Mercado interno para quem?
O mercado interno é o maior ativo que a economia de um país pode possuir; sua magnitude é definida por seu Produto Interno Bruto (PIB), pela soma dos salários, dos lucros e das rendas do capital. Foi buscando aproveitar esse mercado que os desenvolvimentistas brasileiros defenderam nos anos 1950 o modelo de industrialização por substituição de importações. Foi procurando ampliar esse mercado interno que, a partir do fim dos anos 1960, esses mesmos economistas, vendo que o processo de substituição de importações se esgotara, apoiaram o exitoso processo de ampliação das exportações de manufaturados que, concomitantemente, aumentou o mercado interno. Hoje, depois de muitos anos de baixas taxas de crescimento e de queda da participação dos manufaturados nas exportações totais, coloca-se novamente o problema do aproveitamento e da ampliação do mercado interno.
No mundo atual, as economias são muito mais abertas que no passado; competir em pé de igualdade pelos mercados de manufaturados (leia-se bens com maior valor adicionado e que incorporam e disseminam maior progresso técnico para o restante da economia) é necessário para o aumento da produtividade e o alcançamento de taxas mais elevadas de desenvolvimento econômico. Dado que não faz sentido voltar a reduzir o coeficiente de importações, o desenvolvimento econômico brasileiro será limitado pela taxa de crescimento das exportações.
Entretanto, uma parcela dos economistas brasileiros defende uma estratégia de crescimento wage-led, baseada no aumento dos salários. Preferem conviver com a sobreapreciação cambial existente, porque o custo de se colocar a taxa de câmbio no nível de equilíbrio (a do equilíbrio industrial, que torna competitivas as empresas industriais eficientes) implicará alguma redução dos salários reais e em aumento da inflação (ambos temporários). No fundo, querem voltar ao modelo de substituição de importações, mas não propõem as altas taxas aduaneiras que seriam necessárias para voltar a uma estratégia desse tipo, incompatível com o estágio de desenvolvimento do Brasil.
A estratégia de desenvolvimento não deve ser export-led ou wage-led, mas growth-led; deve propiciar oportunidades de investimento lucrativas para os empresários que garantam uma taxa de crescimento satisfatório. Se o patamar de crescimento é insatisfatória, como acontece agora, este fato é causado principalmente por uma taxa de câmbio apreciada e uma taxa de juros alta em termos reais, que resultam em baixas oportunidades de investimento lucrativos para as empresas industriais – justamente aquelas que proporcionam maior valor adicionado per capita.
Como, a partir de 2004, a economia brasileira pareceu haver retomado o crescimento baseado em uma estratégia do tipo wage-led – baseada no aumento real do salário mínimo, na Bolsa Família e no crédito consignado, enquanto a taxa de câmbio se apreciava fortemente – surgiu a tese de que seria possível para a economia brasileira crescer a partir da expansão do consumo no mercado interno, não havendo necessidade de se depreciar a taxa de câmbio.
Aquele crescimento, porém, só foi possível porque uma economia mundial aquecida antes da crise elevou os preços de nossos produtos exportados, principalmente das commodities (160% entre 2002 e 2008, enquanto os preços das exportações de manufaturados cresceram 53% no mesmo período), fato que possibilitou à economia brasileira financiar o aumento das importações decorrente desta estratégia sem gerar um desequilíbrio significativo no saldo em transações correntes.
Mas a continuidade desse modelo é inviável, primeiro, porque o cenário externo não permite continuar a contar com o aumento do preço das commodities, e, segundo, porque o câmbio sobreapreciado faz com que o mercado interno seja suprido por importações: com uma pequena defasagem esse mercado interno foi entregue de graça aos exportadores de outros países, principalmente aos chineses, e a indústria brasileira entrou em crise. As exportações de manufaturados, calculadas em quantum, estão em declínio desde 2007, sendo que em 2011 foram 15% inferiores às daquele ano, enquanto o quantum das importações de manufaturados aumentou 59% no mesmo período.
Os dados das Contas Trimestrais a preços constantes mostram que, em média, 34% do incremento da demanda agregada no país foi atendido por importações nos anos de 2010 e 2011, enquanto esse percentual foi de cerca 10% entre 2000 e 2005. Não é a magnitude deste percentual que impressiona, mas a velocidade da elevação das importações nos últimos anos. Enquanto a produção industrial encontra-se praticamente no mesmo patamar que vigorava antes dos reflexos mais significativos da crise no Brasil (a média de 2011 foi 2,7% superior à média de 2008), o volume de vendas do comércio varejista foi 25,3% superior na mesma base de comparação. Graças ao último aumento do salário mínimo, o mercado interno brasileiro continua grande, mas não está dando emprego para brasileiros, e sim aos exportadores de manufaturados para o Brasil.
Não se trata, portanto, de adotar uma estratégia “export-led” ao invés de “wage-led”. Trata-se de defender uma estratégia “growth-led”, uma estratégia que garanta o crescimento do mercado interno e dos salários de 5% a 6% ao ano ao invés de a 3% como voltou a acontecer depois do boom das commodities. O limite desse crescimento é o do crescimento das exportações. Alcançar esse crescimento graças aos preços das commodities não é mais realista; tentar transformar o Brasil em uma grande fazenda é uma loucura. Felizmente, a presidente Dilma Rousseff parece ter entendido isto e está gradualmente tirando a economia brasileira da armadilha dos juros altos e do câmbio sobreapreciado.
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Luiz Carlos Bresser-Pereira é professor emérito da Fundação Getúlio Vargas. Autor de “Globalização e Competição”.
Nelson Marconi é professor de Economia da EESP-FGV e bolsista do Ipea.
Fonte: Valor