Cinco destinos desconhecidos, exceto por Curió
Em 1976, porém, ele foi preso para averiguação. Três meses depois, quando era transportado por uma tropa integrada pelo major Norberto Tozzo, Júlio e mais três presos “desapareceram”. Outros doze foram executados, no evento conhecido como massacre de Margarita Belén. Em 2008, a Argentina requereu ao Brasil a extradição de Tozzo.
Ao deferir o pedido, o STF (vencido apenas o ministro Marco Aurélio) repetiu, na extradição 1.150, o que havia decidido na extradição 974 -ou seja, que “nos delitos de sequestro, quando os corpos não foram encontrados, (…) em que pese o fato do crime ter sido cometido há décadas, (…) está-se diante de um delito de caráter permanente, com relação ao qual não há como assentar-se a prescrição”.
O ministro Fux, após registrar que o massacre de Margarita Belén havia marcado sua juventude, afirmou que o deferimento da extradição representava a “humanidade, sensibilidade e seriedade com que o Brasil trata essas questões e com que resgata a história”.
A história de Júlio não é muito diferente da história dos 136 desaparecimentos forçados oficialmente reconhecidos pelo Estado brasileiro. Dentre eles estão os sequestros de Maria Célia Corrêa, Hélio Magalhães, Daniel Callado, Antonio de Pádua e Telma Corrêa, ocorridos em 1974, na região do Araguaia.
O destino dos cinco é ignorado por todos, à exceção dos autores do crime. Um deles, o coronel Sebastião Curió, comandante do posto para onde os cinco foram comprovadamente levados presos (e lá torturados), foi denunciado pelo Ministério Público Federal (MPF). Assim como o major Tozzo, Curió foi denunciado por crimes ainda subsistentes, pois as vítimas até hoje não apareceram, “nem tampouco os respectivos corpos, razão pela qual não se pode cogitar, por ora, homicídio”, como ponderou a Procuradoria-Geral da República, em seu parecer na extradição.
Contra esse argumento, afirma-se que a lei 9.140/95 reconhece os desaparecidos políticos como “mortos para todos os efeitos legais”, o que impediria até mesmo uma investigação criminal sobre as circunstâncias dos desaparecimentos. Ocorre que a lei em questão jamais pretendeu “matar” os desaparecidos, mas apenas garantir que suas famílias pudessem praticar atos relacionados a indenizações e a direitos sucessórios, pois para que a morte das vítimas fosse reconhecida para fins penais seria preciso um laudo, mesmo indireto, atestando as condições do óbito, algo que jamais se fez.
Desse modo, a discussão aqui rascunhada não é contrária à decisão do STF na ADPF 153 (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental), que julgou constitucional a Lei de Anistia. Justamente por serem crimes permanentes, ainda não exauridos, é que os sequestros denunciados ultrapassaram o limite temporal estabelecido pela própria lei 6.683. Tampouco é possível dizer que os crimes estão prescritos, uma vez que não se sabe se e quando ocorreram as mortes.
A posição adotada possui o respaldo da Câmara de Coordenação Criminal do MPF e é amplamente reconhecida como válida na Argentina e no Chile. No mais, não é possível ignorar que a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Brasil, em 2010, a promover a responsabilização criminal pelos desaparecimentos forçados ocorridos no Araguaia, justamente em razão da natureza permanente desse delito.
* IVAN MARX, 32, doutorando em direitos humanos pela Universidade do Museu Social Argentino (Buenos Aires), é procurador da República em Uruguaiana (RS). Coordena o grupo de Justiça de Transição do MPF. SERGIO SUIAMA, 40, mestre em direitos humanos pela Universidade Columbia (EUA), é procurador da República em São Paulo
Fonte: Folha de S.Paulo