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    Comunicação

    Da Declaração de Março ao V Congresso do PCB – Prestes X Amazonas

    Em agosto de 1957, o PCB avançou na sua adequação às mudanças políticas e ideológicas ocorridas no interior do PCUS. A reunião do Comitê Central, na qual Prestes apareceu pela primeira vez desde 1948, aprovou dois documentos, aparentemente, contraditórios. No primeiro, “A Atividade anti-partidária de Agildo Barata”, comunicava a expulsão de suas fileiras daquele dirigente, […]

    POR: Augusto Buonicore*

    Em agosto de 1957, o PCB avançou na sua adequação às mudanças políticas e ideológicas ocorridas no interior do PCUS. A reunião do Comitê Central, na qual Prestes apareceu pela primeira vez desde 1948, aprovou dois documentos, aparentemente, contraditórios.

    No primeiro, “A Atividade anti-partidária de Agildo Barata”, comunicava a expulsão de suas fileiras daquele dirigente, acusado de fracionismo e desvio de direita. No segundo, “O trabalho da direção e a composição do Presidium e do Secretariado do Comitê Central”, assinado por Prestes, voltava-se contra os elementos mais à esquerda, que rejeitavam algumas teses do XX Congresso.

    Aqui se dizia: “E, se é certo, enfim, que alguns membros do Presidium foram os portadores mais destacados das ideias revisionistas que afloraram com força no pleno de outubro de 1956, é igualmente verdade que a linha dogmática, sectária e mandonista, que forma um corpo de concepção e métodos estranhos ao marxismo-leninismo, é a dominante que se cristalizou em todos os membros do Presidium e vem, até agora, dificultando a correção dos erros já reconhecidos e proclamados”. (Voz Operária, 7/09/1957).

    Este documento seria a base para a decisão de excluir Diógenes Arruda Câmara, João Amazonas, Maurício Grabois e Sérgio Holmos da Comissão Executiva Nacional do PCB. Todos foram acusados de serem dogmáticos e sectários. Para seus lugares foram promovidos Giocondo Dias, Mário Alves, Carlos Marighella e Calil Chade. Segundo Prestes, autor da proposta, as mudanças foram aprovadas por uma margem muito pequena de votos: 13 a 12.

    A reunião também elegeu uma comissão para elaborar documento que contemplasse as mudanças políticas que estavam sendo delineadas pela direção do PCB, sob a égide dos “ensinamentos do XX Congresso”. Mas, como a composição não agradou Prestes, este formou outra comissão, “ultrassecreta”, composta por Giocondo Dias, Jacob Gorender, Mário Alves, Alberto Passos Guimarães e Orestes Timbaúva.

    Foi esta que elaborou a Declaração de Março de 1958, aprovada pelo Comitê Central com o voto contrário de João Amazonas. Ela alterava as resoluções do IV Congresso ocorrido em 1954. Começava assim, ainda que timidamente, a se definir duas tendências no interior do Partido Comunista do Brasil.

    A Declaração de Março estava impregnada de um otimismo exagerado em relação às benesses que poderia trazer o desenvolvimento do capitalismo no Brasil.

    Dizia que, nas “condições presentes de nosso país, o desenvolvimento capitalista corresponde aos interesses do proletariado e de todo o povo”.

    Como consequência, a burguesia nacional passava a ser vista como uma força revolucionária e aliada do proletariado, apesar de suas vacilações. O processo de democratização era “uma tendência permanente” que poderia “superar quaisquer retrocessos e seguir incoercivelmente para diante”.

    Outra passagem dizia: “À medida que se desenvolve o capitalismo no país, os partidos políticos brasileiros adquirem um caráter cada vez mais estável e nacional”. Concluía existir no país a “possibilidade real de conduzir, por formas e meios pacíficos, a revolução anti-imperialista e antifeudal (…). Este caminho é o que convém à classe operária e a toda a nação”.

    As duas tendências opostas que se formavam no interior do Partido se enfrentaram durante os debates preparatórios do V Congresso do PCB, realizado em 1960. As divergências que estavam represadas explodiram.

    Em abril de 1960, o jornal Novos Rumos – órgão oficioso da direção do PCB – apresentou o projeto de resolução do Comitê Central que deveria ser objeto de discussão e deliberação por parte do coletivo dos militantes.

