Nossa Política: As Últimas Greves do Proletariado e a Tese da “Paz Social”
A grandiosa greve desencadeada de março a abril deste ano, durante 27 dias, pelo proletariado paulista, unificando trezentos mil operários de diversos e importantes setores da produção — têxteis, metalúrgicos, marceneiros, vidreiros, gráficos, etc. — veio apontar aos trabalhadores e ao povo de todo o Brasil o caminho certo da luta decidida contra o atual governo de fome e terror e de traição nacional, revelou o poderio cada vez maior da classe operária em nosso país e seu insubstituível papel de dirigente de todas as classes e camadas sociais interessadas no progresso político, econômico e social de nossa pátria, mostrando a todos, com a prova concreta dos fatos, com a experiência direta das massas, que esse caminho de luta unida, organizada e audaz é o único caminho que conduz à vitória.
Poucas semanas após a greve de São Paulo, entraram em greve nacional os cem mil marítimos com que conta o nosso país. A importância deste fato pode ser avaliada se recordarmos que a última greve dos marítimos de envergadura semelhante ocorreu em 1930. Os trabalhadores do mar deram uma excelente demonstração de unidade e de espírito combativo, contribuindo consideravelmente para impulsionar o movimento operário brasileiro.
Tanto a greve do proletariado paulista como a greve dos marítimos tiveram sua repercussão estendida muito além do terreno da luta sindical por aumento de salários. O ambiente político sofreu uma influência direta e profunda desses movimentos da classe operária, particularmente da greve dos trabalhadores paulistas, a maior já havida no pais. O governo não pôde deixar de entrar em cena, obrigado a apresentar-se com a sua verdadeira face de defensor rancoroso dos patrões. O poder das classes dominantes sofreu um abalo nos seus alicerces.
Um dos fatos mais importantes, no que se refere à greve de São Paulo e à dos marítimos, é que ambas foram vitoriosas em suas principais reivindicações. Os operários mostraram a sua força, o seu grau consciência de classe, que indiscutivelmente se vai elevando e que permitiu dobrar as manobras e as violências do governo de Vargas e Garcez. Grevistas de S. Paulo e da marinha mercante lutaram com ardor com êxito pela libertação dos seus companheiros presos, defenderam a liberdade de manifestação e a liberdade, sindical, mostraram com os atos a sua decisão de se dirigir por si mesmos.
Referindo-se ao grandioso movimento do proletariado paulista o Comitê Nacional do Partido Comunista do Brasil muito justamente acentuou em seu manifesto de 1° de maio:
“As grandes greves de São Paulo revelaram o papel dirigente classe operária, a sua imensa força unificadora, colocaram definitiva e praticamente a classe operária na sua justa posição de dirigente de todo o povo brasileiro em sua luta histórica pela paz, as liberdades e a independência nacional. Desta posição nenhuma força a poderá mais a arrancar. A classe operária levará o povo à vitória da revolução democrática e anti-imperialista que há de pôr abaixo as atuais classes dominantes e substituir o seu poder reacionário, guerreiro e de traição nacional por um governo efetivamente popular e democrático, um governo de paz, de liberdade e bem-estar para o povo, um governo que confisque as empresas imperialistas e entregue a terra aos camponeses, que defenda a independência e a soberania do Brasil”.
Com as lutas dos grevistas de São Paulo e da marinha mercante encheram-se de alegria e de esperança os corações de todos os democratas e patriotas, de todos os que sofrem com a política de guerra e de fome do governo de Vargas. Encheram-se de alegria os corações dos camponeses nordestinos, flagelados pela seca, abandonados à própria sorte pelos poderes públicos, morrendo de inanição pelas estradas ou forçados por isso mesmo a invadir cidades e exigir pela força trabalho e pão para matar a fome de seus filhos. Encheram-se de alegria os corações das donas-de-casa, que sentem a fome rondando os seus lares ante o crescimento astronômico e ininterrupto dos preços dos gêneros alimentícios, de todos os artigos de consumo popular. Encheram-se de alegria os corações de todos os democratas, que prezam a liberdade espezinhada por este governo de opressão; bem como os dos jovens que lutam pela paz e contra os tenebrosos planos de Vargas de enviá-los para a morte nas guerras infames dos miliardários norte-americanos. Todos viram naquela pujante manifestação uma força poderosa, capaz de enfrentar e vencer os patrões e os governos de Vargas e Garcez, seus jornais e sua polícia, seus tribunais e seu aparelho montado no Ministério do Trabalho de repressão ao movimento sindical independente. A classe operária mostrou praticamente que é a única força capaz de dirigir todas as classes e camadas sociais interessadas na derrota dos latifundiários e grandes capitalistas vendidos aos imperialistas americanos, e conquistar à frente do povo um regime de paz. liberdade e bem-estar.
