A primeira mesa, mediada por Adalberto Monteiro, presidente da Fundação Maurício Grabois, contou com as presenças dos economistas Ricardo Carneiro, da Universidade de Campinas (Unicamp); Ricardo Bielschowsly, ligado à Comissão Econômica para a América Latina e o caribe (Cepal); e Arno Augustin, secretário do Tesouro.

Ricardo Carneiro iniciou o debate dizendo que a política do governo incorpora a dimensão social como questão relevante do ponto de vista econômico para o projeto de desenvolvimento, fato que deu ao consumo das famílias um protagonismo muito grande no modelo de crescimento recente. Por dois mecanismos diferentes, segundo ele: a distribuição de renda e as políticas sociais. O mais poderoso é a política de salário mínimo. A elevação do piso salarial é uma bandeira histórica dos economistas e dos partidos de esquerda, segundo Ricardo Carneiro.

Para ele, essa é uma política absolutamente decisiva e fundamental porque interfere e organiza o mercado de trabalho, e aumenta o nível do caráter distributivo das transferências governamentais. São dois eixos absolutamente decisivos, afirmou. Disse que se referia especificamente às transferências previdenciárias, sobretudo as que estão ligadas ao aumento do salário mínimo. É a política mais importante, sem desprezar questões como Bolsa Família, uma política humanitária extremamente importante que não tem, de longe, o peso da política de transferência previdenciária, ressaltou.

Segundo Ricardo Carneiro, está se falando em coisa de 2,5% do PIB de transferência previdenciária e 0,4% do Bolsa Família. São os de baixo se deslocando para cima no mercado de trabalho. “Criamos um classe C extremamente importante, que tem sido a base da diversificação do consumo. Essa população teve acesso ao crédito, cerca de 12% do PIB”, afirmou. Para ele, o crédito dinamizou a economia, junto com a distribuição da renda, de uma maneira muito significativa. É daí que vem o principal impulso do crescimento brasileiro dos últimos anos, destacou.

Exemplificou o significado dessa mudança dizendo que cem por cento da população tem televisão, oitenta por cento tem geladeira e noventa por cento tem telefone celular. Isso mostra que o consumo foi um instrumento extremamente relevante dentro da economia brasileira, afirmou. Foi um desenvolvimento calcado, sobretudo, nessas duas políticas, acrescido do aquecimento do mercado de trabalho, da liberdade sindical e da capacidade de negociação. Registrou que cerca de oitenta por cento das negociações salariais tiveram aumento acima do INPC, de acordo com dados do Dieese.

Investimento

Ricardo Carneiro explicou que essa forma de distribuição de renda não vai manter a mesma trajetória de ganho, porque as conquistas iniciais são muito maiores e a forma de  rejuste do salário mínimo está definida. Mas são ferramentas para enfrentar a crise, somadas à redução das taxas de juros, que são uma aberração. Não há nada que justifique, do ponto de fiscal e cambial, juros tão elevados, disse. Ressaltou as exportações e as contas externas brasileiras nos últimos anos, equilibradas pelo impulso muito bom do ciclo de preços de commodities, mas registrou que o Brasil sempre cresceu em cima do mercado interno.

Segundo ele, o país deve fazer proteção comercial ou desvalorização da taxa de câmbio não para virar exportador e competir com a China nos mercados centrais. Isso é uma ilusão, observou. Essas medidas devem ser adotadas para defender o mercado interno e criar um campo de expansão muito decisivo para a economia. Ricardo Carneiro lembrou que sempre foi assim na história do país.

Ele também comentou o investimento, que tem sido relativamente fraco. Não se conseguiu recuperar a parte do investimento que caracterizava o processo nacional-desenvolvimentista, um mecanismo de investimento autônomo que vem pela estrutura produtiva da indústria, pela ampliação “brutal” da infra-estrutura.

Segundo Ricardo Carneiro, o governo ensaiou essa recuperação com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), um instrumento absolutamente fundamental para sair da crise. Mas o Brasil precisa ter uma política clara de recuperação do investimento como fator fundamental para sustentar uma taxa de crescimento significativa, enfatizou. Segundo ele, é fácil fazer porque o Brasil tem grandes empresas, demanda e um banco para financiar.

