“Anistia não deveria beneficiar torturadores”

O presidente da Associação dos Magistrados de Sergipe (Amase), juiz Paulo César Cavalcante Macedo, defende o pleno funcionamento da Comissão da Verdade na esfera federal e entende que nos Estados elas podem ser ativadas com a progressão dos trabalhos da comissão criada pela presidente Dilma Rousseff.

“Acho que, no Brasil, os acusados de tortura não deveriam ter sido abrangidos pela lei da anistia e deveriam ter sido processados com o direito à ampla defesa e todas as garantias processuais”, afirma. Paulo Macedo diz ainda que em Sergipe, não se percebem benefícios da atuação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), talvez porque seja o Estado com o judiciário melhor organizado da nação.

JC – O senhor é favorável ou contra a criação da Comissão da Verdade nos Estados? Por quê?

 

PM – Sou contra. A criação da comissão Nacional da Verdade é fenômeno recente e tal comissão ainda não apresentou o relatório final do trabalho para o qual foi criada. O
propósito da criação da comissão Nacional da Verdade é nobre. Tudo que colabore para esclarecer, apurar os muitos crimes de tortura e violações à Declaração dos Direitos
Humanos praticados principalmente durante a ditadura, é um bem que se faz à história e ao amadurecimento de uma sociedade. Não se pode silenciar pela ação do tempo. A comissão não tem poder de punir ou julgar, mas abrirá o debate, colocará à luz da sociedade brasileira, os suspeitos e os agentes públicos que praticaram ou colaboraram com a ditadura. Mas, por se tratar de um personagem novo no cenário político e jurídico nacional, é preciso que se dê tempo ao tempo para que se possa apreciar o resultado
prático da sua existência. Neste contexto, parece-me precipitação falar em criação de Comissão da Verdade nos Estados, quando ainda se encontra em fase “experimental” a Comissão Nacional da Verdade que tem competência para atuar em todos os estados.

JC – Deve-se punir quem torturou ou matou nas ditaduras brasileiras, como se faz na Argentina?

PM – A lei de Anistia é polêmica. Vai completar 33 anos sob a pecha de que foi feita sob medida para proteger os torturadores. Em 2010, lamentavelmente o STF foi contra a revisão da lei, fazendo a afirmação de que a tortura, amplamente praticada numa fase de nossa História Contemporânea, teve a ressalva de crime político, razão pela qual os praticantes da tortura foram anistiados. Cada país se reconcilia como pode. Acho que, no Brasil, os acusados de tortura não deveriam ter sido abrangidos pela lei da anistia e deveriam ter sido processados com o direito à ampla defesa e todas as garantias processuais.

JC – A iniciativa se contrapõe a lei da anistia? Em quê?

PM – Em princípio parece-me que há uma zona de inevitável conflito de interesses entre os abrigados pela lei da anistia e o trabalho a ser desenvolvido pela Comissão Nacional da
Verdade. Mas é preciso lembrar que esta, na forma da lei que a criou, não irá julgar ou punir e terá dois anos para produzir um relatório e encaminhar ao Ministério Público que
decidirá se levará ou não o caso a julgamento. Isso é um alento às famílias dos torturados, muitas delas que tiveram entes desaparecidos, e que convivem com a sensação
de impunidade. O que esperamos é que não haja revanchismo, como declarou a própria Presidente Dilma, ao sancionar essa lei. É preciso ter cautela para que se evite o prejulgamento de qualquer envolvido com o tema, devendo cada caso ser analisado por si, sem prévios rótulos bons ou ruins a qualquer pessoa em razão apenas de suas convicções
políticas.