1) A “reorganização” de 1962

Primeiro recapitulemos o processo e os fatos que levaram à “reorganização” de 1962. Quando o Partido conseguiu sua legalidade, logo após o fim da II Guerra Mundial, em março de 1945, começou a crescer a passos acelerados. Para a constituinte de 1946, elegeu quatorze deputados federais e um senador.

Dois anos depois, em sete de maio de 1947, seu registro foi cassado e, em janeiro de 1948, os quinze mandatos de seus parlamentares foram extintos. O golpe foi forte, rápido e decepcionante. Perdeu o Partido e perdeu a democracia. Em seguida, internamente, a política do Partido durante a legalidade passou a ser muito criticada como reformista, acanhada, prenhe de ilusões. 

Dois anos depois, o Partido divulga seu “Manifesto de Agosto de 1950”, onde estreita suas posições. Para as eleições presidenciais do ano, defende o voto em branco. E Getúlio Vargas teve 48,7% dos votos. Permanece na oposição a Vargas até seu suicídio, em 1954, quando, alvo de manifestações populares, mudou rápido de posição.

No mesmo 1954, em novembro, o Partido realiza seu 4º Congresso e aprova seu primeiro Programa, numa linha política mais ampla, bem diferente do Manifesto de Agosto de quatro anos atrás.

Eis que, em fevereiro de 1956, ocorre em Moscou o XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética. Nikita Kruchev aí apresentou seu “relatório secreto”, desferindo severas críticas à construção do socialismo na URSS e desancando seu dirigente principal, Stalin. Kruchev transmite a idéia de que a edificação socialista na URSS foi um processo moralmente degradado, um engodo, submetido o tempo todo a manipulações grosseiras. Coloca-se como o detrator de todo aquele período, o denunciante de uma suposta impostura geral.

O Relatório de Kruchev introduzia também posições polêmicas, como a transição pacífica ao socialismo, apresentada como o caminho principal ao novo regime, num momento em que aconteciam a Revolução Cubana e diversas guerras de libertação na Ásia e África.  O relatório de Kruchev teve um efeito nefasto no meio dos comunistas da maioria dos países. 

As posições do XX Congresso chegaram ao Brasil durante o governo JK, que era apoiado pelo Partido. Nas fileiras partidárias houve dois tipos de reação: alguns setores respaldavam-se no XX Congresso para defender posições reformistas, outros o rechaçavam para reafirmar posições revolucionárias.

Em agosto de 1957, começa um processo de retaliação política contra porta-vozes das “posições revolucionárias” e são destituídos da Comissão Executiva do Comitê Central João Amazonas, Maurício Grabois e Sérgio Holmos. Diógenes Arruda, acusado de métodos autoritários, também foi afastado. Coincidentemente, um mês antes, no PCUS, houve retaliação semelhante, com a destituição de funções de Molotov, Malenkov e Kaganovitch, que resistiam à linha do “informe secreto”.    

No primeiro trimestre de 1958, a direção divulgou, com o apoio do seu principal dirigente Luis Carlos Prestes, a “Declaração de Março de 1958”, e aí já aparecem posições até então só do XX Congresso do PCUS. Os setores que defendiam a postura revolucionária do partido começaram a perceber que estava em curso a transformação do Partido em uma organização nacional-reformista. Resistir era preciso, e o ponto mais expressivo da resistência passou a ser a defesa do caminho revolucionário para se chegar ao socialismo, da luta armada. Duas tendências opostas aí já aparecem com nitidez, a reformista e a revolucionária.

Quando, em abril de 1960, se inicia o debate preparatório para o 5º Congresso, o primeiro artigo que aparece foi de Maurício Grabois, sintomaticamente intitulado “Duas concepções, duas orientações políticas”. Uma semana depois aparece artigo de Pedro Pomar, também com o sugestivo título de “Análise marxista ou apologia do capitalismo?”.

