MARX E A MODERNIDADE CAPITALISTA — parte 7
Marshall Berman fez concessões importantes ao individualismo de fundo liberal. Ele chegou à insólita conclusão de que o Marx de O Capital
“(…) Está mais próximo de alguns de seus inimigos burgueses e liberais que dos expoentes tradicionais do comunismo que (…) valorizavam o autossacrifício, desencorajaram ou condenaram a individualidade e sonharam com um projeto tal em que só a luta e o esforço comuns atingiriam o almejado fim.”
Marx veria na
“(…) Dinâmica do desenvolvimento capitalista ― no desenvolvimento de cada indivíduo ou da sociedade como um todo, uma nova imagem de vida boa, (…) um processo de crescimento contínuo, incansável, aberto, ilimitado. Ele espera, portanto, cicatrizar as feridas da modernidade através de uma modernidade ainda mais plena e profunda” (Berman, 1987: 96).
No entanto, este é um Marx estranho a toda e qualquer tradição. A própria vida de Marx foi a expressão desse espírito de autossacrifício em nome de um projeto coletivo de emancipação humana.
Anderson criticou estas conclusões de fundo individualista (e narcisista) extraídas de uma leitura distorcida da obra de Marx. Afirmou aquele autor:
“(…) Quando examinamos os próprios textos de Marx, encontramos em ação uma concepção muito diferente da realidade humana. Para Marx, o eu não é anterior a, mas sim constituído por suas relações com os outros, desde o início: mulheres e homens são indivíduos sociais, cuja sociabilidade não é subsequente, mas sim contemporânea à sua individualidade. Afinal, Marx escreveu que somente ao viver em comunidade com outros, cada indivíduo tem os meios de cultivar seus dons em todas as direções; somente na comunidade, portanto, a liberdade pessoal é possível” (Anderson, 1986: 13).
Continuou ele:
“Assim, a visão de um impulso independente e niilista do eu em direção a um desenvolvimento completamente ilimitado não passa de uma quimera. Antes, o genuíno “desenvolvimento livre de cada um” só pode ser realizado se se efetuar no respeito pelo livre “desenvolvimento de todos”, dada a natureza comum daquilo que constitui um ser humano” (Idem).
As ideologias, individualista e niilista, que impregnavam a obra de Berman eram um reflexo do tempo histórico em que vivia o autor. O início da década de 1980 representava um período de consolidação da vitória do projeto conservador em escala mundial e representava o período de falência dos mais importantes projetos societários alternativos ao capitalismo: os socialismos realmente existentes e a social-democracia. A experiência do socialismo real, por inúmeras razões, começou a fazer água no final dos anos 1960 e conheceu sua crise terminal em fins da década de 1980.
Vários segmentos do pensamento crítico, mesmo aqueles que não compartilhavam de expectativas quanto ao futuro do regime soviético, acabaram, na prática, encarando aquele modelo como “o” socialismo. Tomaram o “socialismo realmente existente” como o “único socialismo possível”. A crise da social-democracia europeia, que acompanhou a ascensão da alternativa neoliberal, deu à crise do pensamento de esquerda cores ainda mais sombrias.
A saída encontrada acabou sendo o abandono do socialismo; mesmo que isso, num primeiro momento, se fizesse sob uma roupagem socialista-libertária. Muitos intelectuais radicais abandonaram o campo do marxismo e partiram para outras direções, muitos atravessaram a linha demarcatória e aderiram de corpo e alma à ideologia hegemônica da época: o neoliberalismo. Fizeram, mas não sem antes passar pelo purgatório do anarquismo, do niilismo e do pós-marxismo. Conceitos como “classes sociais”, “luta de classes”, “imperialismo”, “ideologia”, “poder de Estado”, passaram a ser gradativamente relativizados para logo em seguida ser abandonados. A obra de Berman foi o reflexo desse difícil e tempestuoso período de transição da intelectualidade anticapitalista.