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As lutas grevistas dos trabalhadores de São Paulo e da marinha mercante tiveram uma grande importância para a educação política do proletariado brasileiro e para a elevação do nível de sua consciência de classe. Mostraram na prática que o caminho da classe operária é o da luta por suas reivindicações e que, unida, coesa, organizada. dirigindo-se por si mesma, a classe operária pode ser vitoriosa nessa luta. Vastas camadas do proletariado vão-se libertando, assim, da influência nefasta da tese há tantos anos difundida com a maior insistência e intensidade pelos ideólogos e políticos das classes dominantes — a tese da “Paz Social”, a tese de que os operários não devem lutar, mas submeter-se passivamente ao jugo da exploração e esperar as dádivas dos patrões e dos governantes.
Em apoio dessa tese a burguesia chegou a arquitetar toda uma vasta teoria, absolutamente falsa — a das três fontes de renda independentes, segundo a qual o valor das mercadorias é constituído pele ponderação do trabalho, da natureza e do capital. Em outras palavras: cada um destes fatores presta, no processo da produção, um “serviço produtivo” que os outros dois não podem prestar. Cada um deles, portanto é indispensável à produção. Por conseguinte, cada um deles recebe uma parte do produto criado graças à ação conjunta: o operário cobra o salário por seu trabalho; o capitalista aufere o lucro como recompensa dos “serviços” prestados por seu capital, e o proprietário rural recebe a renda devida aos “serviços” proporcionados por sua terra.
Atribuindo às máquinas e à terra o poder miraculoso de criar valor, os teóricos burgueses afirmam que o lucro e a renda nada têm a ver com o salário; que este representa a retribuição completa do trabalho. Partindo dessas premissas falsas, chegam à conclusão de que o capitalista, o proprietário de terra e o operário têm o interesse comum de aumentar ao máximo a produção, uma vez que quanto mais abundante for a produção, tanto maior será a parte que caberá a cada um deles. Portanto — dizem — quando o operário entra em greve está sabotando o progresso, porque o progresso só é possível à base da “solidariedade”, da “colaboração”, da “harmonia” de todas as classes da sociedade burguesa.
Marx demonstrou, porém, analisando de forma clara e profunda a natureza do capital, que o operário trabalha gratuitamente para o burguês uma parte de sua jornada; que o burguês se apropria, sem nada desembolsar, do valor criado pelo operário durante essa parte da jornada. Assim, é somente aos operários, na verdade, que se devem todos os “serviços produtivos”. Por isso, exortar o operário a produzir o máximo significa exortá-lo a que produza o máximo… para o capitalista.
Esta a explicação cientifica sobre o capital. Acontece, no entanto, que nem toda a mais-valia produzida pela classe operária fica em mãos dos capitalistas que exploram diretamente os trabalhadores no processo da produção: uma parte dessa mais-valia passa aos comerciantes sob forma de lucro comercial: outra parte vai ter às mãos dos banqueiros, sob a forma de juro; outra, ainda, vai parar no cofre dos proprietários rurais como renda territorial, e o restante constitui então o lucro industrial. Deste modo, a mais-valia se divide em várias partes e assume diversas formas: lucro (industrial e comercial), juro e renda.
Estas modalidades da mais-valia dissimulam, por assim dizer, o fato de que o lucro, a renda territorial e o juro não são mais que partes da mais-valia. Dão a impressão de que o lucro industrial provém dos meios de produção; o lucro comercial, da circulação de mercadorias; o juro, do dinheiro; a renda, da terra; e que o salário, finalmente, é a coisa criada pelo trabalho.
Foi baseados nessa aparência, que os economistas burgueses criaram sua grosseira teoria das três fontes de renda independentes e a tese da “paz social”. A doutrina marxista, provando por a mais b que essas “fontes independentes” são, em verdade, simples partes constitutivas da mais-valia, desferiu um golpe esmagador na tese da colaboração de classes. Porque é impossível evidentemente conciliar interesses opostos como o do explorado e o do explorador, sobretudo quando se sabe que no regime capitalista quanto mais se acumula a riqueza num pólo, mais a miséria se acumula no outro — isto é: quanto mais rico ficam os capitalistas, tanto mais pobres se tornam os operários. Em 1945, quando se revelou a espantosa situação de miséria em que se achava o proletariado, os balancetes dos capitalistas acusavam lucros fabulosos.
