“Criamos uma Europa dos bancos”
Qual é a situação hoje? Diferentes países da zona do euro estão em depressão. Segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Produto Interno Bruto sofrerá uma contração de 4,7% na Grécia e de 3,3% em Portugal. A taxa de desemprego atinge 24,3% na Espanha, 21,7% na Grécia, 15,2% em Portugal e 14,2% na Irlanda. A dívida pública já ultrapassa em 110% do PIB da Grécia, da Irlanda e de Portugal. Esses países, com a Espanha, estão de fato excluídos do mercado obrigatório em Euros.
É nesse contexto que se perfila a crise bancária. Faz mais de três anos que repetimos que a Europa continental deve apurar os balanços deploráveis de seus bancos. E nada foi feito. Ao mesmo tempo, persegue-se há dois anos uma discreta fuga de liquidez nesses países da zona do euro: o financiamento transfronteiriço e interbancário pouco a pouco se esgotou, em troca de financiamento pelo Banco Central Europeu (BCE); e o “smart money” – depósitos de altas quantias não garantidas efetuados por fortunas privadas – abandonou os rios da Grécia e os bancos dos países do Sul da Europa.
Mas o público perdeu a confiança e o movimento de desengajamento bancário poderá estender-se aos depósitos garantidos de menor volume. Na verdade, se a Grécia vier a sair da zona do euro, assistiremos a um congelamento dos depósitos e os depósitos em euro seriam convertidos em novos dracmas: também, um euro num banco grego não é equivalente a um euro depositado num banco alemão. No mês de abril os gregos sacaram mais de 700 milhões de euros de seus bancos.
Mais inquietante ainda: assistimos em abril a um nítido aumento das retiradas em alguns bancos espanhóis. O lamentável resgate do Bankia pelo governo só fez agravar a ansiedade do público. Quando de uma passada recente por Barcelona, um de nós foi diversas vezes questionado se arriscaria confiar seu dinheiro a um banco espanhol. Esse tipo de processo é explosivo. O que é apenas um “jogging bancário” poderá se transformar numa rápida fuga de capitais. E assistiríamos a um pânico bancário generalizado no seio dos PIIGS (Portugal, Itália, Irlanda, Grécia, Espanha), caso uma saída da Grécia gere um congelamento nos depósitos em euro e uma mudança na moeda do país. “Quem é o próximo? – se perguntará então.
Ao mesmo tempo, a restrição do crédito pelos bancos da zona do euro presentes nos países ditos periféricos permanece severa, apesar das denegações dos bancos – incapazes de elevar o nível de seus próprios fundos a 9%, segundo as exigências da autoridade bancária europeia pela elevação dos capitais privados – vendem ativos e contraem o crédito, agravando de uma só vez a recessão na zona do euro. Fragmentação e balcanização bancárias, mas também “nacionalização’ das dívidas públicas não cessam de ganhar terreno, o que poderá conduzir à desintegração do sistema bancário da zona do euro.
O processo de fragmentação política se acentua igualmente na Europa. Quando das eleições gregas, sete em cada dez eleitores deram voz a pequenos partidos opostos ao programa de austeridade imposto a Grécia, em troca de dois planos de resgate capitaneados pela União Europeia (EU).
Os partidos tradicionais também perderam terreno para formações dissidentes na Itália, onde a “geração 5 estrelas” do artista Beppe Grillo acaba de obter o controle da cidade de Parma, e na Alemanha, onde o partido franco atirador Pirata está fazendo um estrago.
O caminho que permitirá a saída da crise parece no entanto claro. Primeiramente, como os Estados Unidos fizeram com o Plano Paulson, é preciso que o Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (FESF) e o Mecanismo Europeu de Estabilidade (MES) ponham em marcha – pelo viés das ações preferenciais de dividendos prioritários sem direito de voto – um programa de recapitalização direta dos bancos da zona do euro, tanto na periferia como no centro.
Uma abordagem consistente na recapitalização dos bancos pelos empréstimos subscritos pelos Estados sob os mercados nacionais obrigatórios – e ou a cargo do FESF – produziu efeitos desastrosos na Irlanda e na Grécia: levou a um forte aumento da dívida pública e a um aumento ainda maior da insolvência dos Estados, tornando os bancos mais arriscados, à medida em que, quanto mais a dívida pública for “nacionalizada”, mais uma parte crescente da dita dívida repousa entre as suas mãos.
As injeções diretas de capital contornariam os Estados e permitiram que se evitasse o aumento da dívida pública. Na prática, o contribuinte da zona do euro tornar-se-ia acionista dos bancos da zona e a balcanização bancária em curso – assim como a resistência política às fusões-aquisições transnacionais que os sistemas bancários nacionais, mimados por demais, oferecem – seria refreada.
Claro, com o tempo, os bancos saudáveis que constituiriam seu capital graças aos seus lucros poderiam recomprar as ações preferenciais públicas. Assim, essa nacionalização parcial seria provisória, levaria o tempo de resgate e de re-privatizações.
