O Brasil e os tempos de crise
Sarkozy teme que a Europa exploda, e quer uma solução urgente para o problema econômico do continente. O Tratado de Roma, de março de 1957, envelheceu. As confederações, e a Europa Unida é uma delas, têm a vigência das circunstâncias, amarradas ao perigo ou à esperança, mas se dissolvem quando um estado ou um grupo de estados pretendem nelas exercer a hegemonia. Assim ocorreu com a Confederação de Delos, que havia unido o mundo grego contra os persas. Ela sucumbiu diante do imperialismo ateniense, que levou à Guerra do Peloponeso. A definitiva dissolução ocorreu com a invasão de Filipe da Macedônia, em 378 a.C. – e a Grécia, também nisso, foi um modelo de todas as confederações e impérios do Ocidente.
O mundo chegou a essa exasperação da crise por falta de estadistas. Chegamos a uma situação na qual Ângela Merkel e Sarkozy resolvem ditar o comportamento dos demais países da Europa, e encontram o contraponto de um velho rival histórico, a Inglaterra – também sob o poder nominal de outro governante medíocre, David Cameron. Todos eles estão fazendo de conta, porque quem está mandando não são eles: é o quase senhor do mundo, o Goldman Sachs Bank que, neste momento, exerce o poder de fato e de direito na Itália, com Mário Monti; na Grécia, com Lucas Papademos; e dirige a economia de todo o continente, mediante o Banco Central Europeu, com Mário Draghi. Todos os três são empregados do Goldman.
Houve, ontem, importante encontro no Itamaraty, promovido pelo Embaixador Gilberto Sabóia, presidente da Fundação Alexandre de Gusmão, para discutir a atualidade das relações internacionais. Foram convidadas personalidades do mundo acadêmico, para tratar do assunto, sob o foco da crise política e econômica mundial. Na parte da manhã, que se concentrou nas relações diplomáticas e no estado político do mundo, intervieram os professores Carlos Milani, da Uerj; João Daniel de Almeida, da Universidade Cândido Mendes; Alcides da Costa Vaz e José Flávio Saraiva, da UNB. Na parte da tarde, dedicada aos aspectos econômicos da crise, falaram Antonio Correa de Lacerda, da PUC, de São Paulo; Antonio Jorge Ramalho Rocha, da UNB; Ricardo de Medeiros Carneiro, da Unicamp, e Márcio Pochmann, presidente do IPEA. Mas, mesmo as análises econômicas foram, como é natural, conduzidas pelas preocupações políticas.
A conclusão de quase todos os expositores é preocupante: temos que mobilizar a nação inteira, a fim de nos confrontar com o futuro em que todos os cenários de catástrofe são prováveis – entre eles os da guerra em prazo curto ou, se dela escaparmos, de nova configuração do poder que não nos serve – se a inteligência do mundo não optar pelo multilateralismo e a autodeterminação dos povos, como regra para a arbitragem dos conflitos.
O problema atual se iniciou com o fim da guerra fria, quando a desregulamentação transferiu para o poder financeiro as decisões políticas, com o esvaziamento dos estados nacionais. Para se ter uma idéia, o mercado de capitais, sob o domínio dos grandes bancos, movimenta hoje de 5 a 6 vezes o PIB mundial – e o de derivativos é também alucinante: seu volume é equivalente a 435 trilhões de dólares, ou seja cerca de 30 vezes o PIB dos Estados Unidos. As instituições criadas com o fim da 2ª Guerra Mundial perderam seu sentido, a partir do Acordo de Bretton Woods, que deixou de existir no momento em que se abandonou o padrão ouro como garantia do dólar norte-americano, por decisão unilateral de Washington. Isso trouxe, na definição de um dos participantes, tempestade de dólares sem lastro sobre o mundo.
A desregulamentação – com o fim do Welfare State – permitiu o desatino, de que hoje todos os povos são vítimas, entregues à voracidade do poder financeiro. Um poder financeiro ( e essa é a opinião do colunista, não do encontro) dominado por criminosos, como os já identificados de Wall Street, entre eles o ex-senador por Nova Iorque e ex-governador de Nova Jersey – depois de ter sido presidente do Goldman Sachs – Jon Corzine, que ontem pediu desculpas aos clientes de sua corretora MF Global. Diz não saber aonde foram parar mais de um bilhão de dólares dos recursos de seus clientes, que ele administrava.
As perspectivas não animam. No melhor dos cenários, como apontou o professor Medeiros Carneiro, a China e os Estados Unidos, em parceria, assumem o condomínio do mundo. No pior dos cenários, o futuro, como vem sendo, será decidido pelas armas.
De um modo geral todos concordaram que nós, brasileiros, temos agido no caminho certo. Mas ainda é pouco: é necessário investir pesado na educação. Temos muitas universidades e muitos alunos, mas, com a exceção dos centros de excelência das universidades públicas, a qualidade do ensino é lastimável. Como assinalou Pochmann, só temos 5% dos jovens na idade própria freqüentando as universidades, enquanto no Vietnã – massacrado e arrasado pelos norte-americanos – essa relação é de 34%. Como sabemos, o problema é de base: a educação elementar, no Brasil, é das piores do mundo.
Pochmann demonstrou que as grandes corporações associadas ao capital financeiro, dominam hoje o mundo: os ativos dessas grandes empresas transnacionais correspondem a 47% do PIB mundial. Não se subordinam aos estados nacionais: os estados nacionais é que se subordinam aos seus interesses.
O Embaixador Baena Soares, que moderou o encontro da manhã, lamentou a ausência da imprensa, em dois encontros internacionais ocorridos recentemente em Manaus, um deles entre todos os paises que compartilham da soberania amazônica. Em tom bem humorado, lamentou que Lady Gaga ali não estivesse, para atrair todos os grandes meios de comunicação. No encontro de ontem, no Itamaraty, estava presente um atento jornalista chinês, o que não deixa de ser uma advertência.
Fonte: blog do autor