No plenário do 5º Congresso, em agosto/setembro de 1960, as teses reformistas foram vitoriosas e na eleição do novo Comitê Central, doze dos vinte e cinco titulares anteriores e diversos suplentes foram afastados. Grabois, Amazonas e Arruda não foram reeleitos. Pomar, Danielli, Arroio, Lincoln Oest, José Duarte, Walter Martins e Calil Chade, algum tempo depois, foram afastados. Os representantes das posições revolucionárias eram cada vez mais alijados dos cargos partidários.

Em 11 de agosto de 1961, o jornal do Partido, “Novos Rumos”, inesperadamente publica um Programa e os Estatutos de um Partido Comunista Brasileiro, que supostamente seria o novo nome do Partido Comunista do Brasil e para quem se pleiteava a legalização.  Na verdade, anunciava-se a criação de novo partido, com Programa e Estatutos próprios e que se chamava Partido Comunista Brasileiro.

Incontinente, dirigentes e membros partidários subscrevem uma “Carta dos Cem”, que denuncia a ilegalidade das decisões tomadas e a violação dos Estatutos pelo Comitê Central. Depois, submete o novo Programa, os Estatutos e a mudança de nome do Partido a uma crítica demolidora, revelando estar em curso a tentativa de liquidação ideológica do Partido. Propõe finalmente a convocação imediata de um Congresso extraordinário para decidir sobre as questões postas.

O grupo da direção, que já falava como Partido Comunista Brasileiro, não recuou. Ao contrário, em janeiro de 1962, investe contra o que chamou de “grupo fracionista encabeçado por João Amazonas, Maurício Grabois e Pedro Pomar” e do qual “fazem parte também José Duarte, Ângelo Arroio, W. Martins (Pepe), Calil Chade, Carlos Danielli e Lincoln Oest”. Proclama que foram todos “expulsos de nossas fileiras”. De que fileiras? Das fileiras do PC Brasileiro? Mas como aqueles dirigentes poderiam ser expulsos de um partido do qual nunca participaram?

Então, no mês seguinte, em fevereiro de 1962, realiza-se em São Paulo uma “Conferência Extraordinária do Partido Comunista do Brasil”, que reorganiza o Partido. A conferência aprova um Manifesto Programa, que retoma, corrige e desenvolve conclusões do IV Congresso; vota os Estatutos, resgatando o princípio do internacionalismo proletário e a base teórica do marxismo-leninismo; elege um Comitê Central, à frente do qual estavam João Amazonas, Maurício Grabois e Pedro Pomar; e levanta a tradicional bandeira de combate dos comunistas brasileiros, gravada com o nome de Partido Comunista do Brasil.   

Paralelamente os desdobramentos do XX Congresso do PCUS se aprofundam. Toma corpo um acirrado debate sobre posições políticas e de princípio entre o Partido Comunista da China e o Partido Comunista da União Soviética. 

Mas, a “reorganização” de 1962 do PC do Brasil não foi conseqüência direta dessa polêmica, não tendo os comunistas do Brasil, até aquele período, um conhecimento pleno da magnitude que as divergências assumiam em nível internacional. O Manifesto Programa aprovado em 1962 fala que “a União Soviética marcha para o comunismo”, posição que vai até meados de 1963.
Ocorre que o secretário-geral do PCUS Nikita Kruchev citou nominalmente João Amazonas e Maurício Grabois, responsabilizando-os por supostamente terem formado uma “fração anti-partido” no interior do PCB, e vinculando-os ao Partido da China. Foi a partir desse episódio que o PC do Brasil, em julho de 1963, rompeu publicamente com o PCUS, através do documento “Resposta a Kruchev”.

Esses são os fatos centrais relacionados com a “reorganização” do PC do Brasil em 1962. Agora, algumas observações finais.