Crescimento

Arno Augustin, secretário do Tesouro, afirmou que o Brasil tem perfeitas condições de se sair muito bem na crise. Segundo ele, existe o risco de contágio de outras economias pela situação da Europa, agravada pela situação de baixo crescimento nos Estados Unidos e pelas dificuldades para se fazer políticas anticíclicas nos Estados Unidos. Mas a taxa de crescimento do Brasil acima de 4% é um bom indicador para mostrar a força da economia. Arno Augustin apresentou dados sobre mapas que mostram como os países foram atingidos pela crise e os resultados em suas economias para demonstrar como o Brasil está passando bem pela turbulência.

Segundo ele, o país tem uma situação boa, privilegiada, em relação aos demais países. A política monetária com mais flexibilidade vem reduzindo a taxa de juros e criando melhores condições para a retomada no médio prazo, afirmou. Apresentou dados que também mostram uma forte redução da relação dívida-Produto Interno Bruto (PIB), abrindo espaço para a redução da taxa básica de juros do Banco Central (BC), a Selic.

E comentou que considera o mercado interno um ponto principal. Segundo ele, o crescimento do último período teve forte apoio no mercado interno. Apresentou números que mostram isso. “O mercado interno dinâmico construído é um dos elementos que garante ao Brasil  capacidade de  se sair bem nesse momento de crise”, enfatizou. Segundo ele, é o resultado de políticas como o aumento do salário mínimo, o programa Bolsa Família e o conjunto das políticas previdenciárias.

Macroeconomia

Ricardo Bielschowsly disse que o Brasil está vivendo um novo padrão de desenvolvimento. Segundo ele, entre 1930 e 1980 o Brasil passou por uma fase de industrialização. Ideologicamente, foi uma era desenvolvimentista, sobretudo a partir de 1950, afirmou. E a estratégia correspondente foi de industrialização puxada  pelo Estado, com taxas de crescimento superiores a 7% ao ano. 

Entre 1991 e 2002, foi a era das políticas neoliberais, com prioridade para o Plano Real, deixando o crescimento de lado, com uma média de 2% ao ano. A partir de 2003, começou uma nova estratégia de desenvolvimento. Segundo Ricardo Bielschowsly, é possível identificar nas políticas do governo uma série de convergências na direção de uma estratégia de desenvolvimento, correspondente a esse novo padrão.

Para ele, o Brasil precisa implantar uma macroeconomia pró-investimento, um modelo de crescimento com estabilidade. Segundo Ricardo Bielschowsly, é possível extrair dos mais de vinte planos existente no governo, com uma leitura sistemática, a constatação de que eles convergem na direção de uma estratégia. É preciso uma maior coordenação entre esses  planos todos, afirmou. 

Essa estratégia, disse Ricardo Bielschowsly, corresponde a três eixos, ou motores, de investimentos. O primeiro é o crescimento com distribuição de renda. O segundo são as atividades baseadas nos recursos naturais e suas cadeias produtivas. O terceiro é a construção de uma infra-estrutura forte. Aparece, então, um quarto eixo “transversal” que pode turbinar os três primeiros, que está menos ativo: os efeitos da produção interna nas cadeias de valor. Inovação e produção nacional de bens e serviços, nos setores de alta intensidade tecnológica, explicou. Roberto Amaral, vice-presidente do PSB; José Dirceu, dirigente do PT; Paulo Rubem Santiago, deputado federal pelo PDT-PE; e Inácio Arruda, senador pelo PCdoB-CE, falaram, com rápidas intervenções, em nome dos partidos de esquerda.

Oportunidades

A última mesa do seminário, media pelo deputado Paulo Rubem Santiago (PDT-PE), foi composta pelo secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa; por Tânia Bacelar, economista da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE); por Wilson Cano, economista da Unicamp; e por Márcio Pochmann, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).  

