Bico do Papagaio e sul do Pará. Do grupo antigo, apenas o Orlando Momente continuou. Por outro lado, o (José Piahuí) Dourado se incorporou ao grupo, e passei a ter contato com o Osvaldo, que se localizou no sul do Pará.
Buonicore – Ao contrário do que houve em Crixás, ali ocorreu choques entre posseiros e grileiros. Qual a posição dos militantes do Partido na área? Quem eram esses militantes? Qual era o dirigente responsável pelo trabalho na região?
Pomar – Os militantes do Partido na área, segundo nosso conhecimento, éramos apenas nós, que também éramos posseiros. Nossa decisão, apesar de todas as orientações de não se meter em disputas que nos colocassem em risco, foi participar da defesa junto com os demais posseiros, mas sem tentar assumir qualquer processo de direção. O responsável era eu, e acho que passamos incólumes por esse teste, apesar das críticas pesadas recebidas posteriormente.
Buonicore – Você disse que a comissão da 5ª tarefa sofreu uma modificação em 1965, após o fracasso da resistência na Bahia e, possivelmente, em Goiás. Quais foram as mudanças?
Pomar – Como uma das mudanças foi a minha exclusão, fiquei relativamente por fora dos detalhes. Mas o Pedro foi substituído, enquanto o Amazonas e o Grabois assumiram a direção da Comissão Militar, juntamente com o Arroyo.
Buonicore – Quais foram as áreas escolhidas para estudo sobre a possibilidade de montagem da guerrilha rural? Quem eram os responsáveis por elas?
Pomar – Em 1968, após a decisão sobre a Guerra Popular, recebemos ordens de nos deslocar para o sul do Pará, indicando que essa área era a que havia sido escolhida como área central. A própria Comissão Militar se instalou lá, embora em grupos diferentes.
Buonicore – Quando e quais as razões que levam você a sair do norte de Goiás e ir para o sudoeste do Ceará? Ali, parece, as coisas foram diferentes, pois havia partido organizado. Como foi esse processo? Quem do partido estava na região?
Pomar – Eu me neguei a ir para o sul do Pará e me insurgi contra um tipo de preparação que, na minha opinião, se contrapunha ao que havia sido aprovado pelo Comitê Central. Nessas condições, fui completamente afastado de qualquer atividade e inclusive ameaçado de expulsão, alguns insinuando que eu, na verdade, estava desertando da luta.
Mas as quedas sucessivas de outros quadros do Comitê Central levaram a Comissão Executiva a me propor a ida para o Ceará, de modo a preparar uma área secundária para a guerrilha. A discussão sobre isso foi pesada, porque voltei a reafirmar que não faria o mesmo tipo de preparação da área central, e que tomaria como centro do trabalho a atividade de organização dos camponeses e de construção do Partido, como condição básica para qualquer ação militar. E também exigi que minha condição de membro do CC fosse resguardada, para garantir o mínimo de segurança, e que o trabalho na área respondesse diretamente à Comissão Executiva e não ao Comitê Regional, em cuja direção estava o Zé Duarte.
Essas condições acabaram sendo aceitas. Até então não havia partido organizado na região de Crateús, ou sudoeste do CE. Havia apenas dois ou três companheiros laços, cuja militância era muito dispersa, mas havia um trabalho muito interessante de comunidades de base da Igreja e relações estreitas com lideranças camponesas. O CR destacou mais dois companheiros para irem comigo e se sentiu no direito de ter algum controle sobre o trabalho lá.
Esse trabalho teve inicio no período da seca de 1969/70, o que permitiu ao pequeno grupo do Partido adotar uma tática que deu certo na relação com os camponeses e com muitos quadros da Igreja e nos permitiu, num período de um ano ou um pouco mais, chegar a ter bases do partido em quase todos os municípios da área e chegar a cerca de 160 militantes, com certa segurança.
No entanto, à medida que a Comissão Militar pendia para o início da luta armada no Araguaia, mais ela pressionou para que nos preparássemos militarmente e procurássemos desenvolver ações de propaganda armada. O acordo inicial foi rompido e eles colocaram o Comitê Regional para realizar a mesma pressão.