Quando tudo isso aconteceu, não faltaram vaticínios de que aquela “reorganização” não tinha futuro. O novo partido, o que mudou de nome, de Programa e de Estatutos continuava a usar a sigla PCB e tinha à sua frente a maior liderança dos comunistas até então, Luis Carlos Prestes. O Partido reorganizado, que passou a usar a sigla PC do B, era bem menor. Contudo, tinha à sua frente três camaradas decididos, João Amazonas, Maurício Grabois e Pedro Pomar. Mas, perante os trabalhadores, a intelectualidade, os políticos e o povo em geral o Brasil aparecia como tendo dois partidos comunistas.
 
Na história dos homens é assim. Quando as coisas estão confusas e os dados embaralhados, é hora de deixar agir um personagem implacável, que não se furta a esclarecer as questões, que é o tempo. O tempo introduz na vida diversos testes que confirmam ou negam as histórias e esclarecem os dados controversos.  

E o tempo começou a fazer a sua parte logo depois da “reorganização” de 1962, quando ocorreu o golpe militar de 1964. Isto evidenciou o erro de se colocar, naquele momento, no mundo, na América Latina e no Brasil, a transição pacífica como a hipótese principal ou única para as transformações sociais. E a possibilidade da resistência armada começou a ser defendida por muita gente que tinha ficado no PCB.  

E assim, em dezembro de 1967, no que chamaram de “VI Congresso”, foram expulsos do PCB, por defenderem a resistência armada no Brasil, Carlos Marighela, Jover Teles, Jacó Gorender, Mário Alves, Joaquim Câmara Ferreira, Apolônio de Carvalho e Miguel Batista.  Em janeiro de 1984, no intitulado “VII Congresso do PCB”, realizado em São Paulo, consumou-se a exclusão dos quadros do PCB de Luis Carlos Prestes.

Um dos expulsos em 1967 voltou ao assunto de 1962, vinte e sete anos depois, na revista Teoria e Debate, de abri/junho de 1989. Era Apolônio de Carvalho, herói da resistência francesa, que lutou na guerra civil espanhola.

Rememorando episódios antigos disse ele: “havia uma situação de estranheza… em relação à visão de um caminho pacífico… e essa estranheza… foi crescendo a partir de 1956. (XX Congresso do PCUS). Ela colocou em posição de rebeldia uma parte dos dirigentes que não queriam aceitar a resolução política do XX Congresso. São os dirigentes que depois seriam afastados da direção e mais tarde formariam o PC do B, mas que eram, em sua quase totalidade, membros do secretariado e da Comissão Executiva do Partido até agosto de 1957.”

E Apolônio emenda reflexões: na época, “muitos de nós ficamos em situação de dúvida, sem alternativa, situação muito penosa, porque imobilista”; tínhamos “para com o Amazonas, Pedro Pomar, Arroyo imenso respeito. Na verdade, eu vacilei. Esses companheiros não negaram o marxismo e o partido de maneira nenhuma. Fizeram uma luta interna limpíssima, aberta, corajosa, decidida, muito positiva…” E conclui: “Em 1964 nós daríamos razão a eles”.
Trabalhando de forma inexorável, o tempo foi reduzindo as forças do “Brasileiro”, o seu discurso, a sua potencialidade de enganação até que em 1992, no que chamaram de “X Congresso do PCB”, ele se esvai e decide criar um partido que já não tinha nada a ver com comunismo, o PPS – Partido Popular Socialista.

Hoje, quando todos comemoram os 90 anos do Partido, o implacável tempo não deixou dúvidas de que o Partido Comunista do Brasil, PC do B, é o partido fundado em 1922 e reorganizado em 1962, herdeiro das valorosas tradições de nove décadas de lutas, de buscas e de sonhos renovados.

2. A luta contra a ditadura

O golpe de 1964 travou o projeto de “reformas de base” de sentido progressista pelo qual se orientava o governo João Goulart. Seu governo ficou efetivamente condenado quando tocou em duas questões centrais: 1) no capital estrangeiro, sancionando, em Janeiro de 1964, a Lei de Remessa de Lucros; e 2) no latifundio, anunciando que a reforma agrária iria iniciar logo, com a desapropriação de terras às margens das rodovias federais, das ferrovias e dos açudes. Dezoito dias depois deste anúncio, o governo foi derrubado.

