Em reunião que começou à tarde e se estendeu até o início da noite de terça-feira (22), Nilmário Miranda afirmou em seu voto que Cabo Anselmo tornou-se parte “explícita” do regime, atuando em ações que resultaram na tortura e na morte de pessoas que combatiam a ditadura, em especial a própria companheira, Soledad Barret Viedma. Segundo ele, Cabo Anselmo já era agente duplo nas manifestações na Marinha nos primeiros meses de 1964.

Genivalda Melo da Silva, ouvida na sessão como testemunha, também ficou satisfeita com a decisão. Ela é viúva de uma das vítimas delatadas pelo Cabo Anselmo. “Vivi anos fugindo sem saber porque estava fugindo, meu marido não falava nada”, contou. José Manoel da Silva, seu marido, foi preso e ela só soube de sua morte pela mídia. “Ouvi no Repórter Esso que a Polícia Federal havia desmembrado um grupo de terrorista em Recife (PE) e eles apareceram mortos, inclusive José Manoel”. Genivalda disse que conhecia pouco o Cabo Anselmo. “Ele ser anistiado para mim será a maior vergonha. Eu não aceito que ele seja anistiado”, declarou em depoimento.

Durante o encontro, Genivalda Melo da Silva fez um relato sobre a morte do marido. Num depoimento emocionado, acusou Anselmo de entregar José Manoel à repressão. Ela emocionou os 12 integrantes da comissão e a plateia ao relatar que foi torturada e violentada sexualmente por agentes da repressão logo após a morte do marido. Genivalda lamentou que Cabo Anselmo não estava presente. O advogado dele, Juliano Brandi, tentou convencer a Comissão de que o seu cliente foi obrigado a virar agente duplo.

Mais cedo, o anistiado Anivaldo Padilha, pai do ministro da Saúde, Alexandre Padilha, criticou o pedido de indenização de Anselmo. “Acho que, ao fazer o requerimento de anistia e pedido de reparação, o Cabo Anselmo está cumprindo o papel que sempre cumpriu, que é o de agitador externo, um agitador infiltrado”, disse.

Foi a primeira vez que o Comissão analisou o pedido feito por um agente duplo no período da ditadura. O assunto alterou a composição comum do colegiado. Normalmente, uma turma de quatro conselheiros decide pedidos de anistia política. No caso do Cabo Anselmo, participam 12 integrantes, ou seja, metade do total de conselheiros.

A sessão foi coordenada pelo presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abrão. Ele ressaltou que o fato de Cabo Anselmo passar a atuar como um agente repressor inviabilizava, constitucionalmente, a reparação. A concessão da anistia, na avaliação de Abrão, não se deveria aplicar ao caso do agente duplo. “Abrir um precedente de uma anistia para um agente repressor é distorcer o instituto da reparação e os preceitos dos Estado democrático de direito”, afirmou.