A aproximação das eleições municipais coloca novamente à tona o debate sobre as cidades e seu futuro. Existe um consenso no diagnóstico para quem as cidades brasileiras vivem uma grande crise de realização; crise esta que se relaciona diretamente com a própria hipertrofia urbana. Soluções de diversa monta não são incomuns. O problema é uma falta de visão que coloque no centro do debate esta crise como resultado do óbice do processo de industrialização, e consequentemente, do financiamento da reprodução urbana. Independente da euforia que tomou conta do país nos últimos anos, a persistente crise urbana é expressão direta de uma crise que afronta o Brasil desde a década de 1980 e com soluções e enfrentamentos ainda em aberto, mas que pressupõem uma discussão – séria e de fundo – sobre os próprios problemas nacionais.

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Estabelecer marcos conceituais e teóricos à compreensão das cidades não é um dos exercícios dos mais fáceis. Existe sempre a tendência de se automatizar somente este ou aquele marco, geralmente pautado unicamente e exclusivamente pela análise de relações de produções e pouco pelo desenvolvimento das forças produtivas. Daí o senso comum do estabelecimento de soluções aos problemas urbanos fincados em aspectos quase lúdicos. Exemplo disto é o espraiamento de debates em torno de lemas nascidos na pós-modernidade, como por exemplo, aqueles em torno de, “cidades mais humanas” e no melhor dos casos os relacionados à “democratização do espaço urbano”.

Estes lemas em si não guardam contradição com aspectos do dia-a-dia das cidades ligados diretamente a aplicação de políticas públicas voltadas à melhoria da qualidade de vida das pessoas. Ao contrário. Mas devem estar inseridas em um contexto de maior amplitude de rumos e de estratégia, sob o cetro reto do desenvolvimento e da construção histórica de um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento.

O salto metodológico deve partir de pressupostos mais sofisticados, dentre tais as contradições básicas entre superestrutura x base econômica; forças produtivas x relações de produção eimperialismo x projetos nacionais autônomos.  O escopo de análise deve ser tanto “local”, quanto “global” e entre “parte” e “todo” de forma que determinada ordem de contradições seja mais plausível de análise. Desta forma a cidade, seu desenvolvimento ou não desenvolvimento, passa a ser exprimida partindo de pressupostos mais relacionadas ao “grande problema nacional”. Referimo-nos, neste caso, ao desenvolvimento e seus entraves no atual contexto brasileiro. Logo, os entraves ao desenvolvimento nacional são os mesmos entraves que delimitam o raio de ação das diferentes governanças municipais pelo país afora. Sob este prisma, seria um despropósito exigir dos governos municipais encaminhamentos lógicos a problemas não criados por movimentos puramente locais. A questão é muito mais de fundo do que se imagina.

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Uma compreensão “total” do que são as cidades como construção histórica nos remeterá à própria origem do Estado, das classes sociais, da divisão social do trabalho e da centralização do poder político. O nível histórico da generalização não poderá acarretar em uma noção mecânica do processo histórico. Em outras palavras, diferentes núcleos urbanos são produtos de diferentes formações sociais; formações sociais tais que se desenvolvem em concordância – no caso das cidades da periferia do capitalismo – tanto com a lei do desenvolvimento desigual e combinado quanto como síntese do contato entre as leis econômicas inerentes da própria formação social com as leis próprias do capitalismo central. Esta combinação de diferentes formas de ação das leis econômicas redundou no surgimento de modos de produção complexos ou dualidades nas palavras de Ignacio Rangel .

O contato entre diferentes pólos urbanos centrais e periféricos levaram a estagnação e decadência tanto as cidades greco-romanas, quanto suas similares árabes e asiáticas. Concomitante a esta decadência, as cidades européias, impulsionadas pelo processo de acumulação primitiva, desenvolveram-se de forma acelerada a partir dos séculos XVI e XVII. Na América Latina, este desenvolvimento urbano europeu criou cidades cuja formação remontava similares existentes no sul da Península Ibérica e Itálica caracterizadas pela força do latifúndio e subordinadas aos interesses dos mercados externos de sua produção agrícola .