    A linha política era quase a mesma da Declaração de Março de 1958. Reafirmava a possibilidade da coexistência pacífica entre o bloco socialista e imperialista e a transição pacífica para um novo regime social. Foi editada, como encarte no jornal Novos Rumos, uma Tribuna de Debates para que os comunistas pudessem, livremente, expressar suas opiniões.

    A primeira crítica aos documentos apresentados apareceu logo no primeiro número da Tribuna de Debates, publicado em 29 de maio. Era o artigo “Duas concepções, duas orientações políticas”, escrito por Maurício Grabois. Referindo-se à Declaração de Março, diria que “não exprime uma política justa”, pois “exagera a importância do desenvolvimento do capitalismo” e, mesmo, “embeleza o capitalismo”.

    Conclui que “toda orientação estratégica e a linha tática expostas na declaração têm em vista quase exclusivamente os interesses da burguesia, conduzem ao fortalecimento de suas posições políticas, em prejuízo das demais forças revolucionárias”.

    Grabois ainda publicou os artigos “Quem falsifica? Quem deturpa?”, “Uma defesa falsa de uma linha oportunista”, “Uma defesa falsa de uma linha oportunista II”, “Não retornar aos erros do passado, nem perseverar nos erros do presente I” e “Não retornar aos erros do passado, nem perseverar nos erros do presente II”.

    Entre os que criticavam as teses do Comitê Central se encontram: João Amazonas, Pedro Pomar, Ângelo Arroyo, Carlos Danielli, Calil Chade e Orlando Piotto. Na sua defesa se destacaram Jacob Gorender, Mário Alves, Giocondo Dias, Marco Antônio Coelho e o próprio Prestes.

    Estranhamente, neste debate, Diógenes Arruda ficou do lado de Prestes. Sua opinião foi expressa no artigo “Estertores e mimetismos da tradição sectária”, onde se arremeteu contra os críticos das teses oficiais: “Subestima-se a aliança com a burguesia e só considera possível (…) realizá-la com alguns setores; afirma-se ser ilusório unirmo-nos à burguesia e combatê-la ao mesmo tempo na frente única. (…) Desprezam-se as possibilidades de marchar temporariamente e em torno de problemas concretos com elementos e mesmo com setores que não sejam o inimigo principal; pretende-se colocar todas as tarefas nacionais, agrárias, democráticas e populares de uma só vez e derrotar todos os inimigos ao mesmo tempo; nega-se o caráter heterogêneo do governo e o considera um bloco homogêneo de reacionários e entreguistas (…) e exclui-se o caminho pacífico como possibilidade real. E as fantasias não param por aí: consideram até que não há outro meio senão derrotar todo mundo de uma só vez e da noite para o dia, ainda que, na prática, não derrote ninguém.”

    Em junho, João Amazonas entrou no debate e publicou, em duas partes, “Uma linha confusa e de direita”. Afirmou que a nova linha política iniciada em 1958 só poderia “conduzir o proletariado e as massas trabalhadoras a um beco sem saída: ao depositar suas esperanças no desenvolvimento do capitalismo e da burguesia; ao acreditar na possibilidade de reformas profundas e consequentes dentro do regime atual; ao descrer na necessidade da revolução”.

    Esta seria “uma linha de apologia do capitalismo, de ilusão na burguesia e de subordinação do proletariado aos seus interesses”.

    A grande contribuição teórica oferecida por Amazonas foi a contestação de duas teses hegemônicas entre os comunistas brasileiros daquela época. A primeira delas seria que o desenvolvimento do capitalismo, por si só, traria solução para todos os males do país; a segunda, que sem uma reforma agrária radical e o rompimento com o imperialismo não haveria crescimento econômico.

    Contrapondo-se às posições oficiais da direção, João escreveu: “É um equívoco pensar que as contradições entre o desenvolvimento do capitalismo e o monopólio da terra sejam antagônicas (…). O capitalismo, seguindo o caminho prussiano, pode se desenvolver no campo conservando o latifúndio. Pode também o capitalismo crescer, subsistindo a dependência do país ao imperialismo (…). Não é o crescimento do capitalismo que leva à independência e às transformações democráticas (…). Isso seria cair na denominada teoria das ‘forças produtivas’”.