Em segundo lugar, a fim de evitar um pânico bancário no seio da zona do euro – coisa certa no caso da saída da Grécia da zona, e provável em todo caso – é preciso instaurar, na escala da União Europeia, um sistema de garantia de depósitos bancários. A fim de reduzir o risco moral (assim como o risco das ações e do crédito endossado pelos contribuintes da zona do euro na fase de recapitalização e de instauração do mecanismo de garantia dos depósitos), várias outras medidas deveriam ser tomadas
De início, o sistema de garantia de depósitos deve ser financiado pelas contribuições bancárias apropriadas: isso poderia tomar a forma de uma taxa sobre as transações financeiras ou, melhor ainda, de retenções sobre todos os passivos dos bancos – tanto dos depósitos como dos títulos da dívida.
Segundo, para limitar as perdas potenciais para os contribuintes da zona do euro, é preciso pôr em cena um sistema de resolução de problemas de falência bancária pelos quais os credores sem garantias – tanto subordinadas como principais – dos bancos arcariam com uma parte das perdas antes que o dinheiro dos contribuintes fosse utilizado para cobrir as perdas dos bancos.
Em terceiro lugar, é preciso adotar medidas para limitar o tamanho dos bancos, para evitar o problema dos “grandes demais para quebrar”: no caso do Bankia, é a fusão de sete estabelecimentos de tamanho modesto que deu nascimento a esse banco grande demais para se tornar sombra.
Em quarto, é preciso adotar na escala da União Europeia, um sistema de supervisão e de regulação: se o dinheiro do contribuinte da zona do euro serve de rede de segurança para os capitais e depósitos bancários da zona, então supervisão e regulação não podem permanecer em nível nacional, onde considerações políticas estreitas impedem uma vigilância exemplar.
Outros problemas devem ser resolvidos. Se um dos membros da zona do euro vier a operar sua saída – em razão de uma dívida insustentável e de uma falta de competitividade – os depósitos garantidos em euros seriam muito custosos, pois os países antes de optarem pela saída deverão ter de converter na nova divisa nacional os créditos até então liberados em euros.
De outra parte, se a garantia dos depósitos não for validada senão à condição de o país não sair da zona, então esse país ficaria incapacitado de evitar uma fuga de liquidez. Também é preciso adotar políticas que permitam minimizar os riscos de saída da zona. Três medidas, em particular, são necessárias:
1. As políticas de austeridade orçamentária não devem ser estritas demais em sua fase inicial (pois assim corre-se o risco de se ter um efeito recessivo), ao passo que as reformas estruturais que melhorem a produtividade devem ser aceleradas.
2. O crescimento econômico na zona do euro deve ser retomado. Sem crescimento, a reação política e social diante da austeridade corre o risco de ser devastadora. Reembolsar suas dívidas não é sustentável sem crescimento.
3. As políticas para alcançar esse objetivo poderiam implicar uma flexibilização monetária da parte do Banco Central Europeu, um euro menos forte, um pouco de estímulo orçamentário no coração da zona do euro, mais despesas com infraestrutura, redução de bloqueios e estímulos de ofertas à periferia (com uma “regra de ouro” para os investimentos públicos), e a vinculação dos altos salários à produtividade nos países de centro, a fim de se incrementar a renda e o consumo.
É preciso, enfim, um processo que permita se chegar à mutualização das dívidas. Existe um certo número de propostas de obrigações europeias e, cada uma delas, tem vantagens e inconvenientes. Dentre elas, é preciso apoiar a proposição, feita pelo Conselho alemão de experts para a apreciação da evolução econômica geral, de um Fundo de Amortização Europeu (FAE) – não porque seja a solução ideal, mas porque é a única capaz de dar segurança aos alemães.
Um programa de empregos temporários que não implique a emissão de obrigações europeias permanentes; o FAE se apoia numa garantia e estabelece prioridades para o seu financiamento, e se oferece uma forte condicionalidade. O risco principal é que toda proposta aceitável pela Alemanha implique uma perda tal de soberania nacional em matéria de política orçamentária que ela seria inaceitável para os países da periferia.
Renunciar a uma parte de sua soberania é inevitável. No entanto, que a política orçamentária de um país se torne objeto de uma submissão “neocolonial” à Alemanha – como o formulou para nós um alto responsável de um país periférico, quando da reunião do Instituto Nicolas Berggruen, em Roma – não é aceitável. Até aqui, a posição alemã tem sido negativa, a respeito de propostas desse gênero. A proposta nuançada que fazemos aqui poderia apaziguar as inquietações alemãs. Mesmo que eles não estejam convencidos, eles devem compreender que o custo de uma quebra da zona do euro seria astronômico – tanto para a Alemanha, como para os outros países.
No fim das contas, a solução histórica para a Europa seria uma melhor integração numa união política e orçamentária, de acordo com modalidades capazes de pôr termo ao “déficit democrático” e de tornar as instituições europeias mais responsáveis perante os cidadãos. Isso sempre esteve implícito no projeto da união monetária.
Mas, antes que a Europa esteja em condições de dar esse passo histórico, ela deve mostrar que aprendeu com as lições do passado. A União Europeia foi criada para evitar a repetição dos desastres dos anos 1930. Chegou o tempo de os responsáveis europeus – e sobretudo os dirigentes alemães – de compreenderem que eles estão perto de provocarem um retorno aqueles anos.
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Niall Ferguson é professor de história da economia na Universidade Harvard; Nouriel Roubini é professor de economia da Universidade de Nova York.
Tradução do francês: Katarina Peixoto
Fonte: Le Monde, na Carta Maior