Não esqueçamos que para a derrubada do governo Goulart, os Estados Unidos desencadearam a Operação Brother Sam, movimentando na costa brasileira força militar da Frota do Caribe, com a participação do porta-aviões nuclear Forrestal, para intervir no Brasil, caso houvesse reação ao golpe.

Instaurada a ditadura, logo foi revogada a Lei de Remessa de Lucros e arquivado o projeto de desapropriação anunciado. Como as reformas de base estavam respaldadas pelos movimentos sociais e povo mobilizado, contra estes se abateu a repressão.

O Partido teve clareza em perceber o alcance e as pretensões dos golpistas. Em agosto de 1964, divulgou sua primeira apreciação do golpe, onde observava que aquele golpe veio com pretensões de ficar. 

Mas foi em 1966, em sua VI Conferência Nacional, que o Partido apontou o caminho do enfrentamento da ditadura. Aí, em seu documento “União dos brasileiros para livrar o país da crise, da ditadura e da ameaça néo-colonialista” ele sinaliza duas questões chaves para sair da crise: 1) a derrubada da ditadura, a constituição de um governo das forças democráticas e patrióticas e a convocação de uma Constituinte; e 2) o meio para atingir esse objetivo, a resistência ampla das forças oposicionistas, aí se incluindo a resistência armada.

A ditadura contou, durante certo tempo, com apoio de camadas médias da população e membros das classes dominantes. Chegou a ter parceria com setores da grande imprensa. Mas, na continuidade, com as restrições políticas generalizadas, com a repressão às entidades sindicais e movimentos populares e com o arrocho salarial, foi se isolando cada vez mais. Mesmo segmentos que a tinham apoiado no início, começaram a dela se desligar. Ela respondia com mais truculência e com isto mais se estreitava.

No ano de 1968, quando ocorreram movimentações libertárias em vários países, cresceu também a contestação no Brasil. A juventude estudantil ganhou as ruas, greves de trabalhadores eclodiram e o regime militar respondeu com o ato discricionário mais truculento de quantos editou, o AI-5. Recrudesceram as prisões, as perseguições, a censura, a espionagem política. A partir de então, o governo passa a usar, de forma sistemática, a tortura no tratamento aos presos políticos.

Ocorreu que, com o AI-5, houve um refluxo no movimento de rua, mas. por outro lado, cresceu a opção de variados setores e de lideranças jovens pela luta armada.

Grassava na época a teoria do “foco guerrilheiro”, espelhado em uma forma de interpretar a Revolução Cubana. Isto fomentou o surgimento de organizações que se propunham à “guerrilha urbana”, o que começou a ocorrer em certo sentido, e que levou a ditadura a esmerar-se na montagem de falsos “tiroteios”, através dos quais exterminou inúmeros combatentes.

Naquele momento, para expressivos setores revolucionários, estava em discussão, não o recurso à luta armada, mas o caminho de fazê-lo. O Partido deu duas opiniões sobre o assunto.

Uma no documento “Alguns problemas ideológicos da revolução na América Latina” (maio/1968), no qual submete a teoria do “foco” a uma crítica sistemática, mostrando-a não condizente com a visão marxista que não acata como correta e viável em uma luta, a substituição do povo por um grupo de homens audazes. Outra, no documento, “Guerra Popular – Caminho da luta armada no Brasil,” (janeiro/ 1969), este sim afirmativo, fruto da análise, em primeiro lugar, das condições do Brasil, e em segundo lugar das lições extraídas da vitoriosa revolução chinesa e da própria luta de libertação em curso do povo vietnamita. As condições brasileiras mostravam dimensões continentais do país, vasto interior de difícil acesso, (sobretudo a armas de grande porte), imensa cobertura vegetal em certas áreas, (que dificultava operações aéreas), certa tradição de lutas camponesas, grandes cidades, onde a resistência poderia também se desenvolver, daí porque não caberia a fórmula chinesa do cerco das cidades a partir do campo. 