    Amazonas, nesse parágrafo, introduz, entre os comunistas brasileiros, duas teses revolucionárias: 1ª) o Brasil estaria realizando seu desenvolvimento pela chamada “via prussiana” e, consequentemente, 2ª) o latifúndio e o imperialismo não eram disfuncionais na implantação e desenvolvimento capitalista em nosso país. No início da década de 1960, estas ideias eram consideradas pouco ortodoxas.

    Tendo que dar respostas aos fenômenos que estavam ocorrendo na economia e na sociedade brasileira, recorreu a algumas elaborações de Lênin que, praticamente, haviam sido esquecidas. Para o revolucionário russo, a revolução burguesa, em seu desenvolvimento histórico concreto, conheceu dois modelos distintos.

    O primeiro foi o das revoluções denominadas clássicas – como a Revolução Francesa, quando a burguesia dirigiu a luta do conjunto do povo (a pequena-burguesia urbana, o proletariado, os camponeses e a pequena nobreza) contra a aristocracia feudal.

    A sua ação política foi o estopim para a eclosão de uma revolução camponesa que pôs fim aos privilégios feudais e ao latifúndio. O segundo modelo de revolução burguesa, que chamou de “via prussiana”, engendrou um outro padrão de aliança de classes.

    Escreveu Lênin: “O desenvolvimento burguês pode verificar-se tendo à frente as grandes propriedades dos latifúndios, que paulatinamente se tornarão cada vez mais burguesas, que paulatinamente substituirão os métodos feudais de exploração pelos métodos burgueses; e pode verificar-se também, tendo à frente as pequenas explorações camponesas, que, por via revolucionária, extirparão do organismo social a ‘excrescência’ dos latifúndios feudais e, sem eles, desenvolver-se-ão livremente pelo caminho da agricultura capitalista dos granjeiros (…).A estes dois caminhos do desenvolvimento burguês, objetivamente possíveis, chamaríamos de caminho do tipo prussiano e caminho de tipo norte-americano”.

    O intelectual comunista húngaro Georg Lukács incorporou o conceito e o ampliou para além da resolução das tarefas da revolução burguesa no campo. Referindo-se à “via prussiana” escreveu no seu “O Assalto à razão” que, “para certos setores decisivos da burguesia alemã, especialmente para a Prússia, oferecia-se o caminho mais cômodo do compromisso de classes, que permitia subtrair-se às consequências plebeias extremas da revolução democrático-burguesa e lhe brindava, portanto, com a possibilidade de alcançar seus objetivos econômicos sem a necessidade da revolução, ainda que fosse a custas de renunciar a hegemonia política no novo Estado (…). O pronunciamento de Lênin não deve ser entendido relacionado somente à questão agrária no sentido estrito, e sim estendido a todo o desenvolvimento do capitalismo e à superestrutura política que apresenta a moderna sociedade burguesa na Alemanha.”

    Amazonas sabia que a chamada “tese das forças produtivas” havia sido base teórica do reformismo da social-democracia europeia. Tratava-se, evidentemente, de um desvio economicista que apregoava que o desenvolvimento das forças produtivas capitalistas, por si, conduziria a humanidade ao socialismo.

    O socialismo nasceria, assim, espontaneamente, das entranhas do próprio capitalismo. Cabia às forças socialistas não atrapalhar esse processo natural. Por este motivo os social-democratas condenaram tão vivamente a revolução socialista na Rússia em outubro de 1917. Ela, segundo eles, violava as “leis naturais” da sociedade.

    Para João, a realização das “transformações radicais” que o Brasil necessitava não dependia, simplesmente, do desenvolvimento das forças produtivas capitalistas. Ela dependeria, fundamentalmente, “de fatores subjetivos, da criação da força social capaz de vencer a resistência dos reacionários, o que tem sido difícil de conseguir devido, entre outros fatores, à falta de uma justa orientação política do Partido e sua insuficiente ligação com as massas”.

    A tese apresentada pela direção do PCB havia esquecido “quase inteiramente o papel das lutas do proletariado e do povo como o fator fundamental de certas conquistas obtidas”. Não havia naquele documento “nenhuma apreciação dessas lutas que eram, no fim das contas, elementos importantíssimos para uma justa compreensão dos fenômenos políticos e mesmo econômicos em desenvolvimento”.

    Elas não expressariam “o ponto de vista de classe do proletariado” e indicariam “um caminho enganoso que, quando muito, poderia levar à obtenção de algumas reformas”. Seria uma linha que afastaria o “Partido e as massas do caminho revolucionário”.

