As misérias no Maranhão: socioeconômica e política
Entretanto, fantasmagoricamente duas bancarrotas, que são irremediavelmente inseparáveis, funcionam como uma simbiose perfeita, prestigiam o atual momento do desenvolvimento histórico do Maranhão. A miséria socioeconômica e a miséria política. E isso se tornou severamente manifestado recentemente com a divulgação de alguns estudos, pesquisas e precipuamente com resultados parciais do censo 2010 do IBGE.
A miséria socioeconômica se desnuda sempre com a incomparável frieza dos números. São desvelados inexoravelmente tantos contrastes. Resultados recentes do censo 2010 do IBGE demonstram que o houve uma sedentariedade dos índices maranhenses em relação às demais unidades da federação e em algumas categorias o canyon social e econômico se erodiu mais ainda. Segundo o censo em tela o número de pessoas residentes no hodierno Maranhão que não sabem ler nem escrever chega à monstruosa taxa de 20,9% da população, isso sem contar os ditos analfabetos funcionais e/ou os semi-alfabetizados, tal percentagem está mais de duas vezes à média nacional de 9,6%. Quando observamos a qualidade do ambiente doméstico, ou seja, se existem as condições mínimas de salubridade para uma vivencia satisfatória, implacavelmente 80,7% dos domicílios maranhenses não são considerados adequados para uma vida digna de um ser humano. Em relação à renda per capita nominal o vergonhoso índice nos dita que 20,6% da população vivem na pobreza estremada, sobrevivem com até R$ 70,00 por mês. A renda familiar chega à irrisória quantia de R$ 319 em média em todo o estado. Essas duas taxas jazem na ultima colocação no ranking nacional.
Em estudo atual do IMESC-Instituto Maranhense de Estudos Socioeconômicos e Cartográficos- revela que a indústria maranhense tem instrumentos mínimos de diversificação e composto basicamente por dois complexos: um parque mínero-metalúrgico [Itaqui (Alcoa) e Ponta da Madeira (CVRD)], concentrado no noroeste do estado em torno do alumínio e do minério de ferro voltado exclusivamente ao mercado externo; e o agrobusiness com a expansão da soja e da pecuária nos municípios região Sul e é voltado ao mercado externo e interno. O IMESC diz ainda que em quatro anos (2008-2011) R$ 22 bilhões foram investidos no Estado, e que desta soma a dobradinha Vale-Alcoa levaram 80% ou R$ 18 bilhões. O restante foi para o agrobusiness da soja. Das exportações maranhenses 97% são do tridente luciferiano, ou seja, das commodities ferro, alumínio e soja. E 51% da PEA (população economicamente ativa) têm renda de até um salário mínimo. O Maranhão tem a maior população rural do Brasil segundo censo 2010. Cerca de 36,9% do povo vive na zona rural. O latifúndio, com suas homéricas terras ociosas, é dominante. “Um excedente de mão-de-obra rural que vira lixo” nas cidades.
Esse rosário de dados sai da sua impessoalidade quando se anda pelo Maranhão e aflora seus agudos desequilíbrios e suas abissais contradições. Cenário: maioria das cadeias produtivas arrebentadas, emprego raro, economia deprimida e metade da população de bolsa família.
Industrialização no estado é sinônimo de escassez. Progresso e desenvolvimento são apenas miragens saarianas. Exuberância não é sinal de desenvolvimento. Paisagens cinematográficas, carros luxuosos, jet skis, resorts hollywoodianos, mansões faraônicas. Tudo isso pari passu ambientado urbanisticamente com: casas de pau –a- pique, carros de boi, pau- de- arara, miséria, uma situação hostil dos “índios”. Quem quiser fazer safári urbano seja bem vindo. É o Maranhão jútiper de contradições e extremamente anêmico de novos pensamentos.
