Quem mora numa cidade grande, sabe. O trânsito mata. Não só por conta da violência dos acidentes, mas pelo caos diário que provoca estresse e selvageria. Nesse universo, um motorista de ônibus, que faz dezenas de viagens, iguais e repetitivas, está submetido a forte pressão. Não é à toa o pedido de redução de carga horária para seis horas. E a resposta dos empresários? “Isso é impossível, vamos ter de contratar mais gente!” Mas, ora, e isso não é bom? Mais emprego, mais “colaboradores”? Pois ninguém fala sobre isso. A imprensa, feito papagaio, se limita a reproduzir à exaustão os argumentos pífios dos empresários.

Em todos os canais de televisão foram convidados os empresários do transporte, os lojistas, especialistas em economia e o festival de bobagens se espraiou. Reclamações indignadas dos comerciantes que estavam perdendo dinheiro. E a culpa, de quem? Dos trabalhadores. Declarações indignadas dos empresários do transporte sobre o prejuízo à cidade. E a culpa, de quem? Dos trabalhadores. Também a população era incitada a dar sua opinião, com os telefones abertos, para que reclamassem à vontade. E a culpa, de quem? Dos trabalhadores.

Monopólio no serviço de transporte

Uma reportagem da RBS mostrou um repórter, dentro de uma empresa de ônibus, no interior de um veículo que tentava furar o cerco que os grevistas faziam em frente ao portão. O espetáculo da defesa do direito daquele trabalhador específico que queria trabalhar, e não podia. Uma minoria entre os motoristas e cobradores, mas foi o que recebeu os holofotes. A maioria dos trabalhadores que enfrenta o trânsito maluco de uma cidade que prioriza o carro não teve sua história contada. As duas seriam boas histórias; as duas, e não apenas um lado da moeda.

Não teve repórter na casa de um motorista mostrando seu cotidiano, sua vida na periferia, seu acordar de madrugada, seu medo de assalto nos madrugadões, o sacrifício para criar os filhos. Não. A dor era a dos empresários que, desgraçadamente, estavam tendo prejuízos por conta do fato de que os trabalhadores estavam exigindo direitos.

Também os números eram manipulados na cara dura. “Os empresários estão dando aumento de 7%, o que querem mais?”, diziam os comentaristas, arvorados subitamente de defensores da ordem e das gentes. Mentira. A proposta era de recomposição salarial de quatro e pouco, mais dois de aumento real. Os mesmos comentaristas, inflamados diante da ousadia dos trabalhadores, não eram capazes de falar que em Florianópolis são apenas cinco empresas que cobrem o serviço de transporte, que há um monopólio de linhas, que as gentes não têm opção, que nunca houve licitação para a contratação das empresas, que tem gente graúda da política com ações nessas empresas. Nenhuma confrontação de dados sobre os lucros das empresas, do que a prefeitura joga de dinheiro público no serviço privado. Nada. Hélio Costa foi o único que fez alguma pergunta incômoda ao representante dos empresários, mas acabou incorporando o discurso de que o caos era culpa dos trabalhadores.

Corda esticada no limite

O prefeito Dario Berger, como sempre, foi um fiasco, agindo como se a prefeitura não tivesse nada o que fazer diante da “violência” imposta pelos trabalhadores. Seu único arroubo foi dizer que mandaria punir os donos de vans que estariam cobrando a mais dos quatro reais autorizados pela prefeitura. E nenhum repórter ou comentarista para questionar essa omissão.

A procuradoria foi rápida em dar seu parecer, lançando uma nota digna de “nota”. Chegou a propor a demissão de 10% dos trabalhadores de cada empresa como medida de punição aos trabalhadores em luta. E a nota era lida e relida, como se fosse a verdade verdadeira. Lembrei-me do dia em que entramos na Justiça com pedido de suspensão do show do Ben Harper no Campeche, que estava sendo proposto como uma área de preservação permanente. Nenhuma palavra da “justiça”. Contra os ricos não há ação “punitiva”. Não há. É fácil ser valente diante daqueles que só têm os “seus corpos nus”, como diria o grande contador de histórias do povo, o repórter Marcos Faerman.

Mas essa gente aguerrida fez a sua luta. Mostrou que esse papo de conciliação entre capital e trabalho não existe. Não há como existir. Os trabalhadores estarão sempre em busca de melhoria no seu fazer cotidiano que, dentro do capitalismo, sempre será de exploração. É uma corda esticada no limite. E nesse cabo de guerra, os empresários nunca – eu disse nunca – serão bonzinhos. Cada pequeno avanço só vem com luta, luta forte, luta renhida. Assim, quando a luta de uma categoria se faz, o certo mesmo é haver a união de classe. Os trabalhadores todos, juntos, apoiando a luta daqueles que tiveram coragem de fazê-la.

Aprender com motoristas e cobradores

Aí, agora, os papagaios dos poderosos já estão atuando ideologicamente. Os trabalhadores venceram essa queda de braço, arrancaram mais uma coisinha dos patrões. Isso não pode ficar impune. Então, o braço duro da vingança vem com força. Já começam a falar em aumento da tarifa. E aí, a culpa será de quem? Dos trabalhadores que lutaram. Falar-se-á em conluios, em tramoias entre o sindicato dos trabalhadores e os patrões. Dir-se-á que foi tudo armado, que era jogada. E mais uma vez os trabalhadores serão punidos porque ousaram lutar e vencer.

Então, quem tiver ouvidos para ouvir, que ouça. A greve é a expressão da luta de classes. A greve é a ruptura da ordem que impõe a exploração aos trabalhadores. A greve é um dos poucos recursos de força que os trabalhadores têm para negociar. Ela é necessária para que os direitos avancem. Se vier aumento, não é por causa da greve. É porque os empresários não querem diminuir em um centavo sequer os seus lucros. Então, eles, não satisfeitos em sugar os trabalhadores, ainda sugam o povo. Se vier aumento, a causa é a ganância pelo lucro, a omissão de uma prefeitura que não se importa com os cidadãos.

E se ele, o aumento, de fato vier? Então, será hora de a população aprender com os motoristas e cobradores. Lutar e vencer!

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Elaine Tavares é jornalista

Fonte: Observatório da Imprensa