A polissemia cultural no Brasil: da Primeira República à Era Vargas
Monopolizada
“Próximas aos interesses dominantes, as oligarquias tinham o poder de organização dos estados e esse fato impactava diretamente a vida da população”
É interessante observar como o termo cultura, num primeiro momento, estava relacionado diretamente à produção econômica. Entretanto, para compreender melhor como o conceito era empregado nessa época, é possível considerar também o contexto político. Durante a Primeira República havia um traço comum na forma pela qual as oligarquias monopolizavam o poder, fazendo com que surgissem diferenças em suas relações com a sociedade. Próximas aos interesses dominantes, as oligarquias tinham o poder de organização dos estados e esse fato impactava diretamente a vida da população. Pode-se dizer, portanto, que o conceito de cultura estava delimitado às atitudes e orientações dos oligarcas em relação aos cidadãos, ou seja, atrelado particularmente ao domínio da política.
Transformações
No entanto, para compreender como a ideia de cultura sofreu modificações entre os anos de 1889 e 1945, é preciso levar em consideração uma das principais mudanças socioeconômicas ocorridas no Brasil, a partir das últimas décadas do século XIX até meados de 1930: a imigração em massa. Nesse período, o país recebeu milhões de europeus e asiáticos que vieram para a América em busca de oportunidades de trabalho e ascensão social. Um forte caldo popular que se formava com a participação de imigrantes e despossuídos, do emergente proletariado nos centros urbanos das províncias e da resistência do homem do campo às “modernidades”, gerava uma grande preocupação com a miséria social por parte dos artistas e intelectuais da época.
Atraso
A composição hegemônica da população no Brasil atendia ora aos interesses da elite oligárquica, ora aos interesses de uma burguesia internacionalista. O campesinato e o emergente proletariado permaneciam marginalizados do usufruto de seu próprio trabalho material e cultural, na medida em que suas produções simbólico-culturais eram igualmente marginalizadas, quando não proibidas. Aliada a isso, a dependência cultural do Brasil frente ao centro irradiador europeu assumia fortes contornos nas expressões mais cotidianas da Primeira República. O país vivia – “com atraso” – a Belle Époque e a Art Noveau nos cafés mais requintados, os impulsos positivistas de intelectuais republicanos, a arquitetura de influência inglesa e francesa, o clima urbano modernizador de São Paulo e Rio de Janeiro, que geravam uma produção artística e cultural cada vez mais distante da realidade nacional, ou seja, sem identidade própria aparente.
Ruptura Modernista
“Se inicia no Brasil um movimento de busca por uma identidade cultural própria, numa tentativa de ruptura com o modelo europeu, que culminou na Semana de Arte Moderna de 1922”
É a partir desse momento, então, que se inicia no Brasil um movimento de busca por uma identidade cultural própria, numa tentativa de ruptura com o modelo europeu, que culminou na Semana de Arte Moderna de 1922. Ruptura que também refletiu na dimensão política com o movimento tenentista, ainda que a semelhança entre esses movimentos limite-se apenas à preocupação com a “ruptura”. Essas ideias e trabalhos fomentaram o debate sobre a “construção cultural” de conceitos como classe, gênero, comunidade, identidade e de práticas como “(re)invenção” de tradições. Essas novas noções sobre o conceito de cultura atravessaram o contexto dos desenvolvimentos ampliando, assim, as condições de interpretação das ações que estariam por acontecer.
Mudanças
A partir de 1930, a sociedade brasileira viveu importantes mudanças. O processo de urbanização foi acelerado e a burguesia começou a participar cada vez mais da vida política. Com o avanço da industrialização, a classe operária cresceu e muito. O então presidente Getúlio Vargas, com uma política de governo dirigida aos trabalhadores urbanos, tentou atrair o apoio dessa classe – fundamental para a economia – pois tinha em mãos o novo motor do país: a indústria.
Todo esse processo de desenvolvimento foi acompanhado por uma verdadeira revolução cultural e educacional em relação à Primeira República, garantindo, desse modo, o sucesso de Vargas em sua tentativa de transformar a sociedade. O modernismo, tão criticado antes de 1930, tornou-se o movimento artístico principal a partir do golpe varguista.
Cultura Popular
“a preocupação maior estava na reestruturação da educação a partir de um movimento que ficou conhecido como “nova escola”, em que se pretendia o rompimento com os moldes educacionais que excluíam o pensamento humanista e preconizavam o científico”
A Academia Brasileira de Letras, tão admirada anteriormente, não possuía mais tanto prestígio. A cultura predominante era a popular e, com o incremento do rádio, desenvolveu-se e disseminou-se por todo o Brasil. Entretanto, para uma abordagem mais especifica acerca da ideia de cultura, é preciso trazer à tona outra informação. Durante a primeira era Vargas um primeiro esboço daquilo que em 1985 foi instituído como Ministério da Cultura começa a tomar forma. Até então, a pasta que reunia os assuntos de educação e saúde, criada em 1930 com o nome de Ministério da Educação e Saúde Pública, demonstrava os ensejos de preocupação cultural por parte do Estado.
Nova Escola
Neste período, o ministério contava com a participação de muitos intelectuais da elite brasileira. Carlos Drummond de Andrade como chefe de gabinete recebeu também a colaboração de Mário de Andrade, Anísio Teixeira, Lourenço Filho, Fernando de Azevedo, Heitor Villa-Lobos e Manuel Bandeira, entre outros representantes da cultura, literatura e da música nacionais. No entanto, a preocupação maior estava na reestruturação da educação a partir de um movimento que ficou conhecido como “nova escola”, em que se pretendia o rompimento com os moldes educacionais que excluíam o pensamento humanista e preconizavam o científico. Por esse motivo, a preocupação com a recuperação e afirmação da cultura ainda não eram palpáveis.
Oligarquias
Esse breve parâmetro da transformação do conceito de cultura ao longo da Primeira República até a Primeira Era Vargas, evidencia que houve uma transformação deste nos contextos econômico, político e social brasileiro. O cenário cultural, ao longo da História do Brasil, sofreu diversas modificações. De modo geral, pode-se afirmar que num primeiro momento o conceito fica atrelado e subjugado ao âmbito político-econômico, apenas. As oligarquias cafeeiras detinham o poder político mantendo o conceito de cultura refém de uma posição conservadora e tradicionalista em que a ordem política presente seria a única viável.
Contudo, com a chegada dos imigrantes, a população no Brasil assumiu nova roupagem devido à sua composição hegemônica. Tal advento fez com que se iniciasse um movimento de busca por uma identidade própria e pela independência cultural do país em relação à Europa e aos Estados Unidos da América.
Industrialização
Com Vargas no poder e a nova força motriz da sociedade brasileira, possibilitada pela ânsia de industrialização do país, novas conquistas aconteceram. A proposta educacional estabelecida trouxe consigo um enriquecimento cultural e, mesmo timidamente, mostrou-se como um meio mais eficaz de afirmação e desenvolvimento da população. Esse fato mostra que a análise do processo histórico possibilita compreender melhor como se deu o desenrolar dos acontecimentos ao longo da trajetória nacional brasileira, evidenciando, dessa maneira, como a ideia de cultura assumiu importância maior nesse período, conquistando, assim, seu caráter polissêmico.
Fonte: Caros Amigos