E essa contradição só tende a se agravar e só se resolverá por meio da revolução, pois seria tão absurdo supor que os trabalhadores se resignassem com essa situação, como acreditar que os capitalistas deixassem de explorar o operário, privando-se assim voluntariamente de seu único meio de vida. A teoria marxista da luta de classes pulveriza assim a tese burguesa da “paz social”. Ademais, aí está a realidade concreta da U.R.S.S., onde foi abolido o capitalismo, onde só existem agora as duas classes irmãs de operários e camponeses trabalhadores onde, portanto, o trabalhador cria sozinho, sem o “concurso” do capitalista nem do proprietário rural, toda a imensa e crescente riqueza que dá conforto e felicidade aos povos soviéticos.
Já em 1927 o grande Stálin dizia:
“A velha “teoria” de que os explorados não podem passar sem os exploradores, assim como a cabeça e as outras partes do corpo não podem passar sem o estômago, não é patrimônio exclusivo de Menenio Agripa, o célebre senador romano de que nos fala a história antiga.”.
E acrescentava:
“Um dos resultados mais importantes da Revolução de Outubro é o fato de haver assestado o golpe de misericórdia nessa falsa “teoria”.”.
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Embora tão desmoralizada, a tese da “paz social” vem sendo defendida em nosso país. particularmente depois de 1930, como uma das armas ideológicas prediletas da reação. O seu maior apologista tem sido precisamente o latifundiário Getulio Vargas. Pregando, com refinada hipocrisia, já há mais de vinte anos, a tese da “paz social”, o feroz tirano Vargas tem servido, com esta pregação, é verdade, à burguesia em geral. Mas essa tese serve de modo especial aos homens que Vargas diretamente representa, aos homens dos lucros máximos, aos mais vorazes exploradores do povo brasileiro, os imperialistas norte-americanos e os latifundiários e grandes capitalistas seus associados.
É evidente que todos os patrões, os grandes e os pequenos, têm interesse em enganar os operários com a miragem dos proveitos da colaboração de classes. Para os capitalistas, seja qual for a sua força individual, seja qual for a sua posição em face do imperialismo, o interesse de classe é invariavelmente o de tratar o proletariado apenas como o fornecedor da força de trabalho a ser explorado até à medula. Por isso, ao lutar para atrair a burguesia nacional para a frente única anti-imperialista, não devemos, nós, comunistas, jamais fazê-lo com a abdicação dos interesses imediatos da classe operária, mas, ao contrário, defendendo energicamente esses interesses, inclusive em face da burguesia nacional.
Não resta dúvida, porém, de que os maiores beneficiários da pregação da “paz social” são os trustes norte-americanos e os seus associados os grandes capitalistas brasileiros, os quais, em conjunto, empregam e exploram a maior parte do proletariado de nosso país. É a eles que em primeiro lugar, interessa anestesiar a classe operária com a propaganda da passividade.
Sendo o Brasil uma nação atrasada e oprimida, a tese da “paz social” costuma ser apresentada pelos ideólogos da reação com um colorido nacional-reformista. Para esses ideólogos, as greves seriam empecilho ao progresso e à libertação econômica do país. Para esses ideólogos, os operários deveriam deixar-se explorar sem reagir, a fim de que os grandes patrões pudessem acumular os capitais que estariam faltando para desenvolver a economia nacional. Não é o imperialismo norte-americano — dizem eles — quem impede esse desenvolvimento, é… a luta da classe operária, é a sua exigência de melhores condições de vida!
A verdade é, porém, o oposto. Quem impede o progresso econômico é o sistema de exploração em que se entrelaçam os interesses do imperialismo e dos latifundiários. Para varrer de nosso caminho esse sistema de exploração é necessário organizar a frente democrática de libertação nacional e fazer que a classe operária desempenhe o papel dirigente das forças revolucionárias. A classe operária, entretanto, só poderá fazê-lo se defender dia a dia os seus interesses imediatos diante dos capitalistas, se defender o seu salário e a melhoria das suas condições de vida, se travar e aprofundar em todos os terrenos a luta de classes. É assim que a classe operária afirma a sua independência de classe e a sua condição de força a mais patriótica da nação. Se o proletariado — advertia Marx — cedesse em seus conflitos diários com o capital, ficaria desclassificado para empreender outros movimentos de maior envergadura.