Entre 1969 e 1973, a ditadura aumentando investimento nas estatais, usando a chamada “verdade tarifária” e investindo na indústria pesada conseguiu que a taxa média de crescimento no Brasil fosse em média de 10%, embora com grande desigualdade socioeconômica e regional. Isto deu lugar a que esse período fosse chamado de “milagre brasileiro”.  O dito “milagre” estava em pleno curso quando, em 1972, começa a resistência guerrilheira do Araguaia.

O Araguaia foi fruto de uma decisão do Partido de, em local previamente escolhido, favorável a uma resistência, ir assentando camaradas que, ao cabo de anos, vivendo, e trabalhando com o povo da região, estaria com ele perfeitamente integrado. O trabalho político deveria ser o mais discreto possível, sem o que tudo poderia ser perdido. Quando forças razoáveis estivessem bem situadas, em área bem extensa, as movimentações reivindicatórias e políticas poderiam ir aparecendo. Chegando a repressão, haveria resistência. No desdobramento, a resistência poderia se alastrar, revigorar a luta nas cidades, provocar desgaste na ditadura e ajudar na criação de uma situação insustentável para o regime.

Os camaradas já lá estavam em número de sessenta e nove, alguns desde 1966. Diferentemente da concepção foquista que achava que a “coluna guerrilheira cria o partido”, eles eram o Partido, para criar a guerrilha em circunstâncias determinadas. Descobertos, o Exército intervém de imediato, para acabar com tudo. E aí, a surpresa, houve resistência.

Os guerrilheiros enfrentaram contingentes numerosos nas três campanhas militares realizadas, por dois anos e meio. Entre a primeira e a segunda, organizam a União pela Liberdade e pelos Direitos do Povo (ULDP), com seu programa de vinte e sete pontos, baseado nas necessidades mais sentidas do povo da região. A guerrilha do Araguaia foi uma página heróica da história do Brasil, honra e enaltece o Partido que a dirigiu. Ela foi derrotada, mas para a ditadura o alerta ficou: outros Araguaias poderão surgir.

Durante a guerrilha, e para reforçar a luta guerrilheira, a quase totalidade da maior organização de oposição à ditadura, a Ação Popular Marxista-Leninista do Brasil, após longa luta ideológica, incorporou-se no PCdoB: foi o mais importante e exitoso processo unificador na história das esquerdas brasileiras.

A ditadura havia tomado fôlego com o chamado “milagre”, mas o anseio libertário do povo não arrefecia. Pelo contrário, ganhava novos cenários, na música, na literatura, na ciência, no púlpito, na imprensa, nos meios profissionais. E o “milagre” econômico tinha um ponto gravemente vulnerável: a enorme dependência do Brasil da importação do petróleo.

Eis que em 1973, ocorre o chamado “primeiro choque do petróleo”, quando o preço do óleo passou de US$3/barril para US$12/barril. A balança comercial brasileira teve enorme déficit que foi crescendo até que aconteceu o “segundo choque do petróleo”, quando o óleo foi para US$32/barril e o Brasil entrou em recessão. A ditadura se exauria política e economicamente. Procurou a “abertura”.

Na nova situação de declínio da ditadura, o PC do B ajustou sua tática e lançou, em janeiro de 1975, o documento “Levar adiante e até o fim a luta contra a ditadura”, que ficou conhecido como o “documento das três bandeiras”: 1)anistia ampla, geral e irrestrita; 2) abolição de todos os atos e leis de exceção; e 3) convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte Livre e Soberana.

No final de 1975 foi fundado em São Paulo o Movimento Feminino pela Anistia, MFPA e, em seguida, diversos Comitês Brasileiros pela Anistia, CBAs, foram criados pelo país afora.
O regime ditatorial já estava em seu declínio quando, no final de 1976, perpetrou a Chacina da Lapa, em São Paulo, onde executou mais três líderes comunistas e prendeu mais quatro dirigentes do Partido. Em 1979, o movimento pela anistia cresceu o suficiente para impor-se, o governo acatou a anistia, embora restringindo-a.

