Um belo dia, um funcionário chamado Muritiba, aplicador das infrações, chegou ressabiado ao seu gabinete. É que entre os que achavam que a praça pública era uma extensão de sua fazenda estava o pai de Graciliano, o senhor Sebastião. “Lavre a multa, prefeito não tem pai”, disse o futuro romancista.

Essa passagem está contada no livro “Graciliano – Retrato Fragmentado” (Globo), escrito pelo seu filho Ricardo Ramos. A obra chega às livrarias em edição revista com novas fotos, apresentações e um estudo inédito.

Em um país onde a corrupção e o nepotismo sempre foram regra, Graciliano ensinava requisitos mínimos para a função pública. Como não separava a arte da política, mais tarde se filiou ao Partido Comunista e foi preso pela ditadura do Estado Novo. Essa fase de sua vida, descrita em “Memórias do Cárcere”, não poderia estar ausente do livro.

O que fisga o leitor, no entanto, é o retrato detalhista, feito de impressões fragmentadas pelo filho Ricardo, ele também escritor e falecido em 1992, no mesmo dia e mês em que o pai morrera 39 anos antes: 20 de março. Salta aos olhos, por exemplo, o lado metódico do artista.

Escreve Ricardo: “Madrugada ainda, pois se levantava antes das seis, a primeira tarefa era cuidar da mesa. Mais que limpa, a qualquer hora parecia envernizada. E posta em ordem: os dicionários à esquerda, as pastas e pilhas de folhas à direita, os lápis apontados, os maços de cigarro, o cinzeiro. Ao centro o que escrevia.”

Graciliano tinha aversão à palavra “algo” (“crime confesso de imprecisão”), a reticências (“melhor dizer do que deixar em suspenso”) e a exclamações (“não sou idiota para viver me espantando”). Um dia, pediu ao filho para limpar os “ques” do livro “Angústia”. Ricardo só encontrou quatro desnecessários.

Radical, Graciliano não via valor na música nem na poesia, que achava uma arte menor. Só não escapou do cinema, ao qual sua obra chegou pelas mãos de Nelson Pereira do Santos. Antes de dirigir “Vidas Secas”, o cineasta quis filmar “São Bernardo”. Não foi autorizado. Mais tarde, ele explicou a razão: queria tornar o desfecho mais positivo e não matar a personagem Madalena. Graciliano, claro, não permitiu.

Com informações da IstoÉ