É portanto com a luta de classes, e não com a colaboração de classes, que o proletariado poderá dirigir a luta pela libertação, nacional e levá-la à vitória.
Observemos, por fim, que os ideólogos da reação costumam apregoar que a ”paz social” é possível, que só os comunistas provocam a sua perturbação. Trata-se da mais imbecil das mentiras. A luta de classes é um fenômeno objetivo, natural, inevitável. Ninguém a provoca, ninguém a inventa. O papel que os comunistas desempenham é o de dirigir o proletariado na luta de classes e conduzi-lo até à emancipação definitiva, à conquista final do socialismo, com a liquidação para sempre da exploração do homem pelo homem.
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Desde 1930, quando tomou o poder, o demagogo Getulio Vargas vem levantando a plataforma da “paz social”. À custa de sangrentos sacrifícios, conseguiram os trabalhadores conquistar alguns direitos. Através de uma sistemática mistificação, Vargas apresentou como dádiva de seu governo os direitos que os trabalhadores conquistaram na luta.
Durante os tenebrosos anos do Estado Novo, Vargas combinou terror policial com a difusão, através de uma enorme máquina de propaganda, da tese da “paz social”. ” ‘
Em 1945, com a derrota do nazi-fascismo, esboroou-se o Estado Novo, verificando-se no país um impetuoso ascenso democrático. Os trabalhadores romperam as peias do sindicalismo ministerialista. Obrigadas momentaneamente a encolher as unhas, impedidas que estavam de empregar o terror policial como nos anos do Estado Novo, as classes dominantes dedicaram-se mais intensamente a propor e a pregar “paz social”.
Depondo perante a Comissão de Investigação Econômica e Social da Assembléia Constituinte, em 28 de maio de 1946, um dos líderes da grande burguesia, o sr. João Daudt d’Oliveira, referiu-se à “Carta de Paz Social”, elaborada na Conferência Econômica de Teresópolis, em 1945, afirmando que,
“com ela nos apresentamos ante os empregados convidando-os a fundar, sobre base sólida, uma política de mútua compreensão e de respeito recíproco”, permitindo aos empregados “uma existência digna, com participação crescente na riqueza produzida”. Afirmou ainda que a Carta “deverá contribuir para harmonizar e pacificar o capital e o trabalho em nosso país”.
Tratava-se, como não podia deixar de ser, de uma vil manobra dos opressores. As aves de rapina dissimulavam-se sob a plumagem e o canto do cisne. Ao erguer a bandeirola branca de paz, visavam apenas a desarmar o proletariado, amortecer sua combatividade, ganhando tempo para reagrupar suas próprias forças e então passar de novo à ofensiva, arrebatar aos trabalhadores as conquistas democráticas de 1945, rearticular o aparelho policial-ministerialista de repressão ao movimento operário, proibir na prática o direito de greve, forjar novas leis reacionárias, de modo que a exploração voltasse a campear infrene, produzindo os lucros fabulosos do período estado-novista e particularmente dos tempos de guerra.
A classe operária, inclusive sua vanguarda organizada e consciente, o P.C.B., deixando-se envolver por profundas ilusões de classe, afastou-se do caminho da luta de classes e foi sendo batida pelo inimigo, que retomava a ofensiva. Fazendo o balanço desse período, com aquela franqueza autocrítica em que Lênin via um dos critérios mais importantes e mais fiéis da seriedade de um partido, o camarada Prestes declarou em 1949, no informe intitulado “Forjar a mais Ampla Frente Nacional em Defesa da Paz, da Liberdade e Contra o Imperialismo”:
“… a reação crescia, aprofundava-se a luta de classe no país, perdíamos em maio de 1947 o registro eleitoral de nosso Partido e de fato o direito à vida legal e, em janeiro de 1948, perdiam os seus lugares no Congresso Nacional e nas Assembléias Estaduais os representantes eleitos sob a nossa legenda partidária. A todos esses golpes não oferecemos, como era preciso, nenhuma resistência de massas e não fomos capazes, devido à nossa, linha reformista e à subestimação na prática das forças da classe operária e às ilusões na reação, de mobilizar as massas para resistir aos ataques cada vez mais violentos da reação às conquistas democráticas de nosso povo e ao nível de vida dos trabalhadores, sobre cujos ombros descarregam as classes dominantes todo o peso das dificuldades econômicas do após-guerra, em crescimento.”.