    Nas formulações de Amazonas, a luta de classes assumiria o lugar central. Seria a sua dinâmica que nos possibilitaria entender as particularidades do nosso desenvolvimento capitalista e, também, construir um novo projeto transformador assentado nas forças democráticas e populares.

    Ele resgatava, assim, um elemento essencial do pensamento de Marx e Engels: a história da sociedade humana tem sido até hoje a história da luta de classes.

    Neste artigo ele não se furtou de fazer um balanço crítico da atuação do Partido, inclusive dele mesmo como um dos seus principais dirigentes. Afirmou: “Manifesto-me, pois, contra a linha da Declaração e das Teses. Ao fazê-lo, não pretendo uma volta ao passado. Estou convencido que não eram justas muitas posições políticas anteriores do Partido.

    Os métodos de trabalho com os aliados e com as massas apresentaram graves defeitos, a democracia interna e a direção coletiva não eram levadas à prática. Reconheço minha grande responsabilidade nestes erros, que também o eram de toda a direção do Partido.

    Penso, no entanto, que os comunistas já acumularam suficiente experiência para, sem cair nos erros passados, traçar um justo caminho para o Partido e para as massas, tendo em conta a situação presente e os objetivos a alcançar da atual etapa da revolução no Brasil (…). O Partido precisa elaborar uma nova linha política. Uma linha que, sendo ampla e flexível, guie o proletariado e o povo à sua libertação nacional e social.

    O Partido precisa sair das posições oportunistas em que se encontra, precisa romper com a linha de direita da Declaração e das Teses”. (Novos Rumos, 3 a 9 de junho de 1960 e Novos Rumos, 10 a 16 de junho de 1960).

    No número seguinte publicou “A linha atual e as reformas”, no qual afirmava que derrotar o imperialismo estadunidense e os resquícios feudais eram “as principais tarefas do povo brasileiro no atual estágio da revolução”. Contudo, as posições das Teses, “lamentavelmente”, corresponderiam mais às “posições da burguesia” do que às do proletariado revolucionário.

    Elas abandonam “as reivindicações radicais” e se concentram exclusivamente “nas denominadas ‘soluções positivas’ e na luta pela conquista de um governo nacionalista e democrático, nos limites do atual regime”.

    Os objetivos básicos da atual etapa da revolução, como a reforma agrária radical, desapareceriam dos documentos e da atividade do Partido.

    Assim, as posições dos comunistas se confundiriam com as da burguesia, “tornando-se difícil, ou quase impossível, ganhar as massas para a influência do Partido. São os partidos e as correntes de opinião da burguesia que se fortalecem entre as massas”.

    As teses veriam, fundamentalmente, “a solução dos problemas brasileiros pelo prisma econômico, através da ‘soma gradual, mas incessante de reformas’. Quanto mais reformas forem sendo acumuladas, mais próximo estaremos das transformações radicais. Isto constitui, porém, um grave erro”. Era preciso estabelecer uma justa relação entre a luta revolucionária e a luta pelas reformas nos marcos do regime vigente.

    “Tanto é prejudicial ficar apenas nas soluções radicais, como no caso do Manifesto de Agosto, ou unicamente nas reformas, como agora se verifica”, afirmava ele. (Novos Rumos, 17 a 23 de junho de 1960)
    No artigo “Aspectos inseparáveis da luta revolucionária”, ele retomou a crítica feita à política dos comunistas no período em que era um dos dirigentes principais: “Um dos erros cometidos na época do Manifesto de Agosto foi exatamente o de destacar o objetivo e menosprezar a política em curso no país.

    Tudo era realizado em função da derrubada imediata do poder das classes dominantes, à margem da situação concreta então existente.

    Esta posição levou-nos à abstenção injustificada no pleito eleitoral de 1950. Com o Programa de 1954, embora este representasse um enorme avanço na orientação do Partido, insistíamos ainda demasiado no objetivo, não apresentando indicações precisas para fazer frente à situação política.

    Confundíamos, nele, a estratégia com a tática e, por isso, pregávamos a derrubada imediata do governo e sua substituição pelo governo democrático de libertação nacional. (…) Ao adotar uma nova orientação, em março de 1958, caímos no extremo oposto.

