O trio mortal
Os dois preços fundamentais da macroeconomia, taxa de câmbio e taxa de juros, estão completamente fora do lugar e o governo apropria quase 40% do Produto Interno Bruto (PIB) entre impostos e outras receitas. Com o governo gastando mal e investindo uma parcela ínfima, crescemos 2,7% no ano passado e o nosso desempenho no futuro não poderá ser melhor. Ou seria muito pior, não fora o grande prêmio de loteria que recebemos do exterior, com grande ganho em termos de troca a partir de 2003.
O mais contrastante é que o Brasil havia se tornado “a bola da vez”. É óbvio que para o especulador financeiro nosso país se tornou o paraíso: a conjugação da maior taxa de juros com a maior apreciação do real, resulta em retornos recordes. O problema é que esse fantástico afluxo de capitais do exterior não moveu nenhum milímetro a nossa taxa de investimento produtivo, que se mantém oscilando abaixo dos 20% do PIB.
Corremos o risco de regredir para a economia primário-exportadora, como fomos durante o século XIX
Mas não foi só isso que tornou o Brasil a “bola da vez”. Muitos investidores mais de longo prazo passaram a acreditar no “grande potencial de crescimento da economia brasileira”. Uma economia de dimensão continental em pleno “bônus demográfico”, com mercado doméstico em forte expansão com a incorporação de mais de 40 milhões de pessoas para a classe média nos últimos dez anos, com complexa e moderna estrutura produtiva manufatureira e agropecuária, dotado de riqueza natural de fazer inveja frente a um mundo voraz, tornando os termos de troca extremamente favoráveis e ainda com potencial imenso de produção de energia verde e grande reserva de petróleo no pré-sal.
Diante desse potencial, qualquer analista que acreditasse que o Brasil teria um mínimo de competência para fazer políticas racionais voltadas para o crescimento econômico, apostaria mais em nós do que na China, India ou Rússia. Infelizmente, quando olhamos para a nossa triste realidade, nos deparamos com o trio mortal, (taxa real de câmbio apreciada, taxa de juros estratosférica e carga tributária crescendo ano após ano), arrastando o país para o limite inferior do seu potencial de crescimento.
Se o Brasil praticasse taxa de câmbio, taxa de juros e carga tributária próximas às da China e India, com certeza, poderíamos crescer, no mínimo, tanto quanto esses países, pois temos um potencial maior e um mercado doméstico mais dinâmico.
O trio mortal é persistente há muitos anos e um alimenta o outro. No passado, podíamos culpar o grande déficit público e o excessivo endividamento publico como os responsáveis pela elevada taxa de juros praticada no Brasil. Mas isso não é mais verdade, a situação fiscal melhorou muito. A taxa real de juros sofreu queda ao longo dos anos, mas encontra um piso que a mantém num nível recorde mundial. A explicação para isso é óbvia e muito simples: o Banco Central utiliza, inacreditavelmente, a taxa de juros paga pelos títulos públicos de longo prazo no “overnight”, deslocando toda a curva de juros para cima. Se as nossas taxas de juros fossem equivalentes às internacionais, poderíamos reduzir a despesa pública e a carga tributária, em pelo menos, 4 a 5 pontos percentuais do PIB. Os investimentos, por sua vez, poderiam aumentar os mesmos pontos percentuais do PIB, o que aceleraria o crescimento da economia brasileira para 5%. Como o governo, ao longo dos anos, aumenta a carga tributária e realoca recursos de setores mais produtivos (indústria de transformação) para setores com menor produtividade e, menor dinamismo (serviços públicos etc), compromete o aumento de produtividade total da economia brasileira, isto é, o crescimento econômico.
A elevada carga tributária (não recuperável) e a elevada taxa de juros comprometem a competitividade da indústria brasileira, fazendo com ela perca participação, tanto no mercado doméstico (com invasão das importações), como no externo (nossas exportações perdendo espaço para países com política cambial mais agressiva). O diferencial de taxa de juros torna atrativo investir em reais, atrai um influxo de capitais especulativos de curto prazo tão grande do exterior que torna uma missão quase impossível administrá-los para controlar a taxa de câmbio.
Some-se a isso, o grande salto nos termos de troca e daí a tendência persistente à apreciação da taxa de câmbio no Brasil. O que agrava definitivamente a competividade da indústria de transformação brasileira. Com isso, ela está praticamente estagnada desde 2006, enquanto a demanda doméstica vem crescendo em torno de 6%. Como o setor com maior potencial de crescimento da produtividade – a indústria de transformação – não cresce, a produtividade média também não cresce e perdemos a maior arma para contrabalançar a tendência de apreciação da taxa de câmbio, em função do aumento de preços das commodities. Hoje a indústria de transformação representa apenas 15% do PIB.
Se mantivermos o trio mortal, o nosso futuro será regredirmos para uma economia primário-exportadora, como fomos no século XIX, conjugado com um imenso e inchado setor de serviços à la Grécia, Portugal ou Espanha.. Até que uma crise maior nos acorde.
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Yoshiaki Nakano, ex-secretário da Fazenda do governo Mário Covas (SP), professor e diretor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas – FGV/EESP
Fonte: Valor Econômico