Lilian Celiberti: 'Há coisas que não podem ser enterradas'
O GLOBO: Como a senhora viu a decisão da Câmara uruguaia?
LILIAN CELIBERTI: Agora será possível processar os autores dos crimes e estudar os casos. Havia um problema de opiniões distintas sobre a avaliação jurídico-institucional. A lei estabelece que esses crimes não prescrevem. A análise caso a caso depende da Justiça, mas há menções na lei a casos como tortura e desaparecimento, que são tratados como crimes de lesa-Humanidade. Sem a prescrição em 1 de novembro, podem ser investigados.
O GLOBO: Pretende processar os militares?
CELIBERTI: Apresentamos uma solicitação ao tribunal para reabrir o caso há cerca de três meses. O Poder Executivo indicou causas que não poderiam fazer parte da Lei de Caducidade. Entre elas, as ações cometidas fora do território. Fomos sequestrados em Porto Alegre, outros na Argentina.
O GLOBO: No Brasil, a Comissão da Verdade não vai punir, mas investigar…
CELIBERTI: A Comissão é o primeiro passo para que se conheçam delitos que foram silenciados por décadas.
O GLOBO: Mas aqui não haverá poder punitivo. Sob essa ótica, o Brasil não fica atrás dos países vizinhos?
CELIBERTI: Sim, na realidade o Brasil está atrás. O democrático é analisar o papel das Forças Armadas para que esses crimes não se repitam. O Brasil não vai julgar ninguém, mas há coisas na memória que não podem ser enterradas facilmente. E uma vez que se passa a conhecer o que ocorreu, o país pode sofrer forte pressão. Durante muitos anos no Uruguai não se cogitava investigar esses delitos, e hoje já temos alguns militares presos. Hoje se cria uma Comissão da Verdade; amanhã, talvez a força dos fatos determine a necessidade de condenação.
O GLOBO: Como foi encontrar no Brasil um acusado de participar do sequestro?
CELIBERTI: Depois de tantos anos foi estranho. Com toda a minha experiência e tudo que passei para lidar com isso, senti uma grande indignação.
O GLOBO: Pensa em voltar ao Brasil?
CELIBERTI: Tenho muitos amigos aí e uma recordação maravilhosa das pessoas que encontrei. (Com voz embargada) É emocionante encontrar pessoas que lutaram por minha liberdade. Tenho uma enorme gratidão, foi um momento muito importante. Devo a elas a minha vida.
Fonte: Jornal O Globo