O poder da metrópole portuguesa sobre sua colônia americana instava sobre a necessidade de controle de algumas cidades litorâneas que eram ao mesmo tempo comerciais, militares e político-administrativas. Sob a égide de uma economia voltada aos interesses comerciais portugueses, que por sua vez via-se diante do desafio de explorar um imenso território conformou uma formação social dual: com um latifúndio caracterizado por relações de produção escravistas no interior da grande fazenda e relações de produção feudais com a metrópole. Conforme Rangel:

Com isso queremos dizerque a fazenda de escravos estava sujeita a duas ordens de leis: as do escravismo e as do capitalismo, e podemos passar a uma observação da máxima importância, porque comum a todas as fases de evolução da economia brasileira, isto é: que essas duas ordens de leis governam, respectivamente, as relações internas e externas da economia.

Assim sendo, o Brasil já nasce tendo a variável comércio exterior como algo de primeira monta e por onde gravitava a própria fazenda de escravos. Esta especificidade brasileira (economia que nasce “aberta”, voltada “para fora”)difere muito, por exemplo, tanto da vila romana quanto do oikos grego; economias fechadas, voltadas somente para suas necessidades internas. Conforme já colocado, a presença de cidades era um pré-requisito político como expressão própria do poder da coroa portuguesa. Contraditoriamente, a implantação de um latifúndio-escravista trazia em seu bojo uma característica “pouco urbanizadora”, dada a própria natureza fixa, não móvel, do escravo como mercadoria. Esta contradição resolveu-se pelo surgimento de grandes cidades no litoral da colônia, entre elas Salvador. O surgimento destas cidades não pode ser vista como um fim em si mesmo. Na verdade, foi o início do assentamento de um capital comercial interno, cujo desenvolvimento posterior teve ápice com o rompimento deste mesmo capital comercial maduro em contraposição ao capital comercial português. A independência de 1822 é o ponto alto deste processo.

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Na formação urbanística de uma economia pré-capitalista, e mesmo de caráter pré-industrial a separação campo-cidade coloca em relação dialética a parte agrária, centro do processo de produção, e a cidades que alocam o nascente capital comercial como elo entre os dois lados da economia, o externo e o interno. A independência do país em 1822 confere novo status às cidades, agora parte integrante do todo complexo da economia nacional com cada vez maior importância na medida em que para as cidades passam a confluir pequenas unidades mecânicas, dando origem ao Departamento 1 artesanal da economia, engendrando assim a própria raiz da indústria nacional, porém sem romper ainda a lógica pouco urbanizadora do povoamento do território nacional anterior a 1930.

Dando um salto histórico, podemos afirmar que muito do que se analisa sobre o mote da problemática urbana tem raiz no caminho percorrido pelo nosso país em matéria de industrialização e, consequentemente, de urbanização. Os óbices urbanos brasileiros são produto deste magnífico processo desencadeado a partir da década de 1930 e sua superação depende, sobremaneira, de uma nova etapa – superior – do próprio processo de industrialização do país.

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O processo de industrialização no Brasil país tomou impulso candente a partir da década de 1930. É sabido de todos, pelo menos em tempos de transformação da crise agrária de superpopulação em grave crise urbana, que a grande anomalia deste processo foi justamente pela mesma ter ocorrido sem uma prévia reforma agrária – como desejavam os revolucionários da década de 1930 (fruto político do exercício da hegemonia do poder estatal pelo latifúndio feudal voltado ao mercado interno). Ao contrário do que o programa da ALN propugnava, a falta de reforma agrária não se transformou em empecilho a este processo, como foi passiva para uma formação de capital sem precedentes na história do capitalismo mundial .

A via prussiana brasileira, transmutando o latifúndio feudal em grande propriedade capitalista, foi o mola propulsora deste capitalismo particular, brasileiro. A essa transformação, pelo menos na forma, nada tinha a se objetar, pois a mecanização da agricultura é um dos passos essenciais ao desenvolvimento do próprio capitalismo, para não dizer – também – do socialismo.