Já em abril de 1948, o camarada Prestes, no seu trabalho “Como Enfrentar os Problemas da Revolução Agrária e Anti-Imperialista”, afirmava que mandamos
“apertar o cinto, não fazer greves, aumentar a produtividade, alimentando ilusões numa “Carta de Paz Social”…
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O resultado dessa autocrítica foi o lançamento do histórico Manifesto de Janeiro de 1948 do Comitê Nacional do P.C.B., documento que, como afirma o camarada Prestes,
“marca uma viragem decisiva em toda a atividade de nosso Partido, fazendo com que o mesmo se voltasse decididamente para a classe operária e para as grandes empresas, onde enraíza suas forças a fim de poder resistir aos golpes da reação”.
Essa retificação das posições políticas do P.C.B. provocou o aguçamento, não só na esfera política e econômica, como no plano ideológico da luta de classes no Brasil. Às greves e manifestações de massa dos operários e camponeses, o governo de Dutra e todos os governos estaduais, fossem de que bando fossem — da U.D.N., como Otávio Mangabeira e Milton Campos; do P.S.P., como Ademar de Barros; do P.S.D., como Walter Jobim, etc. respondiam sempre com o cassetete e as carabinas da polícia, prendendo, espancando, torturando e assassinando camponeses e operários em luta por um pouco mais de pão para suas famílias. Os exploradores pretendiam assim impor mais uma vez a sua “paz social”, a sua “harmonia das classes”. Simultaneamente acendia-se a luta ideológica: aos documentos lançados pela direção nacional do Partido Comunista, chamando as massas à luta, apontando-lhes o caminho da revolução, retrucavam por todos os meios os grandes capitalistas e latifundiários serviçais do imperialismo ianque, mobilizando para a campanha do anti-comunismo os mais variados instrumentos: a pena dos seus escribas, as sentenças de seus juízes, a pregação de seus bispos, a charlatanice de seus parlamentares e a arenga de seus generais.
Particular utilização foi feita da desbragada demagogia do velho tirano Getulio Vargas, em sua campanha eleitoral. Prometendo terra gratuita aos camponeses e grandes melhorias nas condições de vida dos operários, Vargas investia contra a teoria da luta de classes, chegando ao cúmulo de negar a existência de classes, enquanto martelava na tecla da “paz social”. Basta ver em alguns dos discursos que proferiu no mês de setembro de 1950 a preocupação intensa com que abordava este assunto. Em Bauru, no dia 17, dizia ele:
“A batalha da produção… não é apenas a defesa dos produtores, senão, também, em grande parte a defesa do Brasil em sua paz social”.
Em Erechim, dia 20, falava em
“… alertar o nosso povo, em todas as suas camadas sociais, sem dividi-lo, mas humanizando-o, na sincera cooperação do trabalho e do capital”.
No dia 26, em Rio Grande, afirmava lisamente:
“A política trabalhista é contrária à luta de classes, porque na sociedade não há classes e sim homens com os mesmos deveres e as mesmas necessidades.”
-Em Alegrete, dia 28:
“Estou à frente de um novo movimento de redenção nacional, desencadeado pelo povo brasileiro, que sente e vê frustrados os seus anseios de prosperidade e paz social”.
E em Caxias, no dia 30:
“Se eleito, prosseguirei a obra, inaugurada no meu governo, de paz e harmonia social”.
Mais ainda: afivelando ao rosto sombrio a máscara de “pai dos pobres”, Vargas declamou em Joinville, a 19 daquele mês:
“Continuo firme ao lado dos trabalhadores, acompanhando-lhes as vicissitudes, sentindo que já não gozam do amparo que lhes dei quando fui governo'”
Mais tarde, no dia 30, numa mensagem de São Borja, referindo-se aos operários, dizia:
“Basta lembrar que o programa de candidato de 1950 foi superado pelas realizações de meu governo”.
E ainda há pouco, no discurso de Volta Redonda, a 1.° de maio deste ano, já diante do descontentamento profundo que o seu governo provoca e após as grandes greves de São Paulo, afirmou Vargas com insuperável cinismo:
“Hoje essa legislação, que permite a harmonia das classes, é o vosso patrimônio precioso”.
