E a paixão. Ou o amor. Especialmente nas faixas “Essa Pequena” e “Se Eu Soubesse”. O amor que prega “peças”, pois não tem idade e muito menos escolha.

Cantado lindamente para os cabelos “cor de abóbora” enquanto “o meu é cinza”, o poeta se desconcerta diante do inusitado. Chega até a dizer que isso não deveria ser assim. E constata: “Meu tempo é curto, o tempo dela sobra”.

Interessante pensar a clausura em que muitas vezes nos colocamos. Bom pensar que só ficamos impermeáveis se assim decidirmos. O que permite ter um sinal verde para aquela pessoa e naquele dito momento? O que faz uma pessoa se apaixonar por outra?

São muitas as tentativas de explicação. Quando clinicava, eu tinha interesse em entender isso e percebi que algo de muito profundo fazia “aquela” pessoa se apaixonar por Joana, e não por Maria, apesar das explicações dadas serem incompreensíveis -do tipo “adoro o jeito que ela mexe o cabelo, me apaixonei na hora”. Ou, como me disse uma paciente numa frase também sem sentido: “Ele tem um cheiro tão limpinho!”.

A expressão usada não era nem “um cheiro gostoso”. Era “limpinho” mesmo. Tratando-se de uma mulher cheirosa e sofisticada, entende-se logo que era como ela conseguia descrever o encantamento, mas não o significado. Qual seria ele então? A que remontaria tal cheiro ou sensação? Que sentimento bom e delicioso ou seguro e carinhoso criava tal descrição do amor? Certamente alguma experiência tão primitiva e marcante quanto profunda e satisfatória.

Com a vida, passei a acreditar que os momentos nos quais as paixões ou o amor -isso mesmo, são diferentes, apesar de a paixão poder virar amor- ocorrem virão por inspiração diferente, sem qualquer juízo de qual seria o melhor.

Quem nunca viveu o sabor de uma paixão passou na terra sem caminhar nas nuvens. E foi ao inferno.

Viver e produzir em função do brilho do olhar do outro, contar minutos para ouvir a voz do ser amado ou esquecer-se do universo real pode ser inesquecível, mas a vida vivida torna-se também um mar de angústia e sofrimento. Porém, como diz Chico na sua música, “sinto que ainda vou penar com essa pequena, mas o blues já valeu a pena”.

O amor é diferente porque é construído naqueles dias de discussões intermináveis e de beijos profundos. No compreender, ceder e tentar melhorar. No compartilhar o que era, até então, privado. No resguardar individualidade e espaços. No descobrir e explorar em conjunto. O amor tem a vantagem do crescimento e da sensação de plenitude e o bom ônus do investimento diário.

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Fonte: Folha de S. Paulo