A dialética inerente a este processo encontra-se na relação entre uma rápida formação de capital, medido por extraordinários efeitos multiplicadores – que num primeiro momento ocorreu sob a dependência do suprimento de bens de investimento pela utilização intensiva de mão-de-obra –, com a própria proscrição do efeito multiplicador do emprego pela via de uma industrialização cada vez mais intensiva em capital em detrimento do trabalho vivo. Sob outro escopo de análise, este desenvolvimento conferia dois movimentos paralelos: 1) o da ativação de grande parcela da população pela desagregação da economia rural e 2) o de intensa urbanização.

O processo de urbanização é algo perfeitamente normal em economias que se industrializam e, consequentemente, milhares de pessoas entram na chamada economia de mercado. O que não pode ser naturalizada é a rapidez com que esse processo se deu no Brasil entre os anos de 1960 e 1980, onde afluíram para as grandes cidades cerca de 50 milhões de pessoas. O agravante deste processo histórico está na transformação – conforme já enunciado – da crise agrária de superpopulação em crise propriamente urbana, agravado pelo surgimento no final da década de 1970 de uma indústria mecânica pesada (departamento 1 novo) poupadora de mão-de-obra. Por outro lado, esgarça-se outra característica de uma via industrializante sem prévia reforma agrária: o aparecimento de um teratológico exército industrial de reserva como base de achatamento salarial, resultando – na ponta do processo – num absurdo esquema de distribuição de renda. Os “complexos” que se transformaram as favelas que se avistam no horizonte de qualquer cidade brasileira é a grande expressão desta anomalia de nosso processo de desenvolvimento industrial.
Neste sentido, a chamada “macrocefalia urbana” é o resultado – contraditoriamente – tanto de uma colonização com caráter de baixa urbanização, quanto de uma urbanização que se processou tão rapidamente, a ponto de as cidades brasileiras serem o lócus privilegiado onde a hipertrofia da contradição entre forças produtivas x relações de produção é latente, palpável e dolorosamente sentida, por exemplo, nos altíssimos índices de criminalidade. O futuro das cidades está na solução (ou não) desta contradição básica do modo de produção capitalista.

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A redemocratização do país coincidiu com seqüentes crises econômicas. Aliás, a própria ditadura militar entrou em débâcle com a crise da dívida do México em 1982. Anteriormente, na segunda metade da década de 1970, as crises do petróleo e o aumento da taxa de juros nos EUA abalaram as bases externas da dívida brasileira, colocando a nu os limites do chamado modelo nacional-desenvolvimentista. O que não impediu o país de encerrar, brilhantemente (repetimos), todas as etapas da 2ª Revolução Industrial, ainda no governo Geisel. Foi a época dos grandes empreendimentos nacionais. Itaipu, Tucuruí, Programa nuclear, Transamazônica, EMBRAPA, cabos ópticos submarinos, complexos agroindustriais e implantação do mais moderno metrô do mundo (SP). O país conseguira, inclusive, dotar estas obras com equipamentos nacionalmente manufaturados, o que é um paradoxo nada aparente diante de um momento – como hoje – em que exportamos minério de ferro, importamos trilhos e trens de segunda categoria seja da China, seja dos EUA.

A presente crise das cidades é a cara-metade de uma crise nacional nascida da incapacidade de seguidos governos em não enfrentar as contradições surgidas deste intenso processo de industrialização e urbanização suscitada entre 1930 e 1980. A bem da verdade, o processo de desenvolvimento não é nenhum mar de rosas, nem tampouco o caminho no rumo do “paraíso”. Como processo o desenvolvimento é o único caminho correto à solução de contradições, o que implica no surgimento de outra gama de contradições e assim por diante. O desenvolvimento é um caminho tortuoso, de “dores de parto”. Porém o custo da negação do processo de crescimento econômico – e, por conseguinte – do próprio desenvolvimento tem um custo que a própria sociedade brasileira (leia-se cidades) não tem conseguido suportar. A redemocratização, seguida da violência neoliberal, colocou no leme do pensamento “acadêmico” e mesmo das forças de esquerda uma metodologia cuja essência nega tanto o desenvolvimento, como a própria história do Brasil.