Com a anistia, mesmo distorcida e incompleta, os presos políticos foram libertados e os exilados voltaram. A movimentação social recomeçou.

Em 1984 houve o maior movimento de massas da história do país, a campanha das “Diretas Já”, para que se fizesse eleição direta imediata para presidente da República. O PCdoB, mesmo proibido, ganhou as praças. Mas as “Diretas Já” não passaram no Congresso.

A Nação ficou chocada. A oposição, em dúvida. Parte dela ensaiou o movimento chamado “Só Diretas”. Entretanto, crescia o clamor por um candidato único das oposições para derrotar o candidato do regime no Colégio Eleitoral. Tancredo Neves era o candidato oposicionista mais viável, mas teria que renunciar ao governo de Minas para se candidatar. Em meio a tanta confusão, renunciaria?

Nessa situação realça o papel do PCdoB. Perante lideranças oposicionistas, em Brasília, através de seu presidente Amazonas, defende que a oposição deveria ir ao Colégio Eleitoral não para coonestá-lo, mas para acabar com a ditadura; e que, se um candidato assumisse abertamente este compromisso, o Partido iria às ruas ajudar a legitimá-lo. Amazonas foi a Minas expor esta posição a Tancredo. Quando este se candidatou, reeditaram-se os grandes comícios das “Diretas Já”. A vitória de Tancredo no Colégio, em 15 de janeiro de 1985, sepultou o Colégio e a ditadura. Foram restabelecidas as eleições diretas para presidente e para prefeitos de capitais, concedido o direito de voto aos analfabetos, legalizado os partidos clandestinos e outras medidas democráticas. O Partido Comunista do Brasil retorna à legalidade. João Amazonas e o então líder da Bancada federal Haroldo Lima foram recebidos no Palácio do Planalto pelo presidente José Sarney. Estava redemocratizado o país.

3. A constituinte de 1987

Dois anos após o golpe, na Resolução da sua VI Conferência, o Partido já mostrava que o enfrentamento da ditadura deveria conduzir a uma constituinte. Mas o Partido sempre vinculou a luta pela constituinte com a luta pelo fim do regime militar, por isto que a constituinte deveria expressar um anseio da população e deveria se dar em circunstâncias determinadas. Nos primeiros anos da ditadura, talvez só o PC do B tenha apontado o horizonte de uma constituinte. Seria o avanço da luta que iria amadurecer nos setores democráticos, no povo em geral, essa idéia. E tal aconteceu. Quando o regime já estava em declínio, mas não batido, a bandeira da constituinte começou a ser hasteada por muitas mãos. Em 1975, a constituinte coroava as “três bandeiras”  levantadas pelo Partido, a anistia, a revogação dos atos de exceção e a constituinte.

Politicamente a luta anti-ditatorial já tinha transposto dois momentos cruciais: a anistia e a eleição no Colégio Eleitoral de um presidente comprometido com o fim do Colégio. Restava a convocação da constituinte e as condições preliminares para que tal acontecesse.
Eis que o governo intermediário do presidente Sarney, começou a restaurar liberdades básicas – o voto dos analfabetos, a legalidade dos partidos clandestinos, das centrais sindicais, da UNE, o fim da censura. Ficaram assim postas as condições para a convocação da constituinte, que foi feita em novembro de 1985. 

Para a eleição da constituinte em 1986, todas as forças políticas do país se mobilizaram. O PC do B editou um pequeno livro expondo as posições chaves que lá defenderia, fez campanha de massa e elegeu cinco deputados Aldo Arantes (GO), Edmilson Valentim (RJ), Eduardo Bonfim (AL), Haroldo Lima (BA) e Lídice da Mata (BA).