Quando realizamos uma conferência do Partido na área, o Zé Duarte e o Zecão (Sérgio Miranda) participaram como representantes do Comitê Regional, e o Zé Duarte não só pressionou no sentido das ações armadas, como abriu a minha condição de membro do Comitê Central. Ou seja, não só estimulou à aventura alguns companheiros que achavam mais importante dar tiros do que construir uma base política sólida, como quebrou uma importante regra da clandestinidade. O resultado foi nova crise nas relações comigo e a exigência que eu abandonasse o Comitê da área de Crateús.
Assim, quando a luta armada no Araguaia foi desencadeada, logo depois, eu não estava mais naquela área. Infelizmente, os acontecimentos se atropelaram, com novas quedas, e mais uma vez, apesar das discrepâncias, fui chamado para mediar uma parte das negociações para o ingresso da Ação Popular (AP) no Partido e, logo depois, para assumir o trabalho de reorganização do pessoal da AP disperso no Nordeste. Eles tinham alguns quadros no sul do Ceará, Paraíba, Pernambuco e Maranhão e a idéia era deslocá-los para o Maranhão, na perspectiva de construir alguma base de apoio ao Araguaia.
Foi durante esse trabalho de re-costurar dirigentes e militantes da AP que tivemos notícia, no primeiro trimestre de 1974, que a luta no Araguaia havia recebido um golpe mortal, em dezembro de 1973, e que precisávamos apressar o trabalho no Maranhão, na perspectiva de salvar alguns camaradas que houvessem escapado da chacina. No entanto, por falhas na segurança do trabalho, alguns companheiros da Paraíba foram presos, levando à queda de uma série de outros já localizados no Maranhão. Ainda consegui enviar um aviso para o Ruy Frazão, que estava em Juazeiro da Bahia, mas ele parece não haver acreditado que corria perigo e não fez a retirada que o momento exigia, sendo preso em Petrolina e assassinado.
Buonicore – Como receberam a notícia da eclosão da luta armada no Araguaia? O que isso afetou no trabalho partidário entre os camponeses cearenses?
Pomar – A notícia da eclosão da luta armada deixou muitos companheiros alvoroçados com a perspectiva revolucionária. Minha opinião de que estávamos cometendo um erro estratégico foi expressa apenas na reunião tensa com a Comissão Executiva, após minha saída de Colinas. Eu não tinha direito, porém, de expressar tal opinião para o pessoal da AP com o qual estava iniciando os contatos, e não a expressei. Naquele momento eu torci para estar errado.
Buonicore – Qual foi o motivo das divergências com José Duarte, então o dirigente do Comitê Central que acompanhava o Estado? A polêmica era em torno da possibilidade de iniciar a luta armada no interior do Ceara após a eclosão da Guerrilha do Araguaia?
Pomar – Relatei acima a síntese das divergências. A possibilidade de iniciar a luta armada no interior do Ceará era tão fora da realidade, que o próprio Duarte não acreditava nela. Mais tarde, após a anistia, ele se desculpou pelas atitudes na ocasião, mas já era tarde demais. Todo o trabalho que havíamos apenas começado praticamente se perdeu.
Buonicore – Você já era do Comitê Central? Quando você entrou nesse órgão?
Pomar – Eu entrei no CC durante a Conferência Nacional de 1966.
Buonicore – Depois que você saiu do Ceará ainda se envolveu numa operação de resgate do pessoal do Araguaia junto com o pessoal que era da AP. Do que consistiu essa operação?
Pomar – Como disse acima, essa operação foi desmontada pela repressão. Depois disso, ainda em 1974, fui enviado para o Pará, junto com outros 6 companheiros, na perspectiva de montar a mesma operação que começáramos a fazer no MA. Mantivemos algumas bases partidárias que não haviam caído no Maranhão e chegamos a estabelecer umas pequenas bases de trabalho partidário no Xingu, Santarém, Abaetetuba e na zona Bragantina. Minha queda em 1976, durante a reunião do Comitê Central, na Lapa, me desligou totalmente desse trabalho. O DOI não conseguiu comprovar que eu estava no Pará, nem colocar em risco esse trabalho.
• Entrevista concedida por e-mail entre o segundo semestre de 2010 e janeiro de 2011