Não é incomum nos depararmos com arremedos de pensamento sociológico para quem tudo o que ocorreu no Brasil no século XX foi um verdadeiro “desastre”, que “tudo podia ser diferente” e que o Brasil “cresceu, mas não se desenvolveu”. Pontos de partida equivocados e que servem de base para uma prática governamental que relega à esquife da história problemáticas muito caras à reprodução dos países periféricos, entre elas o direito ao desenvolvimento, a centralidade da industrialização e o imperativo do planejamento.

Uma falsa separação entre uma dita agenda “social” da agenda “economicista” tem custado caro à própria (in) capacidade dos partidos de esquerda brasileira se apresentarem como alternativa real (de projeto, não de poder), não somente internamente, mas também num plano internacional onde países como China, Índia, Rússia, África do Sul, Malásia e Coreia do Sul têm na bandeira do crescimento rápido e acelerado o fio condutor ao enfrentamento de seus óbices internos e externos. Nestes países, ao contrário do Brasil, a “estabilidade monetária” só é passiva de realização com crescimento econômico, aprofundamento da industrialização e de agressivas estratégias mercantilistas externas. 

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Voltemos a fazer algumas relações. Falamos até aqui de um tipo de desenvolvimento (Via Prussiana), concebido sem plano, onde a permanência de uma estrutura agrária concentradora deu margem a uma urbanização e consequente êxodo rural sem precedentes tanto na história nacional como em nosso redor. Algo que podemos dizer que o Egito viveu por força tanto da construção da usina hidrelétrica de Assuam, quanto da destruição de sua agricultura por ingerências externas em matéria de política monetária aprofundadas na década de 1990 tanto pelo FMI, quanto pelo Banco Mundial . A agricultura egípcia e de outros países da África sucumbiu na mesma velocidade da incipiente indústria de dezenas de países africanos, o que explica em grande parte a onda de revoltas em andamento no mundo árabe.

Conforme já dito, essa via prussiana ao conceber uma tipologia de desenvolvimento concentrador de renda, lançando milhões de pessoas a uma busca pela vida nas grandes cidades, suscita um paradigma nodal para, tanto a sua reprodução, quanto à manutenção da paz social: a necessária continuidade do crescimento econômico, da abertura de novos campos de acumulação capazes de dar cabo a reprodução da vida humana e da própria sociabilidade das cidades e do país como um todo. Foi este desafio – do crescimento continuo – que levaram países como Japão e Alemanha (os percussores da via prussiana) a darem saltos espetaculares em matéria de desenvolvimento.

Uma visão que coloque o desenvolvimento como mote, necessariamente, se contrapõe a verdadeiras modas que povoam nossas universidades para quem se faz necessária um êxodo rural às avessas, mesmo num momento em que a agricultura suscita soluções de produtividade cada vez mais poupadoras de mão-de-obra e onde formas tidas como familiares de produção não alcançam escalas de produção suficiente para dar abrigo às necessidades de uma família camponesa. Pouca atenção se dá à cortante observação de Lênin onde se lê que “o futuro do campo é a cidade”.

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Neste sentido, a equivocada centralidade de uma “agenda social” completamente desconectada de uma agenda econômica, industrializante e desenvolvimentista choca-se com outro campo de limites teóricos e práticos: a ilusão orçamentária e fiscal. É de comum conhecimento os imensos limites impostos aos orçamentos municipais. Uma grande herança a ser enfrentada reside nas imensas dívidas públicas municipais que engessam, para fins de rolagem das dívidas, de 6% a 13% dos orçamentos.

Nos mesmos orçamentos, o financiamento da máquina consome – em média – mais de 50%; sem contar investimentos e gastos “carimbados” em saúde e educação. A “sobra de caixa” para fins de investimentos e afins não chega – no melhor dos casos – a 10% do total orçamentário, inviabilizando – assim – algum fôlego para bancar pelo menos um quinto das promessas de campanha.

Sobram aos governos duas saídas: gastos crescentes com policiamento tendo em vista a explosão de criminalidade que ocorre, de forma simétrica, ao intenso processo de desindustrialização e à geração de empregos de no máximo dois salários mínimos e a saída pela via do arrocho tributário sobre a classe média para fins de financiamento de políticas sociais justas, mas sem sentido estratégico. O que existe em nosso país hoje é uma grande transferência de renda das classes médias – cada vez mais descapitalizadas – para as classes pobres.