    Abandonamos o objetivo (…) e ficamos na política do dia-a-dia, na luta pelas reformas, no gradualismo dos sucessivos governos chamados nacionalistas e democráticos. Basta dizer que, nas 6.546 linhas das Teses – documento pretendidamente de caráter programático – há, apenas, nove e meia linhas que tratam do poder anti-imperialista e antifeudal, dirigido pela classe operária. (…) As Teses relegam, assim, a um plano secundaríssimo tema tão importante. Nelas, o objetivo desta etapa da revolução, em particular a questão do poder, desaparece quase por completo e tudo se reduz à conquista de um governo nos marcos do atual regime”.

    Para Amazonas, as duas posições são unilaterais e oportunistas – uma oportunista de esquerda e outra oportunista de direita. Por isto, elas seriam obstáculos ao avanço da luta dos trabalhadores e para construção da revolução democrática e popular no Brasil. (Novos Rumos, 15 a 21 de julho 1960)
    João opinava que os comunistas deveriam participar do curso real da vida política no país e tomar parte ativa nas eleições.

    Eles, por exemplo, “não eram indiferentes à escolha e à composição dos governos das classes dominantes, pois têm em conta que estes podem apresentar aspectos diferentes, favoráveis ou não, à luta que travam as correntes progressistas. Os comunistas apoiam, em certas circunstâncias, políticos e partidos das classes dominantes.

    Os acordos e compromissos são inevitáveis na luta revolucionária. Mas isto não pode ser feito de modo a comprometer a independência do Partido ou a confundir sua posição com as dos que recebem esse apoio, o que, aliás, tem acontecido muitas vezes”.

    Contudo, “toda esta atuação dos comunistas deve ser realizada em função dos objetivos que o Partido persegue e devem contribuir para esclarecer as massas e ajudá-las a compreender a necessidade de substituição do regime atual. (…) Lutando para desenvolver a frente única e para abrir caminho ao ascenso do movimento de massas, os comunistas devem mostrar ao povo a perspectiva de conquista de um governo diferente, por seu conteúdo e sua política, de todos os governos que já teve o Brasil.

    Cada conquista obtida, cada êxito alcançado na luta comum deve ser utilizada para reforçar a confiança das massas nas suas próprias forças e para ampliar e consolidar a frente única. Tanto mais esta se reforce, maior será o aguçamento da luta entre as correntes reacionárias e as progressistas, mais próximo estaremos de uma solução para os problemas que afligem o povo”.

    Portanto, as posições de Amazonas – e de seus camaradas que reorganizariam o PC do Brasil em 1962 – nada tinham de sectárias ou esquerdistas, como tentaram fazer crer os defensores da linha que prevaleceu no interior do Partido e que o levou este a se transformar em Partido Comunista Brasileiro.

    O último artigo publicado por Amazonas foi “Sobre a contradição principal”: “A maneira como as Teses encaram esta questão parece-me mecânica e falsa.

    Afirmam que há duas contradições fundamentais no presente estágio de desenvolvimento da sociedade brasileira: a contradição entre a Nação e o imperialismo norte-americano e os seus agentes internos; e a contradição entre as forças produtivas em crescimento e o monopólio da terra. Uma destas duas contradições – e somente uma destas duas – pode ser a principal, em toda a atual etapa da revolução (…).

    O quadro das relações entre a contradição principal e as secundárias é muito mais complexo aqui do que nos países de nível capitalista mais elevado. Durante toda uma etapa do desenvolvimento histórico do Brasil, o processo em curso é o da revolução democrática, anti-imperialista e antifeudal. O caráter deste processo não mudará até que este tenha sido realizado. Mas, a situação dentro deste processo se modificará constantemente, nas diferentes fases do seu desenvolvimento, e com isto se modifica também a contradição principal.

    O camarada Mao Tse Tung, por exemplo, demonstrou que numa determinada fase deste processo na China, a contradição principal foi entre o imperialismo e a reação interna, agrupados de um lado, e do outro lado, as massas populares; noutra fase foi entre a Nação chinesa e o imperialismo (quando das agressões armadas do exterior); noutra fase, ainda, foi entre o povo chinês, de um lado, e a classe dos latifundiários e a burguesia burocrática, do outro.

