À margem das análises, a guerra teve poucos vencedores. De um lado, garantiu a reeleição da britânica Margaret Thatcher – que ganhou muita popularidade e virou o primeiro-ministro que permaneceu por mais tempo no cargo em seu país no século 20 (1979-1990).

De outro lado, o conflito selou o destino da ditadura argentina. A derrota nas Malvinas contribuiu para o fim do regime liderado pelo general Leopoldo Galtieri, que foi preso, acusado de “incompetência” na guerra. Enquanto chorava seus mortos e mutilados, a sociedade argentina recuperou a democracia quando o agonizante regime precisou convocar eleições, em 1983.

No entanto, o conflito não deu fim à disputa pela soberania sobre as ilhas do Atlântico Sul. As celebrações de hoje ocorrem em um momento das novas tensões entre argentinos e britânicos. Recentemente, ao voltar a manifestar seu direito às ilhas, a Argentina sustentou que o território pertencia à Espanha, devendo ser herdado pelo país sul-americano com a sua independência. Mas a Grã-Bretanha – que controla as Malvinas desde 1833 – mantém-se determinada a permanecer na região.

Em fevereiro deste ano, a presidenta argentina, Cristina Kirchner, discursou na Casa Rosada em defesa das Malvinas. Foi um dos principais momentos da atual escalada das tensões com os britânicos. “No ano que vem cumprem-se 180 anos da usurpação das Malvinas”, disparou Cristina. “É um anacronismo manter colônias no século XXI.”

Na Argentina, em meio às comemorações pelos 30 anos da guerra, veteranos fizeram uma vigília durante a madrugada, e Cristina Kirchner visitará o Porto de Ushuaia para uma cerimônia em homenagem aos soldados argentinos mortos no conflito. Ela vai acender uma “chama eterna” no local.

Apoio da América Latina

Trinta anos após a guerra, a Argentina exige a abertura de negociações sobre a soberania das Malvinas e acusa o Reino Unido de militarizar o Atlântico Sul, depois que foi divulgado que um dos navios de guerra da Marinha britânica será enviado à região. A visita do príncipe William, em uma manobra militar, alimentou igualmente a tensão e levou a Argentina à ONU para acusar Londres de militarizar o Atlântico Sul.

A América Latina, mais unida que há três décadas, uniu-se à Argentina na reivindicação de soberania. No final de 2011, os países do Mercosul e associados se comprometeram a proibir a entrada em seus portos de embarcações com a bandeira de Falklands. O Peru cancelou a visita de uma fragata britânica, e o presidente equatoriano, Rafael Correa, chegou a propor a adoção de sanções contra o Reino Unido.

Os latino-americanos rejeitam a presença militar na região e pretendem corroborar essa posição na Cúpula das Américas de Cartagena, em abril. No início do ano, o ministro de Relações Exteriores brasileiro, Antônio Patriota, deixou claro para o chanceler britânico William Gague: a região “apoia a soberania argentina sobre as Malvinas e as resoluções da ONU que pedem os governos argentino e britânico para dialogarem sobre este tema”.

Patriota informou que o Brasil colabora com o Uruguai para convocar uma reunião da “Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul”, com países sul-americanos e africanos banhados pelo oceano. “Há um interesse de Brasil, Argentina e Uruguai de criar uma área de segurança do Atlântico Sul. Há décadas isto estava na agenda”, afirma o professor da Universidade Estadual Paulista, Tullo Vigevani.

Agora, o interesse é mais diligente, já que o Brasil descobriu gigantescas reservas petroleiras em alto mar, em frente à sua costa. “O Atlântico Sul é extremamente importante para todos os países de ambos os lados do oceano”, afirma Alberto Pfeifer, do Grupo de Análises de Conjuntura Internacional da Universidade de São Paulo.

Segundo Pfeifer, “a geologia desta região é um espelho – o que há do lado sul-americano, existirá do sul-africano – e já estão sendo descobertas grandes reservas petroleiras na costa africana, além da riqueza do oceano, como a pesca”. O potencial petrolífero das Malvinas foi peça-chave no recente atrito entre Argentina e Grã-Bretanha, uma vez que empresas britânicas iniciaram prospecções em 2010, embora com um resultado aparentemente limitado.

O apoio à Argentina não foi tão aberto nem homogêneo 30 anos atrás, em plena Guerra Fria, quando boa parte da região estava sob ditaduras. “Existia uma hipótese de conflito entre muitos países”, afirma o professor de Relações Internacionais das universidades Nacional do Centro e de Buenos Aires, Raúl Bernal-Meza. A ditadura chilena de Augusto Pinochet prestou colaboração velada à Grã-Bretanha, e o único país que forneceu uma ajuda concreta à Argentina foi o Peru, que enviou armas e aviões Mirage (o que não é reconhecido oficialmente).

Hoje, a América Latina – que depende menos de Europa e EUA e mais de si mesmos – mostra maior vontade de manter uma identidade comum. “A existência da Unasul (União Sul-Americana de Nações) deu mais coesão à posição de solidariedade com a Argentina. É muito mais fácil obter acordos e consensos”, diz Ernesto Velit Granda, catedrático peruano de Relações Internacionais.