Infere-se uma aparência de “grande progressismo” sem analogia nenhuma com algum projeto de maior alcance. Está aí o limite conceitual de discursos que colocam no centro da “solucionática” dos problemas urbanos a implementação de “políticas públicas”, de “democratização do espaço público” e da construção de “cidades mais humanas” e na difusão de um chamado “modo petista de governar”, redundando em algo completamente sem pé, nem cabeça, mas com muito coração. Voltamos a enfatizar acerca da necessária pauta social, da necessidade de implementação de políticas públicas cujo retorno direto é a melhoria das condições de existência urbana, entre elas, a “compensação” pela via de transferência de renda a famílias cuja situação nem o próprio desenvolvimento poderá ser capaz de resgate.

Porém, o norte a ser seguido está na cunha a ser aberta diante da nacionalização da discussão de fundo dos reais problemas das cidades. O problema é político, estratégico e financeiro. Vamos tratar um pouco desta questão neste final de ensaio.

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Assim chegamos à chamada, por Marx, de “anatomia do macaco”. Trata-se de uma relação filosófica do conhecimento da anatomia do macaco a partir do pleno conhecimento da anatomia humana. Em digressão histórica, filosófica e econômica isso significa, por exemplo, que não daremos uma solução ao problema do campo fora do futuro das cidades. Nem tampouco, chegaremos a uma “solução final” para os problemas urbanos em desconexão com o grande problema/contradição nacional. E esse problema/contradição chama-se criação de um ambiente político e econômico à solução do óbice do desenvolvimento. A solução do problema urbano é parte da solvência do problema nacional.

O cotovelo da história que o Brasil chegou no início da década de 1980, que se agravou durante a década de 1990 e que ainda hoje carece de lucidez, tanto para sua percepção, quanto ao encaminhamento de uma solução é o problema do casamento entre uma estrutura industrial existente, sofisticada e diversificada com o papel histórico dos bancos no processo de desenvolvimento. A diferenciação política se dá a partir da prática política, da capacidade de reunir forças em torno de um projeto. Mas também se dá partindo de uma visão estratégica das cidades, das novas formas de financiamento da economia e, sobretudo, de criatividade para entender que se trata de um despautério creditar ao orçamento a única forma de encarar grandes problemas.
Havíamos dito anteriormente sobre novos campos de acumulação tendo as cidades como pólo. E bem acima reiteramos a necessidade de tomada do lugar histórico reservado ao sistema financeiro ao desenvolvimento nacional. Não precisamos ir muito longe para percebermos que a melhoria da qualidade de vida nas cidades depende de centenas de bilhões de reais de investimentos em centenas de linhas de metrô, faixas exclusivas para ônibus, novos e modernos ônibus, saneamento básico, água, luz, asfaltamento e mesmo a usando as políticas públicas para a área de cultura como um estarte para a formação de uma indústria, com cadeias produtivas próprias, da cultura.
Programas massivos de habitação, túneis, pontes, viadutos, viabilização do uso – em grande escala – de fontes limpas de energia no transporte público etc. Nada disso pode ocorrer em pequena escala; a grande escala é a garantia de maiores averages no PIB nacional, garantindo encomendas em empresas localizadas no território nacional; gerando efeitos sociais sob a forma de efeitos multiplicadores em todas as cadeias produtivas da economia nacional.

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O que propomos tem um alcance de revolução. Sim, pois seria uma verdadeira revolução o empenho de uma soma financeira gigantesca, centrado nas cidades, como forma de enfrentar os óbices de 30 anos de semi-estagnação. Um país das dimensões do Brasil necessita de viabilizar a formação de grandes bancos nacionais voltados diretamente ao suporte de novos investimentos nas cidades. Cada grande capital deve contar com seu próprio banco de investimentos.

O alcance transformador e radical inseridos nesta forma de conceber o futuro das cidades não é separada da necessidade de completa rediscussão dos parâmetros e limites das opções em matéria de política monetária feitas pelo nosso país nos últimos 20 anos. Os limites de nossas opções ficam óbvios nos altos índices de desemprego de jovens em cidades como Salvador, Brasília, Fortaleza, São Paulo e Rio de Janeiro. A opção pela indústria e por um desenvolvimento urbano que utilize plenamente a capacidade instalada de nosso parque produtivo demanda uma grande reviravolta de prioridades nacionais.

