Reflexões sobre o que ocorre na Síria
A verdade sobre a Síria
1. Historicamente, é o 2º mais importante país do OM, ainda que não seja rico em petróleo e gás. Chegou a estabelecer uma República Árabe Unida com o Egito sob o comando de Nasser. Possui amplas relações políticas e econômicas com o vizinho Líbano, a quem hoje se aproximaram ainda mais desde janeiro com o governo de Nagib Mikat.
2. É governado pelo Dr. Bashar El Assad, médico oftalmologista com formação em Londres, que sucedeu na presidência ao seu pai, Hafez El Assad. Esta desde 2000 no poder. Pertence ao Partido Socialista Árabe Sírio – Baath. Governa em coalizão de frente ampla, incluindo o PC Sírio e o PC Sírio Unificado, além de organizações socialistas e de caráter antiimperialista.
3. Em Damasco, sua capital, estão as sedes de todos os partidos políticos de caráter antiimperialistas, árabes, em especial as organizações palestinas da resistência. Isso vem irritando há anos os EUA e Israel, que acusam a Síria de dar guarida a “grupos terroristas”. Ai estão incluídos o Hamas, a FPLP, a FDLP e a Jihad Islâmica.
4. Dos países árabes na atualidade, depois da tomada de controle do Iraque pelos EUA é o país que mais apoia a luta do povo palestino na busca da edificação de seu estado nacional. Acaba por estabelecer, em função disso, boas relações com a FPLP, a FDLP, o PC Palestino (hoje Partido do Povo palestino), com o Hamas e a Jihad Islâmica, além, claro, do Fatah, o maior agrupamento palestino na resistência.
5. É praticamente, ao lado do Egito, do Iraque e da Líbia (estes últimos ocupados), o país mais laico do OM. Ainda que a sua população seja majoritariamente muçulmana, o estado é separado da religião, as mulheres não usam veu e possuem amplas liberdades políticas.
6. Insufladas do exterior, em especial pela Arábia Saudita e Turquia e por baixo dos panos até por Israel, protestos começaram a ocorrer na esteira da revolução árabe. Apoiados pela mídia ocidental antiislâmica e pró-estadunidense e sionista, a impressão que se passa é que o povo quer a “imediata derrubada do regime do ditador Assad” (sic). Imagens nunca veiculadas pelos canais internacionais e brasileiros que os retransmitem mostram e disponíveis amplamente na Internet, no entanto, milhões de sírios em total apoio ao governo da Síria.
7. O que se vê hoje na Síria são dois grupos da chamada oposição. Uma delas, a “oposição externa” e outra que chamamos de “oposição interna”. A externa, tem sede em Londres e Istambul, formada por pessoas que vivem fora do país há décadas e totalmente comprometidas com a derrubada do governo e prontas para servirem aos interesses estrangeiros. Recebem suporte político e financeiro dos EUA. Hilary recentemente encontrou-se com vários deles, que tem amplo espaço na mídia internacional, inclusive a brasileira que já entrevistou vários desses “líderes”. Pregam abertamente uma decisão da ONU que faça com a Síria o que foi feito com a Líbia: “bombardeio humanitário”. Recebem armas contrabandeadas na fronteira, apoiados pela Arábia Saudita e Turquia, algumas inclusive desviadas do arsenal líbio, sem qualquer controle.
8. A oposição interna dialogo e participa do chamado Diálogo Nacional Síria. Convocado pelo governo, já deu grandes passos no sentido da democratização do país, convocação de eleições livres em maio, suspensão do controle da imprensa e legalização de todos os partidos políticos. Tanto a oposição quanto o governo, não aceitam ingerência alguma nos interesses e nos destinos da nação Síria.
9. Assad segue tendo amplo apoio das classes médias urbanas, dos setores empresariais, das minorias religiosas que temem ser esmagadas pelos integrantes da Irmandade Muçulmana mais conservadora e sectária. Há um bloco informal, não declarado, de três países hoje no OM que jogam pelo avanço das transformações no mundo árabe e no avanço da luta e da resistência antiimperialista: a Síria, o Líbano e o Irã (que é persa). Soma-se a isso mais recentemente o Iraque, que com um governo xiita, vai se afastando da órbita estadunidense e aproximando-se desse bloco informal.