Histórico da guerra

A ditadura do general Galtieri, chefe de Estado na ocasião do regime instalado em 1976, ordenou a invasão às ilhas na madrugada de 2 de abril de 1982. O gesto foi “uma aventura militar, sem preparação nem organização”, segundo o Relatório Rattenbach, nome do general argentino que dirigiu a investigação. Cristina Kirchner acaba de suspender o sigilo do documento – uma grande investigação de pós-guerra feita pelos comandantes militares. O grupo sugeriu considerar a prisão perpétua ou pena de morte para Galtieri e outros altos oficiais.

Três dias antes do desembarque de oficiais da Marinha argentina no desguarnecido arquipélago, a ditadura havia sofrido um duro golpe com uma greve da central sindical CGT. A paralisação comoveu o país, que tinha a economia em colapso e cujo regime foi responsável pelo desaparecimento de até 30 mil opositores, segundo organizações de defesa dos direitos humanos. “Ante a agitação social, a ditadura surpreendeu a população com um ato anti-imperialista. Assassinos do porte de Galtieri não podiam encabeçar sinceramente nenhum gesto emancipador”, afirma o historiador Felipe Pigna, autor do best-seller “Os Mitos da História”.

Mas a convocação patriótica ao sentimento de toda uma nação, educada com a informação de que as Malvinas “são e serão argentinas”, produziu uma virada. As praças ficaram lotadas de fanáticos que apoiavam a recuperação das ilhas. Enquanto isso, Margaret Thatcher, a “dama de ferro” britânica, passava por um momento ruim por suas impopulares medidas econômicas.

Thatcher, porém, emergiu da guerra como “paladino da democracia” e “libertadora da pequena população das Falklands”. Ela despachou uma força-tarefa que combateu nas ilhas e nas áreas vizinhas, onde aplicou um duro golpe com sua ordem “Afundem o Belgrano!”. Antigo cruzeiro americano da 2ª Guerra Mundial (1939-1945), o Belgrano foi torpedeado pelos britânicos, provocando a morte de 323 tripulantes argentinos.

A ação destruiu qualquer possibilidade de solução pacífica, num momento em que os falcões da ditadura pretendiam duplicar as tropas em defesa do rebatizado Puerto Argentino. As nações da América Latina apoiavam uma negociação e a retirada das tropas argentinas com a intervenção dos Capacetes Azuis das Nações Unidas.

A aviação argentina conseguiu danificar e afundar navios da frota britânica, entre eles a fragata “Sheffield”. Mas as forças terrestres, mal conduzidas e mal equipadas, sofreram com o frio, a fome e até torturas de seus próprios superiores, até serem arrasadas pela infantaria e pela aviação britânicas. As tropas de Galtieri, em sua maioria recrutas sem treinamento, renderam-se em 14 de junho.

“Havia uma Junta Militar que estava tentando sobreviver e fez um cálculo errado de suas capacidades e possibilidades de êxito. O maior erro não foi operacional: foi a guerra”, opina Juan Recce, especialista em defesa do Centro Argentino de Estudos Internacionais. Galtieri cometeu um erro colossal ao achar que Washington não tomaria partido em favor da Grã-Bretanha. Na opinião do ditador, a Casa Branca seria neutra, em virtude da cooperação militar argentina com os contras-nicaraguenses e com os governos de El Salvador, Honduras e Guatemala, segundo o Informe Rattenbach.

O pós-guerra

Se antes da guerra havia colaboração e ambiente de diálogo com a Grã-Bretanha, depois da guerra Londres se tornou mais dura do que nunca na defesa da autodeterminação de seus súditos. A Argentina tentou, desde então, quase todos os métodos para que o Reino Unido aceitasse negociar a soberania, como estabelece uma histórica resolução com maioria esmagadora votada pela Assembleia da ONU em 1965.

As relações foram restabelecidas pelo ex-presidente Carlos Menem (1989-1999), que realizou seus sonhos de viajar a Londres, ver a rainha e receber o príncipes Andrew e Charles. Seu chanceler, Guido Di Tella, chegou a enviar de presente aos malvinenses ursinhos Puff e ofereceu a eles US$ 1 milhão para que aceitassem a soberania argentina. O ex-presidente Néstor Kirchner e Cristina inverteram a “estratégia de veludo”, romperam acordos e impediram que até cruzeiros turísticos das Malvinas parassem em território argentino.

Os malvinenses vivem agora em prosperidade, com elevadas receitas pelas licenças de pesca e de petróleo. “A novidade é que as comprovadas reservas de petróleo são um ativo estratégico de enorme valor. Isto permite que Londres tenha um recurso vital e dá à ilha um funcionamento autônomo”, disse à AFP Juan Tokatlian, diretor de Ciência Política na Universidade Di Tella e mestre na universidade americana Johns Hopkins.

Para o cientista político Rosendo Fraga, membro do Instituto de História Militar, “o grande tema de longo prazo no Atlântico Sul são os recursos naturais da Antártica”. Segundo ele, “o Reino Unido reivindica a soberania territorial a partir de sua presença nas Malvinas e esta pretensão se choca com as que sustentam Argentina e Chile”.

Com área considerável, mas PIB e população pequenos, as Malvinas são o grande foco das polêmicas ultramarinas inglesas. Como Kirchner evocou, trata-se de anacronismo num era pós-colonial. Mas outros territórios britânicos se mantêm. A julgar pelos blefes de militarização pelo 30º aniversário da guerra pela ilha, Londres não apresenta o menor interesse em perder mais um dos resquícios de seu antigo e imenso império mundial.

Com agências