É dessa maneira que o feroz latifundiário de Itu pretendia e pretende fazer crer aos operários que seu dever é confiar na “bondade” dos exploradores e marchar de cabeça baixa a reboque dos capitalistas e dos senhores de terra, como simples apêndice dessas classes. Com isso pretendia e pretende fazer crer que os poucos e precários direitos que os trabalhadores brasileiros possuem — direitos sobretudo teóricos, porque na prática não são reconhecidos pelos exploradores — constituem um presente de seus inimigos de classe, quando em verdade esses direitos têm sido conquistados com grandes sacrifícios, em lutas tenazes e muitas vezes sangrentas. As classes dominantes só cedem uma polegada aos trabalhadores quando a isso são obrigadas pela força, e procurando sempre reforçar sua dominação.
Como disse Marx há mais de um século e vem sendo confirmado por toda a história do movimento revolucionário,
“a emancipação dos operários deve ser obra da própria classe operária”.
Ainda agora as greves de São Paulo e da marinha-mercante vieram demonstrar mais uma vez que o proletariado não somente pode e deve viver como classe independente, sem se subordinar às classes dominantes, como precisa travar contra estas uma luta sempre mais firme e vigorosa, porque os operários são a única força social capaz de salvar o país da catástrofe em que este se abisma, capaz de libertar nosso povo e fazê-lo feliz.
Esta a grandiosa missão histórica do proletariado brasileiro e do seu partido de classe, o Partido Comunista. Para cumpri-la, entretanto, a classe operária precisa compreender, em primeiro lugar, que sua vitória só pode ser alcançada através de uma ampla frente única de todas as forças progressistas, inclusive da pequena burguesia urbana e da burguesia nacional, e alicerçada na aliança operário-camponesa. Em segundo lugar, que a formação dessa frente de combate e o desenvolvimento conseqüente de suas lutas só podem encontrar amplo campo de ação no terreno político. Em outras palavras: só a luta política do proletariado e do povo diretamente contra o Estado feudal-burguês, o governo de traição nacional de Vargas, sustentáculo do imperialismo norte-americano, pode conduzir à vitória a causa da revolução democrático-popular de cunho agrário e anti-imperialista.
Isto significa que a classe operária, para exercer o seu papel dirigente na frente única revolucionária, não pode limitar-se às lutas no terreno sindical, a lutar simplesmente pela conquista de reivindicações econômicas. Por mais importantes que sejam essas lutas, elas só terão conseqüência e farão avançar o movimento revolucionário se forem elevadas ao terreno político, se levantarem a bandeira da luta contra o governo de Vargas, se mobilizarem não só os operários, mas todas as camadas do povo para a luta contra o regime de fome e de guerra que impera no Brasil e que só beneficia um punhado de monopolistas ianques, de latifundiários e grandes capitalistas brasileiros.
Nesse sentido, é necessário reconhecer, com espírito autocrítico, que a grandiosa greve do proletariado paulista, embora tivesse intensa repercussão política, ainda se travou fundamentalmente no terreno sindical, no terreno da reivindicação econômica. Não foi, como poderia ser, a batalha política de excepcional envergadura contra o governo de Vargas e Garcez, principal responsável pela situação de miséria e fome da classe operária.
Em “Anarquismo ou Socialismo?” (1° volume das OBRAS) já Stálin ensinava, com profundidade e precisão, que a greve, o boicote, a sabotagem, as manifestações, as demonstrações, a participação nos organismos parlamentares são formas diferentes de uma só e mesma luta de classe e que, em seu devido tempo e lugar, cada uma delas é absolutamente necessária para o proletariado, como meio indispensável ao desenvolvimento de sua consciência de classe e de sua organização. Mas todas essas formas de luta — diz Stálin — são apenas meios preparatórios. O meio decisivo para a derrocada das classes dominantes é a revolução.
Esta lição de Stálin nos ensina que devemos desenvolver ao máximo o movimento grevista, aprofundar a luta de classe, liquidar por completo com a influência da tese da “paz social” — na qual as greves de São Paulo e da marinha-mercante, ao lado da atuação política e ideológica que os comunistas vêm desenvolvendo, vibraram um vigoroso golpe. As greves, como todas as formas de luta, no seu devido tempo e lugar, são afluentes que devem desembocar numa só torrente, a torrente revolucionária que derrubará o governo de Vargas e permitirá às massas, sob a direção da classe operária, construir no Brasil um autêntico regime democrático-popular.