É claro que num processo eleitoral realizado depois de uma ditadura de vinte e um anos, as insuficiências democráticas ainda eram grandes. Tudo isto se expressou na qualidade da constituinte formada, em cuja eleição registraram-se 40 % de votos brancos, nulos e de abstenção. Na época o Partido avaliou que 70% dos constituintes eram de centro e centro-direita.

Foi neste contexto, que não comportava muitas ilusões, que as forças democráticas, incluindo o PC do B, foram à luta. Na época não existia o número elevado de partidos que hoje tem no Congresso, mas o Partido tomou a iniciativa de criar, com o PT, PDT, PSB, esquerda do PMDB e outros, uma “Articulação Progressita”, importante em muitos momentos.

O relativo avanço das posições progressistas na constituinte fez com que setores de centro-direita articulassem um grupo que foi chamado de Centrão.  E ocorreu que, mais ou menos a partir daí, a mobilização popular em tono da constituinte, participando, vigiando, discutindo e propondo posições cresceu a um nível tão elevado, que o funcionamento da constituinte se transformou em uma verdadeira festa democrática, com setores, entidades, lideres e povo em geral defendendo os mais variados pleitos nacionais e de categorias. Houve 122 emendas populares, levadas a Brasília por centenas de entidades da sociedade civil, subscritas por 12.277.433 de brasileiros, num processo inédito na história republicana.

Pelos dados do Serviço de Processamento do Senado,o Prodasen, a bancada do PC do B apresntou 1003 emendas ao texto constitucional, das quais foram aprovadas, no todo ou em parte, 204.

No final, a bancada do Partido apresentou uma declaração de voto frente ao texto constitucional aprovado, manifestando suas opiniões divergentes frente a algumas questões concretas, realçando aspectos positivos do texto, sobretudo a forma democrática como foi construído  e finalmente, assinando, como todos os constituintes, o texto final.

O PC do Brasil é o único partido em atividade no Brasil que já participou de três constituintes, a de 1934, na qual, embora clandestino, elegeu o estivador Álvaro Ventura como representante classista; a de 1946, com quinze constituintes e a de 1987/88, com uma bancada de cinco. Sistematizando suas experiências, depois da constituinte de 1987/88, ele tirou quatro lições: a primeira é a de que, mesmo em circunstâncias aparentemente definidas e adversas, é proveitoso batalhar, articular, detectar as contradições, ainda que secundárias, existentes entre os diversos setores e, com flexibilidade, não abrir mão da firmeza; a segunda é a de que as classes dominantes, freqüentemente e em assuntos importantes, não têm um comportamento monolítico, mas dividem-se em função de interesses de grupos. Essas contradições podem ser exploradas em benefício do povo; a terceira é de que em todas as situações é fundamental a pressão popular, a mais diversificada e intensa possível, nos estados e no centro das decisões; e a quarta diz respeito ao caráter das mudanças, onde podem suceder mudanças importantes, mas não alterações decisivas em questões verdadeiramente estruturais.

4) O 8º Congresso

A partir do XX Congresso do PCUS de 1956, a estrutura econômica do socialismo na URSS, bem como no antigo campo socialista do Leste europeu, passou a um quadro de crise crônica. A produtividade decrescia, a população perdia benefícios e qualidade de vida. O Estado, com  características policiais, suscitava insatisfação crescente. O modelo soviético de socialismo, em essência unificado na URSS e naqueles países europeus, mostrava-se exaurido. Enquanto isto, o mundo capitalista investia forte para deixar a imagem, junto aos trabalhadores e ao povo dos países socialistas, que o capitalismo era o reino do progresso, da liberdade e das realizações pessoais.

No quadro de problemas já graves acumulados durante anos, assume a chefia do PCUS e do Governo Soviético, entre março e abril de 1985, Mikhail Gorbatchev, que anuncia, em 1986, no 27º Congresso do PCUS, um chamado programa de reformas. Esse programa era um conjunto de medidas liberalizantes, a exemplo da desmobilização, sem qualquer garantia ou compensação, da aliança militar da URSS e dos países socialistas do Leste europeu, o Pacto de Varsóvia. Como se recorda, o Pacto de Varsóvia foi criado em 1955, justamente para fazer frente à aliança militar dos EUA e dos países capitalistas da Europa, a Aliança do Atlântico Norte, a OTAN, que existia desde 1949. 