    Como se vê, isto foge ao esquema das Teses, mostrando que, num país dependente, as contradições variam e se modificam muitas vezes, sem que se altere o caráter democrático e anti-imperialista em curso (…). Não se pode, pois, formular para todo sempre, dentro da mesma etapa, duas determinadas contradições e aferrar-se a elas, porque pode ocorrer, e geralmente ocorre, que a contradição principal não seja qualquer das antecipadamente formuladas, ainda que estas pudessem ser consideradas as fundamentais. Admitir unicamente como principal uma das duas contradições apresentadas nas Teses é excluir do plano a possibilidade de que nosso povo venha a se levantar contra os latifundiários e a burguesia ligada ao imperialismo, pois, em tal caso, outra seria a contradição principal”.

    Continua: “Creio que só se pode considerar a contradição entre a Nação e o imperialismo como a principal num caso de guerra, quando existe a ameaça real de ocupação estrangeira pairando sobre toda a Nação. Isto não ocorre, atualmente, no Brasil. Na situação presente, o imperialismo norte-americano utiliza formas mais moderadas de opressão e exploração – pressão no terreno econômico, político, cultural e outros.

    A política realizada no país, que serve aos seus interesses rapaces, não é imposta ao povo brasileiro pela existência de um governo norte-americano aqui sediado ou pelas baionetas estrangeiras. São os próprios governantes nativos que a põem em prática. É sabido que no Brasil se aplica, em suas linhas essenciais, a orientação do FMI, isto é, a política financeira ditada pelos trustes estadunidenses. Mas quem a realiza?

    Precisamente o governo do sr. Kubitschek. No caso do acordo de Roboré, atentado ao monopólio estatal do petróleo, também são os governantes brasileiros que aparecem como os seus realizadores. Quer dizer, há forças internas, poderosas, que sustentam e defendem os interesses estrangeiros e sem as quais seria impossível efetuar-se a dominação norte-americana.

    Por isso, não se pode afirmar que é a Nação inteira que se opões ao imperialismo ianque, mas a maioria da Nação. Esta maioria se opõe igualmente aos sustentáculos internos do imperialismo, no caso, os latifundiários como classe e a parte da burguesia ligada aos trustes estrangeiros”. (Novos Rumos, 29 de julho a 4 de agosto de 1960)

    Parte significativa dos artigos publicados na Tribuna de Debates do V Congresso era crítica às opiniões políticas expostas nas Teses. Contudo, isto não se traduziu no número de delegados oposicionistas presentes naquele encontro.

    Os elementos da corrente revolucionária se viram na condição de ínfima minoria. Mais tarde, Amazonas fez uma avaliação sobre as razões para uma correlação de forças tão desfavorável: “Na ocasião, Prestes, pessoalmente, deslocou-se para Porto Alegre, com a colaboração de Jover Teles, com o objetivo de eleger uma bancada totalmente de acordo com as teses revisionistas. Nesse sentido, ele foi parcialmente derrotado, porque a bancada gaúcha ficou 50% ao lado das posições revisionistas e 50% das revolucionárias.

    Nesse mesmo evento, Prestes mobilizou um advogado de renome nacional, membro do Partido, para tentar demover os que ainda estavam vacilantes. Todo o processo de preparação do V Congresso foi eivado de mentiras descaradas, como as informações divulgadas de que, durante o período da clandestinidade, Prestes teria sido praticamente preso, que não tinha dinheiro e que fora impedido de viajar à URSS.

    Tais posições foram cabalmente desmascaradas durante as plenárias do V Congresso”. Prestes participou também da conferência distrital de Tatuapé, cidade de São Paulo, onde se encontrava Pedro Pomar. Isto mostraria a preocupação do grupo prestista com a ação da esquerda partidária.

    O V Congresso realizou-se na primeira semana de setembro de 1960 no centro do Rio de Janeiro e foi o primeiro a realizar-se num clima de certa liberdade. O evento teve repercussão na imprensa, apesar da ilegalidade do Partido.

    Em um universo de aproximadamente 400 delegados. Segundo Amazonas, “apenas 20 deles foram eleitos com a bandeira revolucionária”. Completou: “Era preciso ter muita coragem e determinação revolucionária para manifestar as ideias contra o rumo que estava sendo indicado pela direção do Partido. O plenário em nenhum momento encarou a discussão de forma aberta e democrática e todas as vezes que algum desses 20 delegados ousava fazer algum pronunciamento era recebido por vaias, estimuladas pela mesa”.
    Ali se estabeleceu um choque aberto entre Amazonas e Prestes.

