MARAJÓ 2023
MARAJÓ 2023
Sou um caboco dos velhos tempos: uns par de outubros em riba das costa: comunista marajoara desde criancinha… Caboco camarada compartilha tudo na vida: sítio, safra, casa, canoa… noves fora a mulher amada mãe de seus barrigudinhos. Eu inda num entendia nadinha de capital, mais valia, mercadoria, teoria da alienação, luta de classes, revolução, etecetera e tal… Mas porém, desconfiava que a história desta gente do fim do mundo tava lá muito da mal contada. Antão, paresque, eu havera de saber a razão que no rio não dá tubarão e queria saber por que é que no mar num tem jacaré. A bença tio mestre Lucindo…
Antão eu vi que as coisa tavam muito mal parada nestas paragem e quis consertar. Mas que diabo fez este mundo sem fundo? Não perco a hora da sesta por negócio nenhum do mundo! Entro em rede, como diz o outro, literalmente… Acredito até naquele profeta indígena que horas antes de ir pro garrote vil na forca da primeira visitação do Santo Ofício na Bahia disse o corno ao inquisidor: que, paresque, Deus nosso senhor e pai de todos criou o bicho-homem pra dormir e sonhar. Sonhar o que, este menino? Ora, se cale e deixe de besteira e vá arranjar o que fazer… Mea avó me ralhando e abanando fogo pra fazer café, ela mesma filha de índia, todavia mais do que catequizada, batizada e crismada na santa e verdadeira religião apostólica romana. Não perde missa e novena. Faça chuva ou faça sol…
O tempo pra mim virou uma divertição da memória: um lugar mágico, num sabe? Onde vivos e mortos habitam a história da invenção do Fim do Mundo, este lugarzinho cá na beira do rio onde eu moro na filosofia da história do futuro e fica vizinha da terra sem males chamada Utopia. Mas não pensem vocês que a gente é besta: índio num qué apito e caboco num qué boné de candidato velhaco. Lá isso não! Chega! A gente quer é este tar de IDH de primeromondo (como fala o doutor)… Primeromondo! Que aqui no Fim do Mundo ninguém agüenta mais o pessoal falar mal do IDH de merda deste lugar…
Ara! Porra nenhuma de, diz-que, “desenvolvimento humano” abaixo de fiofó de calango… Foi aí que eu cai na rede e sonhei que era paresque o ano de 2023. Festa da conquista do Marajó velho de guerra… Égua mano, já? 400 anos passados e eu, diz-que em Gurupá, na ribanceira perto do forte… Quando dei por mim eu tava numa roda de carimbó high-tech com esta menina chamada Lia Sophia misturando marabaixo, zouk-machine, deus e o diabo debaixo da linha do equador… Um autofalante gritava por riba da multidão: alô, alô mea gente!!!… Acaba de dar no rádio que o Marajó saiu do caritó!!! A gente tamos bem na foto, caramba: IDH zero ponto oito!!! Puta que pariu, disse tio Juquinha, zero ponto oitão? Eu num acredito. Pois acredite, disse vó Maroca…
Foi aí que eu me acordei com o latido do cachorro Zoé, brabo por só por que eu me esqueci de botar ração dele na vasilha. Ah, bicho! Felizmente, o rádio tava ligado, tá sabendo? E a cantora Lia Sophia, ela mesma, dando recado pra galera: “Menina o que fazer com o seu rebolado? / Ai á / Menina o que fazer com essa saia rodada? / Ai á / Se o tambor começa, tua saia gira/ O mundo inteiro pára pra te ver menina”. Hum, hum… Marajó, Marajó será que vai dar pé?
José Varella, Belém-PA (1937), autor dos ensaios “Novíssima Viagem Filosófica”, “Amazônia Latina e a terra sem mal” e “Breve história da amazônia marajoara”.
autor dos ensaios “Novíssima Viagem Filosófica” e “Amazônia latina e a terra sem mal”, blog http://gentemarajoara.blogspot.com