A corajosa rejeição pelo Equador, em 2009, dum acordo de livre comércio com a UE agitou os interesses económicos e financeiros que costumam beneficiar da desregulação do comércio e, bem assim, os seus representantes políticos. Este foi, por conseguinte, um dos temas dominantes da visita. Mas a agenda da delegação, que incluiu reuniões com diversos membros do governo equatoriano e com o próprio presidente, Rafael Correa, esteve longe de se restringir às questões comerciais.

Esta foi uma excelente oportunidade para olhar mais de perto as profundas transformações em curso no Equador, um dos mais pequenos países da América do Sul, com 14,5 milhões de habitantes. À primeira vista, pouco nos aproxima deste país, que se estende da costa do Pacífico à floresta amazónica, passando pelas cordilheiras serranas com mais de seis mil metros de altitude, sem esquecer as famosas Ilhas Galápagos. No entanto, é difícil olhar para a história recente do Equador sem identificar nela fortes paralelos com a realidade hoje vivida por países como Portugal. Os caminhos seguidos, aqui e na América Latina, são todavia de sentido oposto – o que, por si só, torna ainda mais interessante e útil este olhar.

Até meados da década passada, a realidade equatoriana era marcada por políticas bem nossas conhecidas. À semelhança do que sucedeu em tantos outros países latino-americanos, os epígonos do neoliberalismo levaram à prática, durante anos, as teorias do «Estado mínimo»: programas de ajustamento talhados à maneira do FMI; privatizações de recursos e sectores-chave da economia; mercantilização de inúmeras esferas da vida social (saúde, ensino, etc.). As consequências: desigualdades sociais extremas, pobreza, desemprego; uma economia dependente e periférica; uma colossal dívida externa, autosustentada por um asfixiante serviço da dívida.

Em 2006, dá-se uma ruptura profunda com este caminho. Correa, recém-eleito, declara a suspensão do pagamento da dívida e uma imediata renegociação. «A vida antes da dívida», avisou o presidente. Este foi o início dum processo que envolveu a elaboração e aprovação da nova Constituição do país, de matriz progressista e ecologista, e uma democratização e reconfiguração profunda do Estado, com o reforço do seu papel – na planificação, na produção, na regulação e na distribuição da riqueza. Renegociou-se contratos com privados (incluindo várias multinacionais), que eram lesivos dos interesses do Estado; o investimento público em percentagem do PIB mais do que duplicou; apostou-se na produção nacional e na substituição progressiva de importações; defendeu-se os sectores económicos mais débeis, recusando os acordos de livre comércio com os EUA e a UE; aumentou substancialmente a parte do rendimento nacional destinada a remunerar o trabalho, com elevação significativa dos salários mais baixos; alargou-se a cobertura dos sistemas de saúde, ensino e segurança social. Tudo isto enquadrado por um plano de desenvolvimento do país, elucidativamente chamado «Plano Nacional para o Bem-Viver». O balanço de cinco anos de aplicação deste Plano não deixa margem para dúvidas: o Equador apresentou em 2011 a terceira maior taxa de crescimento económico da América Latina – oito por cento (cerca do dobro da média da região); a taxa de pobreza caiu dez pontos percentuais e diminuíram as desigualdades sociais; o desemprego atingiu o nível mais baixo de sempre (cinco por cento); o país subiu seis posições no Índice de Desenvolvimento Humano da ONU, ficando à frente de países como o Brasil.

Em cinco anos, a dívida externa equatoriana passou de mais de 100 por cento do PIB para cerca de 20 por cento e o peso do serviço da dívida, que antes representava quase um quarto do orçamento anual do Estado, hoje não vai além dos sete por cento.

Correa afirma que o Equador, mais do que uma época de mudanças, vive uma «mudança de época». A época das «armadilhas institucionais», que garantiam a persistência das políticas independentemente dos seus protagonistas, em que o FMI revia as contas e definia as políticas, ficou para trás. Hoje, «se algum burocrata do FMI aterrar no Equador, volta para trás no mesmo avião. Não os queremos cá!», afirmou o presidente numa reunião com os parlamentares europeus.

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Fonte: Avante!