Como você está vendo a conferência?

É um momento importante. Só tenho uma pequena ressalva, e colocamos isso em plenário: deveríamos especificar mais as mulheres. Porque é fato que todas as mulheres sofrem opressão, têm dificuldade de estar representadas dentro da sociedade, mas é fato também que as mulheres têm histórias socialmente diferentes. E as mulheres negras têm uma história diferenciada. Mas estamos aqui para modificar essa situação.

O documento é ótimo, mostra todas as lacunas sobre as quais precisamos debater. Mas não é só debater. Teríamos de fazer uma desconstrução de tudo isso que foi criado. Não podemos ter um olhar universal. Não é assim. Porque a nossa história de vida faz com que fiquemos em situação de desvantagem.

Sabemos, e é fato, que a mulher tem toda essa dificuldade, ou toda essa carga de opressão, mas conseguiu ir para a sala de aula e já tem sete anos a mais de estudo que os homens. Não ainda numa área primordial, que é a de exatas. Sabemos também que em contrapartida, na outra ponta, tem a mulher negra. A maior parte delas não teve acesso à escola e, consequentemente, não tem escolaridade. Por isso, precisaríamos pensar em políticas para trazer as mulheres para um mesmo nível. E a partir daí, sim, se poderia falar de igual para igual.

A que você atribui essa deficiência do documento da Conferência?

Eu não diria que é uma deficiência. Eu diria que é ter um olhar da sociedade brasileira. Quando não há esse olhar diferenciado não se percebe que metade da população brasileira e mais um pouco é composta de negros e de negras. E, sem esse olhar, acabamos traçando uma política que vai resolver parcialmente, mas não a questão como um todo. Costumo dizer que essas questões de gênero (mulher, negro, GLBTT etc.) teríamos que resolver antes do socialismo, porque se não vamos continuar a ter problemas.

Seria uma certa deficiência na análise da realidade concreta, da realidade do
Brasil, da formação do povo brasileiro, da composição do povo?

Eu diria que você está correto, mas acho que durante muito tempo foram naturalizadas as desigualdades. Então, sobre aquilo que é natural, sobre o que é tido como natural, não se discute. Coloca-se todo mundo dentro de um mesmo espaço e vamos tocar para frente, sob um projeto maior político. Mas agora chegou o momento de desconstruir a história, que não condiz com a realidade – não era no passado e não é no presente. Portanto, desconstruir a história e contar a história verdadeira.