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Uma das expressões de uma hipotética reviravolta nas prioridades nacionais está na criação de um amplo ambiente para o investimento privado e o surgimento de pequenas e médias empresas capazes de absorver grande parte da mão-de-obra sobrante. Do ponto de vista da história, e mesmo da conjuntura, é interessante notar o fato de estar na hora de a iniciativa privada tomar seu lugar no país. Um grande país capitalista, cujo desenvolvimento futuro demanda a formação de um poderoso capitalismo de Estado, tem na iniciativa privada seu elo com características de principalidade; algo que demanda visão estratégica, desideologizada e que na ponta do processo redunde no fortalecimento do próprio Estado Nacional.

Um sistema financeiro “citadino” deveria servir de base, além dos grandes bancos públicos e privados, a uma maior participação da iniciativa privada em grandes empreendimentos nas áreas de transporte, energia e saneamento básico. A formação de conglomerados privados para a execução de grandes obras públicas seria o grande fôlego tanto para a formação de capital, quanto numa grande política para geração de emprego, renda e inclusão social. É nodal levar às últimas conseqüências mecanismos de concessão de serviços públicos para empresas privadas nacionais e da articulação de Parcerias Público-Privadas (PPP`s) no processo de planejamento e execução dos já ditos, e necessários, empreendimentos.

O debate é complexo, demanda mente aberta e visão histórica. A retomada do desenvolvimento em larga escala nas cidades é o antídoto capaz de reverter esta, conforme epígrafe, “liturgia anticidades” muito forte seja no pensamento sociológico brasileiro, seja na própria concepção de desenvolvimento social muito presente no dia-a-dia do chamado “pensamento progressista”.

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Por fim, alguns dados para reflexão:

1. Tem ocorrido uma queda extraordinária das exportações industriais brasileiras. Eram 58% do total em 2000 e caíram para 38% em 2011. O déficit da balança industrial alcançou U$S 37 bilhões em 2010. Ao mesmo tempo, as exportações primárias (minério de ferro / soja), que eram 22% em 2000, aumentaram para 46% em 2010; e se somarmos celulose e pasta de papel, ultrapassam os 60% durante esse período. Elas dobraram em 10 anos.

2. Este processo coincide com uma extraordinária valorização de 119% do real, entre 2004 e 2011. Segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI), 45% das empresas industriais que concorrem com produtos chineses perderam participação no mercado nacional entre 2006 e 2010; e com 67% das empresas exportadoras aconteceu a mesma coisa. Os fatores por trás da perda de mercado são o alto custo de produção e a baixa produtividade / competitividade, agravada pela valorização do real.

3. Os custos de produção estão diretamente relacionados com o custo do capital, com uma taxa de juros de 12% ao ano, três vezes superior ao da China; e uma pressão impositiva que é de 37% do PIB, duas vezes e meia a da República Popular da China. E ainda há o “custo Brasil”: modernização insuficiente da infraestrutura e do sistema público, baixa produtividade e altos custos de produção. O papel do Brasil no comércio internacional é essencialmente passivo; seu superávit depende do preço das commodities no mercado mundial (demanda chinesa) e não do próprio Brasil.
Qual o futuro das cidades brasileiras com a continuidade e o aprofundamento do processo descrito acima? Existe alguma alternativa às cidades diante desta realidade?

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

MAMIGONIAN, Armen. “Notas Sobre a Geografia Urbana Brasileira”. In, SANTOS, Milton (org): Novos Rumos da Geografia Brasileira, pág. 205. Editora Hucitec. São Paulo, 1982.
RANGEL, I. “A história da dualidade brasileira”. In Revista de Economia Política n° 1, vol.4, p. 5-34, jan-mar/1981. Disponível em: http//www.rep.org/pdf/04.pdf
_________. “Dualidade Básica da Economia Brasileira” (1957). In, Obras Reunidas de Ignacio Rangel. Vol.1, pág. 297. Editora Contraponto. Rio de Janeiro, 2005.

Fonte: Revista Dialética