João Amazonas e a política internacionalista do PCdoB
Este ano de 2012, em que o Partido Comunista do Brasil comemora 90 anos de existência e de atividade internacionalista, é um momento propício para a reflexão acerca da história de lutas dos comunistas brasileiros e de sua política, inclusive de sua política internacional e de suas relações internacionais com o movimento comunista e anti-imperialista.
Conhecer o passado é essencial para compreender o presente das ideias e da política do Partido Comunista do Brasil. Nesse sentido, a evolução mais recente da política de relações internacionais tem no mês de fevereiro de 1992 um marco importante. Refiro-me ao texto “Pela unidade do movimento comunista”, escrito por João Amazonas, que agora completa 20 anos.
João Amazonas em 1992 tinha então 80 anos de vida, e o mais impressionante é que talvez a parte mais importante de sua contribuição teórica ao marxismo ele a tenha escrito entre 1991 e 2001, já com 89 anos de vida. Este texto também é uma singela homenagem ao centenário de nascimento de João Amazonas, e aos 70 anos, também completados em fevereiro deste ano, de um camarada, bem mais jovem, que o acompanhou desde 1972, quando ingressou no PCdoB, e dá seguimento, no século 21, ao seu trabalho dirigente: o atual presidente nacional do PCdoB, Renato Rabelo.
Após o 8º Congresso do PCdoB, realizado de 3 a 8 de fevereiro de 1992, foi feita uma reunião com as delegações internacionais presentes ao Congresso. Nesta reunião João Amazonas, reeleito então presidente nacional do Partido, apresentou o texto “Pela unidade do movimento comunista” aos partidos e organizações revolucionárias de diversos continentes.
O contexto em que Amazonas escreve é o do desaparecimento da União Soviética e dos regimes do Leste Europeu, e do desmanche final do “sistema socialista mundial”. A situação era de grande ofensiva anticomunista, de degeneração e de traição de muitos partidos comunistas pelo mundo afora. Os ideólogos do capitalismo-imperialismo proclamavam a sua vitória final, o “fim da história”. Não sem razão, o 8º Congresso do PCdoB teve como lema “O tempo não para. O Socialismo vive!”.
A questão da unidade do movimento comunista
No texto, que trata de “duas questões”, João Amazonas aborda “o internacionalismo proletário, a questão fundamental da unidade do movimento operário e comunista” como primeira questão, e se refere “à crise do marxismo, à crise do socialismo”, como segunda questão.
A unidade e a solidariedade internacional entre os trabalhadores e suas organizações revolucionárias na luta pela superação do capitalismo e contra o imperialismo foi “uma bandeira levantada, desde o século passado, por Marx e Engels, no Manifesto do Partido Comunista – ‘Proletários de todos os países, uni-vos’. É assunto estratégico de enorme importância”, diz Amazonas.
Pela unidade e contra o oportunismo
Afirmando que a unidade dos comunistas e revolucionários se dá na luta contra o oportunismo – em um momento de abandono do marxismo-leninismo e de seus princípios revolucionários por parte de muitos quadros políticos e mesmo de partidos no Brasil e em vários países –, Amazonas observa que “é preciso estabelecer o limite da fronteira, no campo ideológico, para abordar a luta pela unidade do proletariado mundial”.
O oportunismo de direita, para Lênin, é a política reformista de conciliação de classes, a subordinação dos objtetivos maiores de emancipação dos trabalhadores aos objetivos menores e imediatos.
Logo a seguir, no texto que estamos analisando, Amazonas cita dois casos concretos de traição à classe operária e ao movimento comunista, “o Partido da ‘Sinistra’, da Itália [surgido da dissolução, pela maioria, do antigo Partido Comunista Italiano] e, no Brasil, do “Partido Popular Socialista [PPS], herdeiro do Partido Comunista Brasileiro [PCB], que renegou os símbolos, o marxismo-leninismo; e se tranformou em um partido de traição aberta ao comunismo”.
Naquele momento de catarse anticomunista (1989-1993) por todo o globo terrestre, a reafirmação da identidade comunista e a redelimitação de campos com o novo oportunismo e o novo revisionismo que surgia com força e pressão colossal, foi uma atitude coerente e corajosa do PCdoB.
Entretanto, como em toda situação de crise, dialeticamente há contradições que resultam em desenvolvimentos novos. Exatamente nesse momento de dificuldades, de crise do marxismo e do socialismo, de exame crítico e autocrítico das experiências socialistas do século 20, de reafirmação de princípios e de lançamento de um esforço teórico-ideológico e político para superar tal crise, que Amazonas propõe o que considero uma reorientação da política de relações internacionais do PCdoB.
O conteúdo dessa nova orientação da política de relações internacionais dos comunistas brasileiros toma como exemplo, no texto de Amazonas, o Congresso da 3º Internacional, que faz “uma flexão tática na questão da unidade, devido às mudanças que se operavam na situação mundial (…) fundamentada no informe de Dimitrov [dirigente comunista búlgaro, secretário-geral da Internacional Comunista de 1935 a 1943], que combateu as posições fechadas, sectárias, a incompreeensão de que o processo de luta pela unidade mundial da classe operária passa por uma série de transformações até chegar a seu objetivo final”.
Mudança na forma de luta pela unidade
Amazonas percebe, com agudeza, que “os acontecimentos da União Soviética e do Leste europeu (…) criam situação nova”, e afirma que “se não compreendermos isso, não seremos capazes de lutar corretamente pela construção da unidade”. E conclui: “Penso que há mudança na forma de luta pela unidade da classe operária.”
