“O que é que vocês vão fazer com esse problema político enorme que tem?”, cobrou, durante a plenária, a perita suíça Patricia Schulz. Para os especialistas da ONU, a criminalização do aborto está ligada à alta taxa de mortes por ano.

Nesta sexta-feira, ao ser indagada pelos peritos, a ministra da Secretaria de Políticas para a Mulher, Eleonora Menicucci, limitou-se a dizer que o tema não competia ao Palácio do Planalto. “É uma questão que não diz respeito ao Executivo, mas, sim, ao Congresso. Há um projeto de lei em tramitação e sabemos da responsabilidade de prevenir mortes femininas e maternas.”

No início de março, a entidade publicará suas recomendações ao Brasil, a partir do que escutou. Segundo a ministra, o aborto está entre as cinco principais causas de mortes de mulheres no Brasil. Já uma representante do Ministério da Saúde indicou que há em funcionamento 60 serviços credenciados para realizar abortos dentro da lei e que essa rede será ampliada. Para os especialistas, a divisão na sociedade brasileira sobre como tratar do aborto não pode ser motivo para permitir que as mortes continuem ocorrendo.

A ONU diz que não é a favor ou contra o aborto, mas alerta que, seja qual for a lei em vigor no Brasil, milhares de mulheres estão morrendo a cada ano por conta dessas práticas. “As mulheres vão abortar. Essa é a realidade”, disse Magaly Arocha, uma das peritas. “O comitê da ONU não pode defender o aborto. Mas queremos que o Estado garanta que mulheres possam velar por suas vidas”, disse.

Patricia Schulz lembrou que, em 2007, a ONU já cobrou do Brasil que a criminalização do aborto fosse revisada pelo governo. “Lamentavelmente não vimos progressos, e os esforços fracassaram”, declarou. “É uma questão muito preocupante. São 200 mil mortes por ano, e essa alta taxa tem uma relação direta com a criminalização do aborto. O Código Penal brasileiro é muito restritivo e, mesmo em casos legais, médicos temem conduzir os procedimentos.”

Schulz, uma das especialistas europeias de maior renome no campo dos direitos das mulheres, destacou que, apesar de haver a possibilidade de abortos legais no Brasil por risco de vida da mãe e por estupro, o número de casos registrado chega a apenas 3 mil por ano. “Enquanto isso, existem 1 milhão de casos ilegais e 250 mil mulheres sendo internada por complicações. O que é que o governo está fazendo para humanizar essa situação ?” Segundo ela, as mulheres pobres são as que mais sofrem. “A classe média e rica sempre vai encontrar boas soluções.”

Outra critica levantada pela ONU foi em relação ao Estatuto do Nascituro, que tramita na Câmara. “Uma mulher não pode ser apenas o barco onde o feto cresce. Não se pode dar total prioridade ao bebê e deixar de lado a saúde da mulher”, declarou Shulz. Para Arocha, “se o Congresso aprovar isso, lamentavelmente estaremos fazendo um tremendo retrocesso nos direitos reprodutivos.”

Com informações do O Estado de S.Paulo