O Sr. Acha que essa Comissão da Verdade tem futuro?

CLÓVIS BARBOSA – Tem sim, desde que não extrapole os seus objetivos. A Lei que criou a Comissão da Verdade é para examinar e esclarecer as graves violações dos direitos humanos ocorridos no Brasil de 1946 a 1988. Como a própria Lei diz: “a fim de efetivar o direito à memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional”.

Deve, por exemplo, esclarecer o local onde se encontram os restos mortais dos guerrilheiros do Araguaia e de todos aqueles que foram mortos e desaparecidos, principalmente durante o período da ditadura militar, ocorrida a partir de 1964.

Muitos cidadãos foram desaparecidos e assassinados e os seus parentes até hoje não tiveram o direito de saber o paradeiro dos seus corpos.

O grande desafio, portanto, da Comissão da Verdade, é justamente esclarecer os fatos e as circunstâncias dos casos de tortura, mortes, desaparecimentos forçados, ocultação de cadáveres e sua autoria, identificar e tornar públicos as estruturas e os locais das prisões e, se possível os aparelhos onde os presos políticos eram torturados. Para isso, a Comissão vai contar com toda infraestrutura estatal que deverá auxiliá-la, fornecendo toda e qualquer informação solicitada.

Mas o Sr. não acha que essa Lei entra em choque com a Lei da Anistia? Como é que ela vai poder processar, digamos, uma pessoa acusada de ser um torturador, quando ela já foi anistiada?

CLÓVIS BARBOSA –

Em primeiro lugar, é bom esclarecer que a Comissão da Verdade não é um Tribunal, nem um órgão processante. Ela não tem poder para isso. O seu objetivo, como já dito, é examinar e esclarecer os fatos ocorridos no período de 1946 a 1988, durante a fase de exceção, dando oportunidade à sociedade e aos parentes dos mortos e desaparecidos de conhecer a tragédia ocorrida com os cidadãos e entes queridos.

É verdade que em um ou outro caso, desde que não viole a Lei da Anistia, que é de 1979, poderá até, a Comissão, encaminhar para o Ministério Público pedido de abertura de procedimento criminal. É verdade, também, que quando da sanção da Lei da Comissão da Verdade, pela presidente Dilma Rousseff, a própria ONU, através da Alta Comissária de Direitos Humanos, a Sra.

Navi Pillay, apesar de elogiar a iniciativa do governo brasileiro na criação da Comissão, alertou para a necessidade de se revogar a Lei de Anistia de 1979, pedindo, inclusive, a punição daqueles que foram responsáveis pela violação de direitos humanos no passado. Isso é impossível, pois a Lei de Anistia cumpriu com o seu papel naquele momento histórico.

Em abril de 2010, numa tentativa de revisão da Lei de Anistia, os Ministros do Supremo Tribunal Federal entenderam que a anistia atingia os dois lados, as vítimas de crimes de violações de direitos humanos e os agentes do Estado responsáveis por esses crimes. Portanto, seria uma aberração jurídica revogar uma Lei desse tipo. 

Fonte: Blog Primeira Mão