10. A Liga Árabe, ou o que restou dela, foi tomada de assalto pelo países membros do CCG, Conselho de Cooperação do Golfo, que é integrado por oito petromonarquias feudais, lideradas hoje pela Arábia Saudita e pelo Qatar (a rede Al Jazeera, que cumpriu num primeiro momento importante papel em apoio à luta dos tunisianos e egípcios, hoje trama abertamente pela derrubada de Assad e apoia os militares no Egito, buscando frear o avanço da Revolução Árabe). Por isso, com votos contrários apenas da própria Síria, Iraque e Líbano, a República Árabe Síria foi suspensa da organização.
11. Rússia e China vem bloqueando no CS da ONU todas as tentativas dos EUA, França e Inglaterra de votarem tanto sanções quanto autorizarem “ataques humanitários para proteger civis” (sic).
12. A única fonte que a mídia ocidental tem dos números de mortos, da “contagem de corpos” na Síria é uma ONG “humanitária” que tem sede em Londres e de propriedade de um dos membros do Conselho Nacional Sírio, a chamada oposição externa. Sabe-se, por fontes do próprio governo, que mais da metade dos mortos foram de policiais e membros das forças armadas que são atacados por mercenários e terroristas, que, inclusive, disparam aleatoriamente na multidão. Mais recentemente soube-se que muitos dos nomes desta “ONGs” estão vivos e foram obtidos em lista telefônica londrina!
13. A Rússia deslocou uma das suas frotas navais para a costa síria e vem testando seus sistemas antimísseis exatamente no porto de Tartus, importante cidade costeira mediterrânea, comercial e industrial do país (alguns desses armamentos incluem mísseis S-300, diversos destacamentos de tanques de guerra, 15 caças SU-33, mísseis P-700 com foguetes hipersônicos, sistemas de mísseis antiaéreos com 192 foguetes e muitos helicópteros). A Rússia e a China integram a APEC, organização de cooperação econômica na Ásia, inclusive que vem tomando feições militares, para um equilíbrio com as forças da OTAN, já que o antigo Pacto de Varsóvia foi desfeito há vinte anos.
14. Os BRICS, apesar de certo vacilo que vem sendo cometido pela diplomacia brasileira sob comando do ministro Patriota, vem obstaculizando toda e qualquer sanção contra a Síria. É como se dissessem “tirem as mãos da Síria” ou “esqueçam qualquer tipo de intervenção externa na Síria”. Pelo menos, até o presente momento, essa vem sendo a essência das decisões conjunto desse bloco dos cinco maiores países em desenvolvimento.
15. A Síria é a “bola da vez” do imperialismo. Este sabe que a queda do governo do Partido Baath e seus aliados progressistas altera profundamente a correlação de forças no OM. Isso, já vem desde o Bush filho em 2005. Agora viram oportunidades mais concretas, apoiados por traidores que pedem ajuda estrangeira para atacar seu próprio país. Se existe o que se vem chamando de “Eixo da Guerra”, composto pelos EUA, França, Inglaterra, Itália, Canadá e Alemanha, no Oriente Médio temos o “Eixo da Resistência” ao imperialismo, composto pelo Irã, Síria, Líbano e agora o Iraque, com apoio dos palestinos.
16. A queda de Assad, altera completamente a correlação de forças na região, em especial no governo do Líbano. Os partidos que integram a coligação pró-EUA e simpática à Israel, chamada “14 de Março”, comandada pelo ex-primeiro Ministro Saad Hariri estão organizando em Beirute diversas manifestações contra o governo sírio para desestabilizar o governo de Mikat, integrado pelo Hezbolláh, pelos cristão patrióticos do MPL do general Michel Aoun, do AMAL de Nabi Berry e pelos comunistas do PC Libanês, que tem mais de 80 anos e é dos mais respeitados em todo o mundo árabe. Cair o atual governo libanês é frear ainda mais a revolução árabe.
17. O que vemos hoje na Síria é um processo de luta política onde os dois lados estão armados. A oposição que se autointitula Exército Livre da Síria (sic) integrado por mercenários, baderneiros e terroristas contratados e pagos pela Arábia Saudita, que montaram um acampamento na fronteira com a Turquia, recebe grandes carregamentos de armamentos contrabandeados. A orientação para esses terroristas é inclusive atirar indiscriminadamente na multidão, matando cidadãos sírios para jogar a culpa no governo.