Baseado nessa compreensão, Amazonas propõe “alargar os horizontes” das relações internacionais do PCdoB. Diz que a nossa arma contra a ofensiva anticomunista “tem de ser a unidade dos revolucionários, dos povos do mundo. Essa, uma grande tarefa do movimento comunista mundial”.
Declara, portanto, que o PCdoB “está decidido a buscar, sem preconceitos, contato com todas as forças que combatem o revisionismo contemporâneo, tentando abrir caminho à unidade do movimento proletário mundial”.
A questão da crise do marxismo
A segunda questão abordada por João Amazonas neste texto seminal é a necessidade da superação da crise do marxismo. Partindo da constatação de que “a teoria [marxista-leninista] entrou numa fase de estagnação”, Amazonas aponta que os comunistas não estiveram, nas décadas anteriores, “à altura teórica de interpretar os fenômenos novos que surgiam do processo de desenvolvimento da construção socialista”.
Diante de tão grave crise do marxismo e do socialismo, Amazonas assinala que o caminho de superação dessa crise demandará “grandes esforços no campo teórico, ligado à prática revolucionária”, para “formular de maneira nova – não no sentido burguês, revisionista –, nova no sentido marxista, a ciência em constante evolução”. Confiante, prevê que os partidos que conseguirem isso “alcançarão êxitos significativos”.
“A revolução futura”, dizia Amazonas no pronunciamento, “vai ocorrer onde existem condições favoráveis relacionadas às contradições internas e externas, mas, sobretudo, onde se conseguir enfrentar corretamente a solução dessa crise”. No caso da revolução brasileira, portanto, deduz-se que esse também é um esforço primordial.
Ao finalizar seu pronunciamento aos partidos presentes na reunião de fevereiro de 1992, Amazonas avalia que a tarefa de atualizar a teoria marxista é “tarefa de significação histórica a ser realizada. Nós, do Partido Comunista do Brasil, sentimo-nos pequenos diante da magnitude dessa tarefa. Impõem-se a conjugação de esforços no plano mundial”.
A atual política internacionalista do PCdoB
No período atual, além de maior unidade entre os comunistas, especialmente na ação, é necessária a construção de amplas frentes políticas e sociais, de caráter anti-imperialista, tendo em vista a conquista da paz, da independência nacional, e do desenvolvimento econômico e social.
O conjunto de ideias acima, formuladas por Amazonas em seu pronunciamento em 1992, tem sido a baliza e a fonte da linha geral orientadora do trabalho teórico-político e da atuação internacionalista do PCdoB durante esses 20 anos, e até hoje são idéias atuais.
O Partido Comunista do Brasil tem uma rica experiência acumulada desde 1922 na atividade internacionalista de amizade, solidariedade, intercâmbio e cooperação. Nessa fase nova do trabalho de relações internacionais do PCdoB, de 1992 para cá, demos passos enormes, sobretudo na última década, e o marco desses êxitos é a realização, pela primeira vez fora da Europa e da Eurásia, do Encontro Internacional de Partidos Comunistas e Operários, realizado em São Paulo, em 2008.
Desde 1992 a atividade internacional do PCdoB vem adquirindo cada vez mais densidade teórica e política, e mais amplas e variadas relações com forças políticas comunistas, revolucionárias, progressistas e anti-imperialistas.
O internacionalismo proletário e a as amplas alianças anti-imperialistas internacionais são fundamentais para os comunistas. Ao mesmo tempo em que valorizamos muito a necessidade de aumentar as relações de amizade e de cooperação com as forças políticas comunistas, progressistas e anti-imperialistas, ressaltamos que as relações entre essas forças deve se dar na base da igualdade, do respeito mútuo (inclusive pela orientação política e programática de cada partido), e da não interferência em assuntos internos.
A ação internacionalista hoje abrange dirigentes do Partido, parlamentares e gestores de governo, quadros e militantes do movimento sindical, estudantil e popular, comunistas dedicados à luta de ideias, enfim, todo o coletivo partidário.
O PCdoB hoje tem relações com mais de 180 partidos, de mais de 100 países de todos os continentes; participa do processo dos Encontros Internacionais de Partidos Comunistas e Operários; participa do Foro de São Paulo, que reúne a esquerda latino-americana e caribenha; marca presença em importantes eventos, seminários e congressos promovidos bilateral ou multilateralmente por essas forças políticas amigas, como o Seminários do PT do México e do PTB da Bélgica, e dos encontros anuais do ALNEF, sigla em inglês do Fórum da Esquerda Africana.
O PCdoB promove e incentiva a ação de massas internacionalista, de conteúdo anti-imperialista, faz um esforço no sentido de conscientizar e mobilizar os trabalhadores e o povo brasileiro em ações de solidariedade internacional. Os comunistas brasileiros também ajudam a impulsionar as entidades de massa em nível internacional como a Federação Sindical Mundial, a Federação Mundial da Juventude Democrática, e a Federação Democrática Internacional de Mulheres, entre outras, e as instâncias unitárias como o Fórum Social Mundial e as Assembleias de Movimentos Sociais.
Nessa atividade de massas tem papel decisivo a atuação dos comunistas no Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (Cebrapaz) e no Conselho Mundial da Paz, presidido pela camarada Socorro Gomes.
O desafio do presente, 20 anos depois do texto seminal de Amazonas, é desenvolver ainda mais essa atividade internacionalista em termos teóricos, políticos e práticos, em consonância com o novo Programa Socialista do PCdoB.
– O texto de João Amazonas “Pela unidade do movimento comunista” faz parte do livro Os desafios do socialismo no século 21, que reúne artigos, palestras e informes de João Amazonas, publicado em 1999 pela Editora Anita Garibaldi.
*Ricardo Alemão Abreu é economista e secretário nacional de Relações Internacionais do PCdoB
**Texto publicado originalmente na revista Princípios.