Mas a imagem, descobriram os cientistas, é a mais antiga gravura do continente americano, e um dos mais antigos exemplos de arte das Américas, com pelo menos 10,5 mil anos de idade. “Foi uma sorte enorme e uma surpresa absoluta”, diz Walter Alves Neves, bioantropólogo do Laboratório de Estudos Evolutivos Humanos da USP e líder do grupo responsável pelo achado.

A sorte não se deve só ao fato de a gravura ter aparecido no fundo da última quadra (como são chamados os quadrados de 1 metro de lado que funcionam como unidade básica das escavações arqueológicas) a ser estudada na Lapa do Santo. O segundo golpe de sorte tem a ver com a possibilidade de obter uma datação relativamente confiável para a imagem, coisa rara quando se trata de uma gravura.

Explica-se: gravuras em pedra, se isoladas, são praticamente impossíveis de datar com precisão. “No caso de uma pintura, a datação dos pigmentos é uma técnica corriqueira. Basta que o pigmento original tenha sido misturado com algum tipo de matéria orgânica”, diz Neves.

O uso de gordura na mistura da tinta, digamos, permite o emprego da datação por carbono-14. Nela, o sumiço progressivo de uma forma radioativa de carbono, originalmente presente na matéria orgânica, funciona como um “tique-taque” que ajuda a estimar a idade da peça.

Acontece que a gravura da Lapa do Santo foi achada 3 centímetros abaixo de uma fogueira, e o carvão desse fogo pode ser datado pelo método descrito acima. Daí é que vem a idade mínima de 10,5 mil anos, embora outros métodos sugiram que ela pode chegar, na verdade, a 12 mil anos. É o período em que os primeiros seres humanos estavam chegando ao Brasil.

“É um achado interessante e importante, em especial quando se considera que há poucas datações confiáveis de arte rupestre antiga”, afirma o arqueólogo americano Tom Dillehay, da Universidade Vanderbilt, um dos principais estudiosos do povoamento das Américas.

Neves conta que, de brincadeira, o grupo apelidou a figura de “Taradinho”, em referência a seu falo ereto. Figuras do tipo, bem como cenas de sexo e de parto, aparecem em outros exemplares de arte antiga no interior brasileiro, em especial no Nordeste. E o mesmo estilo, aliás, pode ser encontrado nos próprios paredões calcários da Lapa do Santo.

“Fazia oito anos que a gente olhava para aquilo [nos paredões] e nunca deu bola, porque era algo impossível de datar e porque o objetivo do nosso projeto nunca foi estudar arte rupestre”, conta Neves. O principal interesse da equipe são os sepultamentos, abundantes na área.

A descoberta está descrita em artigo na revista científica “PLoS One”.

Fonte: Folha de S.Paulo