18. Não poderíamos deixar de lamentar que um brasileiro honrado, o Dr. Paulo Sérgio Pinheiro, nosso colega sociólogo, que inclusive nos prestigiou na passeata em apoio ao Estado da Palestina no dia 20 de setembro de 2011 em SP fazendo inclusive o uso da palavra, tenha se prestado a emitir um relatório em nome da ONU divulgado amplamente e reverberado por toda a mídia internacional. Sem ter pisado em solo sírio, sem ter ouvido nenhuma fonte do lado do governo, ouvindo as tais ONGs “humanitárias” financiadas por Washington, desancou a atacar indiscriminadamente o governo sírio. Sabe-se inclusive que foi auxiliado por uma colaboradora da CIA, a Srª Karen Koning Abuzaid, membro do Conselho Diretor do Midle East Policy Council cujo presidente, Frank Anderson que trabalhou por 26 anos na Agência e foi diretor para o OM da CIA (Hora do Povo de 2 a 6 de dezembro de 2011, página 6, por Nathaniel Braia);
19. Já não há mais dúvidas. Há uma imensa falsificação nos números de mortos divulgados como se fossem todos eles assassinados pelo governo. Os dados mais confiáveis indicam que de cada dois mortos no conflito no momento, pelo menos um vem do lado das forças do exército e da polícia síria;
20. Bandidos armados que agem abertamente em diversas cidades sírias vêm sendo apresentadas pela mídia ocidental como sendo “desertores do exército sírio”, que passou a adotar o nome de “Exército Livre da Síria” (sic), que atua na fronteira da Turquia com o beneplácito desse país e que é coordenado por um coronel estadunidense;
21. Nenhuma das gigantescas manifestações realizadas por diversas vezes em todas as grandes cidades sírias – fartamente documentado na Internet nos sites de vídeos – são mostradas pelas redes internacionais de TVs ocidentais. Até mesmo a TV outrora apoiadora dos primeiros levantes árabes – controlado pelo Emir do Qatar – a Al Jazeera as mostra. As redes preferem imagens de péssima qualidade feitas por celulares de opositores que mostram pouquíssimas pessoas nas manifestações contra o governo.
Algumas conclusões
É preciso deixar claro que a defesa de qualquer tipo de intervenção estrangeira na Síria hoje – proposta inclusive por alguns ditos “esquerdistas” de várias matizes – implica em aceitar tacitamente um ataque, bombardeio de potências estrangeiras nesse país árabe.
Que não tenhamos dúvidas. Atacar hoje a Síria esta relacionado diretamente com o enfraquecimento da luta do povo palestino. Hoje esse país árabe é o que mais firmemente defende essa causa. Não só a defende na teoria. Abriga os escritórios políticos dos principais grupos políticos que tem mais dificuldades em atuar tanto na Cisjordânia como no restante da Palestina ocupada, em especial o Hamas, a FPLP, a FDLP e a Jihad Islâmica. Não bastasse isso, a Síria apoia com firmeza a resistência libanesa, materializada no Partido de Deus (Hezbolláh em árabe), que forma hoje o governo libanês.
Não se pode perder de vista e momento algum que, tecnicamente falando, a Síria esta em guerra com Israel, desde a tomada de suas terras localizadas nas Colinas do Golã em 1967.
Saúdo a firmeza do presidente Bashar no sentido de compreender este especial momento delicado que a Síria e o mundo árabe vivem. Do diálogo que tem empreendido com as forças sírias interessadas na construção e no avanço da democracia, das reformas do Estado sírio, nas amplas liberdades de comunicação, partidária e de imprensa. Mas que rechaçam toda e qualquer intervenção externa que ameace a soberania síria.
É praticamente impossível fazermos qualquer previsão sobre o futuro mais imediato. Os argumentos que aqui apresentamos, fruto de muitas pesquisas e análises, são os que entendemos como os mais ajustados para a realidade. Esperemos que o povo e o governo da Síria, de forma altiva e soberana encontrem os seus caminhos que voltem a valorizar a Nação Árabe e seu legado para a humanidade.
Fontes Pesquisadas e Citadas
Alain Gresh, do Le Monde Diplomatique, edição Brasileira de dezembro de 2011, “Terremoto Geopolítico no Oriente Médio”, páginas 28 e 29;
Federação Geral dos Sindicatos da Síria – GFTU – Documento de 30/11/2011;
“Intervenção estrangeira na Síria: que ninguém se engane”, de Ibrahim Al Amin, do jornal Al Akhbar, Beirute;
“A guerra contra a síria”, de David Orra, de 1º de janeiro de 2012 (sem indicação de site);
“A realidade sempre mal contada na mídia sobre a Síria”, de Aisling Byrne, do Asian Times On Line, de 4 de janeiro de 2012;
Anotações e reflexões do coletivo de tradutores da vila Vudu.
* Lejeune Mirhan é sociólogo, professor e escritor