Na primeira fila: Nilmário Miranda (presidente da Fundaçõa Perseu Abramo), Elói Pietá, deputado Paulo Rubem Santiago (PDT-PE) e Renato Rabelo. Foto: Naldinho Lourenço

Nelson Barbosa destacou aspectos das oportunidades históricas que o Brasil tem para fortalecer seu papel na economia global. “Nos últimos seis anos, houve um movimento muito favorável nos termos de troca. Isso tem possibilitado o aumento da renda disponível e do poder de compra da sociedade brasileira. Nós temos também uma mudança demográfica em curso. Está aumentando a população em idade ativa, isso significa mais gente em condição de produzir e mais possibilidades econômicas”, afirmou.

Segundo ele, o Brasil tem um sistema politicamente estável, com respeito aos contratos e baixa incerteza jurisdicional. Na atual situação mundial, o Brasil é provavelmente o país que tem mais previsibilidade econômica e política, afirmou. Para ele, as questões que citou são estruturais e independem de quem está no governo e da orientação política. São dados concretos, mas o governo é quem escolhe o que fazer com essas condições, disse.

Revoluções

Para Márcio Pochmann, houve no país a formação de uma nova maioria política que tem clareza de que o Brasil precisa crescer e que não pode mais seguir no chamado “vôo de galinha”. O que ainda está em disputa dentro dessa maioria heterogênea é como crescer e para onde o Brasil tem que crescer. Segundo Márcio Pochmann, esse novo momento do Brasil se traduziu em uma maior presença do país nos organismos internacionais, com destaque para sua atuação na América do Sul, e no crescimento econômico com renda e trabalho.

Ele citou que o Brasil gerou 20 milhões de novos postos de trabalho nos últimos nove anos. Mas ressalvou que noventa e cinco por cento dessas ocupações geradas foram de até um salário mínimo e meio. “Esse crescimento foi importante justamente por permitir que as pessoas de menor escolaridade tivessem acesso à ocupação”, enfatizou.

Pochmann alertou que o Brasil precisa passar, nos próximos anos, por duas revoluções. Na educação e no sistema de proteção do trabalho. “Não haverá mais razão para que se entenda o ensino superior como sendo o teto da sociedade, mas sim como sendo o piso. Isso significa dizer que cada vez mais será preciso postergar o ingresso do jovem no mercado de trabalho”, disse. Ele também citou a possibilidade de redução da jornada de trabalho no país. “Com o avanço da tecnologia da informação, o setor de serviços já permite que se trabalhe em qualquer lugar. É preciso lidar com essa nova realidade”, disse.

Desindustrialização

Tânia Bacelar afirmou que o Brasil tem que estar com um olho na crise e outro no futuro. Segundo ela, a situação do país é privilegiada, resultado dos avanços construídos nos anos recentes. Para Tânia Bacelar, o grande desafio do Brasil nos próximos anos é a educação. “Eu vou divergir de quem acha que a gente avançou bastante. Ainda estamos longe de onde podemos chegar. A nossa educação fundamental é muito ruim, é uma das máquinas de gerar desigualdade no Brasil”, disse.

Ela também comentou a importância de uma real desconcentração dos investimentos produtivos, historicamente localizados nas regiões Sudeste e Sul do país. Para Tânia Bacelar, o pré-sal poderá cumprir esse papel desconcentrador se o país souber distribuir os três segmentos de sua cadeia produtiva. Segundo ela, setenta por cento do setor eletro-metal-mecânico, que é o coração do fornecimento, está hoje no Sudeste. Outro setor é a indústria automotiva, que quer dobrar sua produção no Brasil nesta década, mas, quando se olha suas preferências locacionais elas estão quase todas de Belo Horizonte para baixo, apesar de o mercado do Nordeste estar muito dinâmico.

Em conversa com o Portal Grabois, Wilson Cano disse que destacava a desindustrialização como ponto importante do debate. Segundo ele, o governo não diz grandes coisas sobre esse assunto. Fica parecendo que não existe uma opinião uníssona no governo a respeito da questão, segundo ele. Para Wilson Cano, esse é um problema grave, que não nasceu ontem. Com a crise, não será com políticas anticíclicas, de isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), que o problema será resolvido. Ele está se acumulando há mais de trinta anos, lembrou. Segundo Wilson Cano, esse é um ponto vulnerável da economia brasileira na crise porque ela não como competir no cenário mundial.

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