Acertei no milhar
A primeira vez que se tentou acabar com o jogo do bicho no Brasil foi em 1895. Não adiantou. As apostas passaram a ser feitas no comércio por meio de vendedores ambulantes e até nas casas dos próprios bicheiros.
Ninguém entendia por que o povo não podia jogar no bicho com o qual sonhara, enquanto a elite fazia sua “fezinha” nos cavalos do turfe. De lá para cá, outras tentativas de dar cabo à jogatina aconteceram em vão e a sua prática, cada vez mais ligada à corrupção, a assassinatos e tráfico, permanece lucrativa e às margens da lei.
Mostra essa linha evolutiva o livro “Ganhou, Leva!” (ed. FGV), do historiador Felipe Magalhães, que conta em detalhes como o jogo acabou adquirindo estrutura empresarial. No início, sua organização financeira previa que uma banca cobrisse a outra para evitar eventual quebra. A partir dos anos 1940, o negócio ficou mais concentrado na mão de poucos “banqueiros”.
“Essa competição nem sempre se deu pelos meios da concorrência capitalista. Em alguns momentos, as balas foram o meio para ganhar mais um ponto”, escreve o autor. Nada disso aconteceria sem a “vista grossa” da polícia, fundamental para o fortalecimento do bicho.
Com seu título tirado do samba “Malandros Maneiros” (de Zé Luiz do Império e Nei Lopes), uma ode à loteria, o livro mostra que o jogo mereceu a atenção de Olavo Bilac, Lima Barreto e Machado de Assis.
Num conto de 1914, Machado narra o prêmio ganho pelo personagem Camilo, que não gostava de apostar seguindo opiniões alheias: “Ele perguntava como é que meia dúzia de pessoas, escrevendo notícias, podiam adivinhar os números da sorte grande. De uma feita, para provar o erro, concordou em aceitar um palpite, comprou no gato e ganhou.”
Eram tempos até ingênuos. O panorama estudado, que vai até 1960, hoje incorpora a tecnologia, e os números sorteados podem ser vistos pela internet. Em 120 anos de história, só não mudou a conivência de algumas autoridades com a ilegalidade.
Fonte: IstoÉ