Gorbachev não buscava alternativas para salvar o socialismo, mas para não apresentar resistência à chegada do capitalismo. As populações da Hungria, da Tchecoslováquia e da Polônia, depois de visita de Gorbachev, se agitavam, já que não viam alternativas à crise, enquanto a ofensiva capitalista lhes prometia prosperidade fácil.

Em Pequim, a partir de abril/ maio de 1989, setores estudantis começaram a levantar pleitos de melhorias em condições de estudos e outras e começam a se aglomerar na praça Tiananmen. Em maio, Gorbachev vai a Pequim e se propõe a dirigir a palavra aos acantonados, o que não foi autorizado pelo PC da China. A partir de determinado momento, o movimento foi considerado pelo PC da Chia como tendo mudado de caráter, passando a questionar o Poder da República Popular. Em 3 de junho o movimento foi contido com o emprego de força militar. 

Mas foi na Alemanha, em 1989, que aconteceram as transformações mais dramáticas. O Muro de Berlim era o alvo predileto da propaganda capitalista, que o apresentava como símbolo do socialismo, o que não era verdade, já que sua construção é dos tempos de Kruchev. No desdobramento de cinco semanas de mobilizações o Muro veio abaixo em 9 de novembro de 1989.  Poucos meses depois, todos os regimes socialistas do Leste europeu chegavam ao fim. A própria URSS se acabou.

Esta era uma situação de grave crise no movimento comunista. Partidos Comunistas que estavam no Poder e outros fora dele, ou foram extintos, ou auto-extinguiram-se, ou mudaram de nome, arriando bandeira e renegando símbolos. Parecia uma debandada.

Nas fileiras capitalistas, a algazarra era grande e havia uma disputa para saber quem proclamava com mais força que o socialismo acabara. O cientista político americano Francis Fukiama considerou que, com fim do socialismo e a derrota do comunismo, a história chegara ao seu final e escreveu o livro de sucesso “o fim da história”.

Todavia, alguns contra-pontos fortes iam aparecendo. A China socialista continuava de pé, dirigida pelo seu PC da China; a mesma coisa com o Vietnã e seu Partido do Trabalho; a mesma com Cuba, com a Coréia do Norte. E se diversos partidos comunistas fora do Poder se auto-dissolveram, outros tantos não se abalaram.

O PC do Brasil escreveu, neste momento, outra página gloriosa de sua história. Se ele capitula à maré derrotista, o movimento comunista no Brasil, por algum tempo, desapareceria. Mas o Partido teve uma lúcida e serena postura revolucionária.

Ante o desempenho reacionário de Gorbachev, denunciou-o. Ante a queda do socialismo do Leste europeu, conclamou as forças progressistas para fazerem um balanço daquela experiência, refletirem sobre as causas da derrota, reconhecerem a crise do socialismo e da própria teoria marxista e empenharem-se na sua superação.

Em seu 8º Congresso, em 1992, o Partido cerra fileiras em defesa do socialismo, entendendo que ficara demonstrado que não existia modelo único de socialismo, que cada Nação terá que encontrar o seu caminho nacional, ou as peculiaridades da sua experiência socialista, que o socialismo do tipo soviético demonstrou enorme potencialidade até certo ponto, mas se exauriu, e que encontrar formas socialistas novas, adaptadas à situação atual, é uma imposição da atualidade que não perdoa a estratificação da teoria.

O 8º Congresso do Partido proclamou, de forma enfática, o que o seu lema dizia: “O socialismo vive”, e abriu caminho para que, em seguida, a 8ª Conferência realizada em 1995, aprovasse o primeiro Programa Socialista do PC do B para o Brasil.

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Membro da direção nacional do Partido Comunista do Brasil (PCdoB)