O outro signo indubitavelmente presente mainstream do corpo social maranhense é o engodo da miséria política – onde a miséria socioeconômica é epifenômeno desta. Formada por oligarquias remanescentes do agrarismo da primeira metade do século XX e de uma oposição composta por direitistas e esquerdistas – A dualidade básica da política maranhense- sarneísmo (“desultilização, ou seja, emprego inútil de uma coisa nociva”) e anti-sarneísmo (“desultilização, ou seja, emprego útil de uma coisa nociva”). Um sistema binário. O processo de despolitização da política maranhense está na lógica da desta dualidade, ou seja, na velha batalha entre forças malignas e forças amigas. Os homens que estão na frente dessa miserável política perderam o juízo a datas.
As opiniões e lamentações, iniciativas, debates, seminários estão sempre com essa dualidade inútil e com argumentos ad hominem como ponto nevrálgico. Se tiver, e como tem sido a inseparabilidade disso seremos sempre caracterizados pela mais incurável irracionalidade. O grande equívoco da oposição maranhense é sempre querer ipsis litteris entender o Maranhão pela “periodização” do Sarneísmo. Maranhão e seu corpo social têm que aprender a livrar-se do receituário das malditas barbáries Sarneísta e do breviário idiota e inútil do anti-sarneísta. Isso é o epicentro da ignorância deletéria. Para o Maranhão sair desse lamaçal de miséria e da depressão econômica é mister frear a condicionalidade do desenvolvimento econômico com a estupidez sarneísta e anti-sarneísta. Não existe planejamento e projetamento, nem estratégia. Tomam atitudes baseadas em suas elucubrações abstratas, baseada em suposições com efeitos efêmeros. Numa verdadeira anarquia política. A etiologia genuína do desenvolvimento econômico e político do maranhão são apenas quimeras em suas mentes antipatriotas. “Pensam diferente de tudo da esperança”…
Acredito que a condição sine qua non para sairmos dessa ilusão de prosperidade é o desenvolvimentismo, a industrialização e o planejamento do estado é a via de superação da pobreza e do subdesenvolvimento. Não há meios de alcançar uma industrialização eficiente por meio das forças espontâneas de mercado; por isso, é necessário que o governo a planeje. Urge elaborarmos um verdadeiro projeto de desenvolvimento para o estado, com amplo e agressivo mercado interno e externo para produção agrícola e industrial, viabilização de massivo emprego para o excedente rural que se torna desemprego nas cidades, e apoio incondicional as fontes de produção. Isso não é palavra de ordem oca, mais um imperativo vital, que rompa radicalmente o pacto fundamental de poder que se mostrou com signos de senectude.
Para se fazer qualquer leitura insuspeita do estado é necessária a análise do longo desenvolvimento histórico, utilizando as grandes categorias do Marxismo: “formação social e modo de produção, forças produtivas e relações de produção, superestrutura e base econômica”. Ou seja, não adianta falar mal, praguejar e atribuir-lhe (ao velho ortodoxo esclerosado) todos os males de nossa economia. Essas atitudes geralmente são manifestações de abissal desconhecimento de etiologia verdadeira de um fenômeno tão relevante. Gilles Gaston Granger grande pensador francês dizia: “como se dar ao prazer de construir variações sobre um tema cuja linha melódica fundamental ainda é desconhecida”. É mister levantarmos a cabeça dessa lama e olhar que “a estrada vai além do que se vê”. Precisamos pensar e analisar a realidade objetiva como processo histórico.
Ignácio Rangel dizia “Ora, somente pensando grande, podemos formar juízo sobre as perspectivas que estão abertas para o nosso Maranhão… é preciso agir depois de pensar”… A libertação da miséria, julgo como nosso único renascimento possível, capaz de recuperar os bens que sempre foram usurpados dos maranhenses, também equivale a recuperar a dignidade, a esperança, a auto-estima. É preciso abrir as comportas das forças produtivas. Rangel dizia: “O que é preciso que fique claro é que, sem boa teoria econômica, não se pode ir muito longe em matéria de prática política”… O grande maranhense e maior pensador brasileiro do século xx Ignácio Rangel vaticina também: “o verdadeiro teste de progressismo… Faz-se na adesão ou no repúdio às idéias de unidade, soberania e planejamento”.
*Geógrafo pela Universidade Federal do Maranhão