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    Cidade Amazônia, urbefloresta: cidade-mulher

    Cidade Amazônia, urbefloresta: cidade-mulher Uma vez estando eu prisioneiro de uma cidade estranha que nem o aventureiro “manco de Lepanto” no cárcere tendo escutado dizer que já não se salvarão mais as florestas senão por cidades-florestas e aldeias-globais nas quais homens, mulheres, crianças e animais tiverem direitos, deveres e princípios iguais paresque a política antiga […]

    POR: Redação

    6 min de leitura

    Cidade Amazônia, urbefloresta: cidade-mulher


    Uma vez estando eu prisioneiro de uma cidade estranha
    que nem o aventureiro “manco de Lepanto” no cárcere
    tendo escutado dizer que já não se salvarão mais as florestas
    senão por cidades-florestas e aldeias-globais
    nas quais homens, mulheres, crianças e animais
    tiverem direitos, deveres e princípios iguais
    paresque a política antiga da arca de Noé durante o Dilúvio
    e agora a tal mudança climática ou seja lá que for
    tive eu mais um sonho impossível: vencer o inimigo invencível
    me sagrar cavaleiro andante no reino das amazonas
    que nem Dom Quixote de la Mancha e com ele por camarada
    sair caminhando pelo sertão deste devastado mundo
    até finalmente encontrar dentre a mulherada perdida
    na zona equatorial minha Dulcineia ideal
    voar num limite improvável arriba de los Andes
    n’América do sul e Caribe
    tal qual o Libertador Bolivar
    tocar o inacessível chão, um outro mundo possível
    assim com o engenhoso cavaleiro fazer minha própria lei
    virar este mundo, cravar este chão…

    Por momento embriagado deste desconforme sonho
    deu-me ganas de arquitetar uma cidade nova amazônica
    capaz de abrigar todas cidades e ilhas do mundo
    e preservar o desertão deste mundo velho prestes a se acabar
    não me importei de saber quantas guerras terei de vencer
    só por um pouquinho de paz
    nem tampouco igual ao louco cavaleiro da triste figura
    se amanhã ou depois de amanhã este chão que beijei
    será meu leito e perdão
    só assim hei de saber ou não
    se valeu a pena delirar e morrer de malária ou paixão…

    Então na cela desta cadeia compreendi que há mais quixotes
    do que compete minha vã filosofia
    por toda eternidade há só duas idades
    para ler o velho fado de cavalaria de Cervantes
    a primeira é na mocidade para rir e se divertir da arte medieval
    depois dá pra chorar e compreender, enfim
    que a antiga Mancha armorial se acha em todo mundo espalhada.


    Após tamanha meditação achei-me pronto a cometer a façanha
    por arte mágica aprendida dum pajé-açu sem escola do qual fui aprendiz
    fiz o homem da Mancha engabelar seu criador
    e aliciar Sancho Pança com promessa de doação
    da capitania hereditária da ilha Barataria (pra não dizer Marajó)
    dizendo ele ao outro ser o paraíso perdido
    e depois achado por acaso na terra dos Brasis
    ou seja a justa e perfeita Terra sem males abaixo do equador
    que o piloto Vicente Pinzón dizia ter achado primeiro e guardado
    a sete chaves (justo a aldeia dos Aruãs que veio a ser Vila de Chaves):
    já não sei mais os detalhes da fuga de Dom Quixote d’além mar
    nem vou enfadar o leitor com explicações desnecessárias
    quando a lógica tem muito valor para a ciência
    mas, paciência, ela não garante final feliz a nenhuma história.
    Aí de mim! Só sei que foi assim:
    Dom Quixote de la Mancha veio parar no rio das almazonas
    a bordo da galera dos turcos encantados
    quando a caravela mágica fez escala em Gibraltar
    embarcando ele como cruzado de Dom Sebastião rumo ao Maranhão
    com sua pífia cavalaria a bordo e a bagagem carregada de sonhos.

    Confesso:
    Fui aproveitador pois carecia tomar emprestado alta dose de loucura
    Juro pela fé da mucura! Com Dom Quixote por consultor e Sancho gerente
    pensei em me atrever a dar melhor acabamento à história mal contada
    do projeto e construção
    da enfezada Belo Monte, outrora Kararaô mais feia ainda,
    atravancando a Volta Grande do Xingu
    inventando final feliz pra toda gente, principalmente os índios
    e cabocos meus parentes
    edificando ali com arquitetos Bororo
    sob chancela de Lévi-Strauss na ponta da prancheta cósmica
    já visto por acaso no teto de aldeias Wayanas, no Tumuc-Humac,
    o emblema sideral da Cobragrande Tuluperê descida à terra do Xingu…

    Mas é preciso praticar o Kuarup lá no alto da cabeceira do rio
    pra saber se ainda há salvação à civilização para todos
    se é possível conviverem todas gerações bárbaras ou não
    passado, presente e futuro encarnado numa mesma criatura
    sob figura e fundo duma renascida cidade-mãe gentil
    do coração da antiga e venerável terra Tapuya sacrificada
    no altar da Civilização industrial.
    Um plano urbano muito louco, mas não doido com diz a canção!

    A travessia do velho ao novo continente foi rápida como um raio:
    Mas porém cada milionésimo de segundo valiam séculos e séculos…
    só esta magia arrebatadora poderia explicar tão boa companhia
    entre a pinta sebastiana e a pilotagem de alto curso
    busca de muiraquitã no País de Ofir
    o rei mouro Pai Turquia no comando da nave encantada
    prenúncio de paz mundial em embaixada a casas de Mina
    e terreiros de umbanda do Maranhão e Grão-Pará
    Mariana e Herundina troçando da insustentável magreza
    de Rocinante
    Guerreiro de Alexandria dizia gordo é o Vento
    e mais rápido que um árabe puro sangue o Relâmpago
    mas porém, ‘mea’ mana Sherazade das mil e uma noites
    ultramarinas contadas pelas margens do Salgado
    barrancas do Nhamundá e sobradinhos de Óbidos
    Manaus acima até Barcelos
    o magriço Pensamento é o mais ligeiro de todos cavalos alados
    que há no céu, na terra e no fundo do rio-mar
    inclusive mandinga de cavalo marinho
    assim como são infindas as famílias encantadas
    ou não
    por terras, mares, oceanos, lagos, rios, igarapés e igapós
    do vasto e ainda desconhecido mundo achado e por achar.

     

       José Varella, Belém-PA (1937), autor dos ensaios “Novíssima Viagem Filosófica”, “Amazônia Latina e a terra sem mal” e “Breve história da amazônia marajoara”.

    autor dos ensaios “Novíssima Viagem Filosófica” e “Amazônia latina e a terra sem mal”, blog http://gentemarajoara.blogspot.com