Economistas defendem prioridade ao investimento
A Rede, por sua vez, nasce demonstrando simpatia pelo rumo adotado pelo governo Dilma Rousseff – Carneiro considera que a gestão da presidente mostrou preocupação em trazer juros e câmbio, dois preços macroeconômicos fundamentais, para “um nível mais compatível com o desenvolvimento”, como assinala o documento preliminar discutido ontem. A recuperação do papel do Estado como coordenador do investimento e as políticas que aumentaram a distribuição de renda, como os reajustes elevados do salário mínimo, também são bem vistas.
“A intenção é que a rede funcione como um instituto para pensar o desenvolvimento”, explicou Carneiro, destacando a intenção do grupo de fazer análises e propor políticas, concentrando os esforços dos desenvolvimentistas hoje trabalhando de modo isolado em diversas instituições, como Unicamp, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Universidade de São Paulo, Universidade Federal de Pernambuco e Fundação Getulio Vargas de São Paulo.
A necessidade de dar prioridade ao investimento foi um dos pontos consensuais durante os debates, com o Estado tendo um papel de destaque no processo. “O investimento público em infraestrutura é absolutamente fundamental”, disse o ex-presidente do BNDES Carlos Lessa. “Eu não tenho fobia nem do Estado produtor, quanto mais do investidor.” Carneiro afirmou acreditar que o Projeto de Aceleração do Crescimento (PAC) tem mais importância do que normalmente se supõe para dinamizar o crescimento, por ter feito um mapeamento detalhado dos projetos de investimento por vários anos, além de mostrar a disposição do Estado em investir mais.
Ricardo Bielschowsky, da UFRJ, apontou o investimento em infraestrutura como um dos três grandes eixos fundamentais para nortear o desenvolvimento nos próximos anos, ao lado do mercado interno de consumo de massas e dos setores de recursos naturais. “É importante que as cadeias produtivas da indústria, da agropecuária e de serviços estejam principalmente no Brasil, e não na China”, afirmou ele.
Se houve praticamente consenso quanto ao investimento, a existência de um processo de desindustrialização causou mais polêmica. O documento preliminar, escrito por 13 economistas da Unicamp, diz que “a partir dos dados e indicadores tradicionais sobre o setor não é possível uma conclusão definitiva sobre a existência de um processo de desindustrialização em curso na economia brasileira.” O professor Wilson Cano, da própria Unicamp, foi um dos que questionaram essa visão, por haver, segundo ele, uma perda de espaço importante da indústria na economia brasileira nos últimos anos. O ex-ministro Luiz Carlos Bresser concordou com ele.
Outro foco de discussão foi como conciliar a questão ambiental nas discussões sobre o desenvolvimentista. Claudio Salm, da UFRJ, defendeu a necessidade de se fazer essa aproximação, dizendo que economistas e ambientalistas costumam fazer caricatura das posições um do outro, e que a dimensão ambiental não pode ser subestimada. Lessa combateu a ideia, vendo os ambientalistas como adversários do desenvolvimento.
O cenário internacional ganhou bastante espaço nas discussões. A expectativa de um período longo de baixo crescimento no mundo desenvolvido terá influência sobre o crescimento global, afetando a expansão da economia chinesa, diz o documento. Um mundo que cresce pouco aumentará ainda mais a importância do mercado interno para o Brasil, disse Carneiro, para quem a economia brasileira teve sempre na demanda interna o motor do crescimento, “com exceção do período do café”.
Carneiro apontou como decisiva a política de valorização do salário mínimo adotada a partir do governo Lula, que, combinada com o crédito, turbinou o consumo das famílias, ajudando o Brasil a crescer a uma média de 4,4% desde 2004. Nos 25 anos anteriores, a taxa média foi pouco superior a 2%. É uma política social que ajudou na redistribuição de renda e a dinamizar o crescimento, avalia ele.
Bresser também elogiou o governo Dilma, considerando muito positivas as mudanças na política monetária e também na política cambial, com a adoção de medidas para combater a valorização excessiva do câmbio. Com juros mais baixos e um real não tão forte, melhoram as perspectivas de crescimento da economia brasileira.
A Rede Desenvolvimentista conta com 30 formuladores, a maior parte economistas. Ela é bancada Centro de Gestão de Estudos Estratégicos (CGEE, organização social que conta com o apoio do Ministério de Ciência e Tecnologia) e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Ser bancada por órgãos ligados ao governo não vai tirar a independência da rede? “De modo nenhum”, diz Carneiro. “O projeto é financiado como qualquer projeto de pesquisa no Brasil da área de economia ou ciências sociais, que são apoiados por agências governamentais.” A Rede vai promover três reuniões anuais, duas nacionais e uma de âmbito internacional e lançará um website trilíngue.
Fonte: Valor Econômico