    Foi o próprio Amazonas que narrou o ocorrido: “Prestes falou durante mais de uma hora, mentindo abertamente sobre minha atuação e de vários outros companheiros, acusando-nos de trabalho antipartido. Pedi o direito de resposta, mas me foram dados apenas 15 minutos. Fui à tribuna e critiquei Prestes pelas calúnias que havia proferido (…) Prestes está mentindo para não assumir as próprias responsabilidades perante o conjunto do Partido’”. A relação de respeito mútuo existente entre esses dois dirigentes naufragou naquele processo.

    Marcos Antônio Tavares Coelho, presente no Congresso, também descreveu aquele confronto de gigantes: “numa das mais dramáticas de suas sessões plenárias, houve um choque aberto e sem sutilezas entre Prestes e Amazonas. Neste conflito, Prestes responsabilizava Amazonas pelos grandes erros cometidos, por não o informar sobre o que ocorria no Partido. A maioria dos delegados e as demais pessoas presentes optaram pelas posições políticas defendidas pelo primeiro, mas sem endossar suas acusações contra João Amazonas.”.

    Graças ao domínio que tinha sobre a máquina partidária, a influência de Prestes, e o apoio recebido do PCUS, a corrente reformista venceu e conseguiu aprovar suas teses sem grandes concessões. O Congresso decidiu também pelo afastamento de 12 dos 25 membros efetivos do Comitê Central. Entre os excluídos estavam João Amazonas, Diógenes Arruda e Maurício Grabois. Outros, como Ângelo Arroyo e Carlos Danielli, foram rebaixados para suplência. Sérgio Holmos e Pedro Pomar se mantiveram como titulares, representando a “ala revolucionária”,.

    No final da década de 1970, Luís Carlos Prestes, já afastado da secretaria-geral do PCB, fez sua autocrítica. Sobre a declaração de Março de 1958 afirmou: “É o documento que critica as posições esquerdistas anteriores e toma uma posição que acho bastante direitista (…). O documento foi criticado e melhorado no V Congresso, mas continuou marcado por muitas ilusões sobre o capitalismo, refletindo nossa incompreensão total da realidade brasileira. Na ânsia de criticar os erros de esquerda , acabamos caindo, entre 56 e 60, em posições liberais e direitistas (…). Nós saímos da posição esquerdista para cair no desenvolvimentismo do ISEB”. Para ele “o V Congresso, realizado em setembro de 1960, viveu realmente a euforia do liberalismo vigente na época. E um dos primeiros indícios desses novos tempos era a luta pela legalização do partido. Para tentar o registro eleitoral, o V Congresso aprovou a mudança do nome do partido, passando de Partido Comunista do Brasil para Partido Comunista Brasileiro”.

    Outro importante dirigente, Apolônio de Carvalho, décadas mais tarde, descreveu que naquele debate “muitos de nós ficamos numa situação de dúvida, sem alternativa, situação muito penosa, porque imobilista. Nesse momento eu escrevi artigos para Novos Rumos, mas não contestei de maneira violenta, nem deixei de ter o mesmo caminho anterior.

    Mas para o João Amazonas, Pedro Pomar, Arroyo, eu tinha imenso respeito. Na verdade, eu vacilei. Esses companheiros não negaram o marxismo e o partido de maneira nenhuma. Fizeram uma luta interna limpíssima, aberta, corajosa, decidida, muito positiva. (…) Dentro desse quadro, eu vacilei porque eu tinha uma opinião muito apagada nessa questão. Não estava com eles para deixar o partido e não estava com a orientação do partido. Os companheiros fizeram a contestação, foram extremamente corajosos e lúcidos como militantes na defesa de seus direitos de pensar e criticar”.

    E concluiu: “Em 1964 nós daríamos razão a eles. Por que nós não fomos com eles? Porque a alternativa que eles davam não nos convencia, mas também porque tínhamos medo de que eles fossem um reflexo do cisma URSS x China. Não queríamos entrar nessa bancada. A URSS era o primeiro Estado socialista, era um patrimônio extraordinário dos trabalhadores do mundo.

    A China também, mas estava longe nessa questão. Não creio que fosse isto. Se, depois, eles se orientaram para um contato mais estreito com o PC chinês e foram para outros lados, esse é um problema posterior. Naquele momento foi a contestação com absoluto direito. Foi uma posição que eu não soube ter, porque não estava convencido, como eles, da absoluta necessidade de romper por uma alternativa que eles aceitavam, que eu não aceitava ainda”.

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